Implementada no ano passado, com a Lei 14.898/2024, a tarifa social para água e esgoto é motivo de preocupação para empresas e especialistas do setor no ano em que os leilões de saneamento devem se concentrar nas regiões Norte e Nordeste, onde há maior percentual de famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) ou que recebem Benefício de Prestação Continuada (BPC).
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A lei prevê desconto de 50% nas tarifas para a população de baixa renda desde que o consumo seja limitado a 15 metros cúbicos por mês. Cálculos da Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) preveem um potencial aumento de 15% nas tarifas cobradas pelas concessionárias privadas.
Além disso, especialistas acreditam ser necessária uma melhor avaliação da base de dados para que a medida seja sustentável do ponto de vista econômico.
Mas Nelson Barbosa, diretor de Planejamento e Relações Institucionais do BNDES, explica que, na estruturação dos projetos, a recomendação é que o valor da outorga pago pelo concessionário seja direcionado prioritariamente a investimentos ou para custear uma tarifa social durante um período de transição para a baixa renda.
— A nossa estruturação de projeto tem recomendado que parte da outorga seja destinada a cobrir a tarifa social nos primeiros anos do projeto, facilitando essa transição. Com o modelo de concessão, há uma perspectiva de aumento de produtividade, de redução de inadimplência, perda de água e de custos. E, a partir disso, esses ganhos vão viabilizando uma tarifa mais adequada. Essa tem sido uma diferença entre as estruturações anteriores — afirma Barbosa.
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Embora considere essencial a tarifa social, o advogado e professor especialista em Direito do Consumidor Vitor Guglinski diz que alguns critérios precisam ser aprimorados. Para ele, a tarifa social reduz a receita, o que pode gerar risco ao equilíbrio econômico-financeiro do negócio, especialmente em áreas com grande parcela da população de beneficiários.
— O aprimoramento dos instrumentos de fiscalização e controle contribuiria para evitar ou pelo menos diminuir as fraudes praticadas por indivíduos que não se encaixam nos critérios de baixa renda para se beneficiar da tarifa social. Isso faria com que a tarifa social fosse aplicada a quem realmente precisa. Por outro lado, o investimento em tecnologia também pode reduzir custos operacionais, permitindo que as concessionárias absorvam melhor os impactos da tarifa social.
Segundo Christianne Dias, diretora executiva da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, há uma dificuldade de acesso aos dados do CadÚnico. Para ela, as informações precisam ser disponibilizadas para que os processos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos sejam protocolados perante as agências para incorporar os novos padrões de tarifa social.
— O reequilíbrio é uma medida antecedente à aplicação da tarifa social, mas só pode ser solicitada após o acesso aos dados — explica.
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Segundo ela, as agências reguladoras começaram a receber já em dezembro os pedidos de reequilíbrio por parte das empresas.
— A incorporação dos dados do CadÚnico demanda interlocução com os governos. O setor está empenhado em encontrar uma solução— completa ela.
Christianne, no entanto, ressalta que, mesmo antes de a lei ser aprovada, a tarifa social vinha sendo cada vez mais adotada pelas concessionárias privadas:
— Grande parte das concessionárias de água e esgoto no país já pratica a tarifa social, correspondendo a uma a cada dez contas de água e esgoto.
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Para Luiz Gronau, sócio-diretor da A&M Infra, a tarifa social é um importante instrumento de justiça para a parcela da população mais pobre, que sofre com a falta de abastecimento e condições impróprias de esgotamento sanitário. Mas ele destaca que o ponto desafiador envolve os dados e informações disponíveis, que, por serem muito amplos, não necessariamente refletem toda a realidade.
— É importante um trabalho na avaliação desse universo, no reflexo e na adequação da estrutura tarifária, para que esse instrumento atinja as pessoas corretas, mas que também seja sustentável econômica e financeiramente ao longo do contrato.
Daniel Engel, sócio da área de Infraestrutura & Projetos do Veirano Advogados, diz que é preciso aguardar a publicação da norma, sua implementação e como será operado o reequilíbrio dos contratos:
— Há estudos que demonstram que a universalização dos serviços de água e esgoto gera externalidades positivas para a sociedade. A política pública deve permitir isso e a manutenção da equação econômico-financeira dos contratos.
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Segundo Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, a tarifa social é um instrumento importante para diminuir a conta de consumo final das classes economicamente mais frágeis. Segundo ele, a ideia é que os consumidores mais fortes suportem os economicamente mais fracos em uma política de subsídio cruzado.
— Toda empresa do setor já estrutura o seu negócio sabendo que haverá o subsídio cruzado, que é levado em conta em toda operação de saneamento. Isso não impactará os investimentos ou o desenvolvimento da universalização. A tarifa social sempre auxilia as camadas de baixa renda em todo o mundo, em vários setores.
Segundo Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, a tarifa social é um mecanismo muito importante, tendo em vista as características sociais do país.
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— Quando a gente olha o peso que a fatura tem no bolso de cada cidadão, uma parte da população precisa ter acesso a essa tarifa social. O setor de saneamento básico é planejado para ter equilíbrio econômico-financeiro, no qual a população com maior renda acaba subsidiando a população com menor renda. Isso é uma ferramenta para levar qualidade de vida com preço justo para cada cidadão.
Luana, no entanto, pondera que a tarifa de saneamento tem um peso pequeno quando comparado com os gastos com energia elétrica e internet.
— O saneamento precisa, sim, ter subsídio, seja de cidades maiores subsidiando cidades pequenas ou a partir da população com maior renda.