O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) revelou nesta quinta-feira que mais de 700 pessoas morreram na síria desde dezembro do ano passado, quando um levante derrubou o ditador Bashar al-Assad, vítimas de minas terrestres e explosivos. Segundo a organização, um número relacionado ao retorno de milhares de refugiados a seus lares após o fim do regime, mas também à tensa situação de segurança no país.
Em comunicado, Stephan Sakalian, chefe da delegação da Cruz Vermelha na Síria, cita que entre o dia 8 de dezembro de 2024, quando Assad viu o regime de cinco décadas ruir após um levante liderado por grupos armados de oposição, e o dia 25 de março, 748 pessoas morreram vítimas de explosivos — 500 mortes ocorreram apenas em 2025.
“Minas terrestres e artefatos explosivos tiraram a vida de crianças enquanto brincavam em Daraa e Hama, mulheres ficaram feridas enquanto coletavam lenha ou sucata em Deir-ez Zor e Idlib, fazendeiros ficaram mutilados enquanto trabalhavam em seus campos em Douma”, escreveu Sakalian.
No ano passado, foram registradas 912 mortes entre janeiro e o início de dezembro.
Para a Cruz Vermelha, o aumento no número de vítimas está diretamente relacionado à queda de Assad no ano passado, ocorrida após uma rápida insurreição armada, e também aos recentes confrontos entre as forças pró-governo e grupos leais ao antigo regime.
No mês passado, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos apontou que mais de 1,5 mil pessoas morreram em uma operação de Damasco na região de Latakia, lar da minoria alauita e bastião político de Assad. Segundo organizações de defesa dos direitos humanos, houve um massacre deliberado de civis, que deve ser investigado como “crime de guerra”.
Além da instabilidade pós-Assad, a Síria ainda enfrenta o legado mortal de quase 14 anos de guerra civil, e também os efeitos colaterais do conflito indireto entre Irã e Israel — os bombardeios israelenses foram uma constante nos últimos anos, especialmente após o início da guerra na Faixa de Gaza contra o grupo terrorista Hamas, em outubro de 2023. Os ataques aéreos e incirsões terrestres continuaram após a queda de Assad, e o novo regime sírio acusa os israelenses de tentarem “desestabilizar” o país.
“Veículos militares abandonados, potencialmente carregados com munição ou explosivos, e estoques de armas negligenciados aumentaram a exposição civil. Enquanto isso, ataques militares em todo o país em locais de armazenamento de armas e munições espalharam ainda mais munições explosivas mortais, colocando mais comunidades em risco”, afirma Sakalian.
O retorno de civis após a queda do regime — segundo a ONU, 750 mil refugiados internos e externos retornaram às suas casas desde o fim do ano passado — também os colocou em situação de perigo: algumas das áreas abandonadas há anos escondem uma quantidade considerável de minas terrestres, munições não detonadas e outros perigos.
“Mais da metade da população da Síria enfrenta riscos letais diários, e as crianças são particularmente vulneráveis, com uma em cada três vítimas de munições explosivas sendo uma criança”, aponta Sakalian. “Devido à contaminação generalizada por armas, comunidades em muitas áreas do país enfrentam desafios no acesso a cuidados de saúde, educação e necessidades básicas, pois temem navegar nas áreas afetadas. Os agricultores também temem cultivar suas terras ou criar gado, piorando a insegurança alimentar.”
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A Síria — assim como EUA,Rússia e as duas Coreias — não é signatária do Tratado de Ottawa, de 1997, também conhecido como Convenção sobre a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoais e sobre a sua Destruição, e as novas autoridades em Damasco não deram qualquer sinalização sobre uma adesão futura. Estima-se que além do incontável número de minas e explosivos não detonados, os arsenais sírios armazenem dezenas de milhares de armamentos do tipo.
— Não podemos dizer que qualquer área na Síria esteja a salvo de resquícios de guerra — afirmou, em entrevista ao jornal Guardian, no mês passado, Mohammed Sami Al Mohammed, coordenador do programa de ação contra minas da Defesa Civil Síria, também conhecida como Capacetes Brancos. — Há países onde as guerras terminaram há 40 anos, mas eles ainda não conseguem eliminar completamente esse perigo. A questão não é tão simples e o que aconteceu na Síria é muito mais devastador do que o que ocorreu em outros lugares.