O aumento da parcela de lares que recebem água tratada e têm o esgoto recolhido teve impacto forte na redução dos problemas de saúde da população, de acordo com estudo do Instituto Trata Brasil, divulgado este mês. Em 2006, somente 39,4% tinham o esgoto coletado. Em 2022 esse percentual da população subiu para 55,5%.
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O avanço fez reduzir as internações por doenças, como diarreia e dengue, pela metade desde 2008: caíram de 615,4 mil para 344,4 mil em 2024. Isso equivale a uma redução média anual de 3,6% nos últimos 16 anos.
— Há uma correlação entre falta de saneamento e doenças. Um aumento de 16 pontos percentuais na coleta e tratamento de esgoto já fez com que houvesse essa redução nas internações. Estimamos que três anos após a universalização plena, as internações possam cair 69%— afirma Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
Mesmo com a redução no número de internações por doenças causados por insetos, como dengue, febre amarela, e contágio por água contaminada ainda morrem no Brasil mais de 11 mil pessoas por ano vítimas dessas doenças, constatou o estudo.
E o efeito é maior entre as crianças, segundo Luana, quando a ocorrência de diarreias frequentes começa a prejudicar o desenvolvimento físico e intelectual:
— Quando a criança entra na segunda infância, de 7 a 11 anos, sem ter tido acesso ao saneamento, já tem um prejuízo. Ela não consegue acompanhar uma revista em quadrinho ou jornal, tem dificuldade para fazer cálculos. Ela carrega o prejuízo da primeira infância. No fim da adolescência, terá 1,8 ano de estudo a menos em comparação com uma criança que teve acesso.
Essa defasagem na vida escolar que vai se acumulando ao longo dos anos de estudo faz, na vida adulta, a renda ser menor. Segundo Luana, a renda média acumulada é 46,1% maior entre as pessoas que tiveram água encanada em casa.
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Cada episódio de diarreia leva o aluno a faltar em média 2,6 dias de aula, o que fará o desempenho dele no mercado de trabalho ser pior. Entre as meninas, o impacto é ainda maior. Sem água em casa, elas faltam também quando estão menstruadas e sofrem com doenças ginecológicas, diz Luana:
— Há problemas de equidade de gênero. A menina, se não tem água, não vai para a escola.
Em estudos anteriores divulgados pelo Trata Brasil, o instituto estimou que 33 milhões de pessoas poderiam sair da pobreza, com saneamento básico pleno.
— A lógica é que se fica doente, não produz, não trabalha e não ganha. Fizemos um estudo sobre os benefícios econômicos do saneamento e a conclusão foi que o Brasil poderia ter benefícios socioeconômicos de R$ 1,4 trilhão — afirmou Luana.
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Desse total, R$ 864 bilhões são benefícios diretos (investimentos, operação e impostos recolhidos) e R$ 591 bilhões refletem redução de perdas causadas pela falta de saneamento. Nessa conta entram gastos com saúde, aumento da produtividade do trabalho, valorização imobiliária e renda com turismo.
Esses cálculos foram feitos para um período de 19 anos, de 2021 a 2040, a extensão do prazo para universalização prevista no Marco Legal do Saneamento.
— É uma política muito transversal — diz Luana.
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E ainda há desigualdade regional e de renda no acesso ao serviço. O Censo 2022 realizado pelo IBGE e divulgado no ano passado mostrou que ainda há no Brasil 1,2 milhão de pessoas que vivem em 367 mil lares sem banheiro, nem mesmo externo ou precário. No outro extremo, há 5,4 milhões que vivem em casas com quatro banheiros ou mais.
No Piauí, a pior situação registrada no levantamento, 5% da população vive nessas condições. O quadro é crítico em 169 municípios, onde 10% da população estava em lares sem banheiro ou sanitário.
Essa desigualdade no acesso fica evidente também nos dados do Trata Brasil. A taxa de incidência de doenças (número de internações por dez mil habitantes) é bem maior nos estados do Norte e do Nordeste, diz o levantamento do instituto.
Na média brasileira, a taxa é de 16,2 internações por dez mil habitantes, no Norte é de 19 casos, mas chega a 24,6 internações no Amapá e 22,2 em Rondônia. No Pará, estado que vai sediar a COP30, a taxa alcança 21,9 internações por dez mil habitantes.