Arnaldo Antunes corrige o repórter logo na primeira pergunta desta entrevista por videochamada que concede ao GLOBO, por ocasião do lançamento do disco “Novo mundo”, o décimo quinto de sua carreira solo.
— Mais do que preocupado, eu estou assustado — diz o mais concreto dos poetas do rock brasileiro, que estreia a turnê do novo trabalho com show no Circo Voador, nesta sexta-feira (11), como parte da programação do festival Queremos.
No alto dos seus 64 anos, Arnaldo, que viu de um tudo nos anos 1980 — e que chegou a ser preso, em 1985, depois que a polícia achou heroína em sua casa —, está assustado, digamos assim, com outros tipos de droga: as telas, a inteligência artificial, os algoritmos, as informações falsas, a velocidade das coisas. “Bem-vindo ao novo mundo, que vai se desintegrar no próximo segundo”, profetiza o compositor no refrão da faixa-título que inaugura o álbum e que tem participação do rapper Vandal. Vai mais além, num alerta geral que soa quase pré-apocalíptico: “Os emojis são os novos hieróglifos / Não há como fugir dos algoritmos / Agora querem extinguir os livros / Por que será que ainda estamos vivos?”
— Estou assustado com o que nos levou a essa conectividade e o mundo atual, dentro dessa crise ambiental sem precedentes, um negacionismo dela por parte de muitas pessoas devido a desinformação, tudo isso que a música fala, a ascensão da extrema-direita, os algoritmos impulsionando violência e intolerância, hostilidade, a formação de guetos. Ao mesmo tempo, se proliferam cada vez mais as crises de pânico, de ansiedade, depressão, tudo com um excesso de mudança de assunto o tempo todo nas telas. A gente vive um tempo assustador. E a música é uma crônica disso. Não é uma música otimista, mas uma tomada de consciência, um alerta pra que a gente possa encontrar respostas de como reagir a esse mundo — diz Arnaldo.
Gravado no ano passado no Estúdio da Pá Virada, no bairro da Vila Romana, Zona Oeste de São Paulo, “Novo mundo” explana outras aflições com esquisitices da nova era. “Todo mundo tem opinião o tempo todo / todo mundo tem algo a dizer”, reclama o poeta no rock “Tanta pressa pra que?”, parceria com sua esposa, Marcia Xavier. Mas também se propõe resolutivo quando, por exemplo, dá conselhos na baladinha “Pra não falar mal”, a quinta faixa do disco, que tem participação de Ana Frango Elétrico. “Não seja impaciente com quem é impaciente com você”, pede a letra. Na baladinha “Tire o seu passado da frente”, que encerra o disco, ele sentencia que “não é porque foi oprimido que vai virar opressor”. As conexões entre as músicas, Arnaldo explica, foram surgindo de maneira mais orgânica.
— Em geral, não trabalho assim (planejando o conceito de álbum antes de compor as músicas). Os conceitos vão aparecendo durante o processo. São canções inéditas e feitas recentemente, claro que a seleção delas foi pensada pra chegar num corpo. Mas é um disco que amarra algumas ideias. A primeira e última faixa dialogam, são temas muito próximos, são músicas que mostram esse lado mais visceral, mais crítico. Mas tem as músicas mais solares também — diz o ex-Titãs, citando “É primeiro de janeiro”, outra feita com Xavier, além da terna “Acordarei”, embalada pela textura serena do violão de Kiko Dinucci e pelo piano de Vitor Araújo, parceiro de Arnaldo em seu disco anterior, “Lágrimas no mar”.
Além de Dinucci e Araújo, estão com Arnaldo nesta nova empreitada os músicos Betão Aguiar (baixo) e Pupilo (bateria, beats e percussões). Este último, aliás, assina a produção musical do disco. A escolha de Pupilo, velho conhecido de Arnaldo mas com quem ele nunca havia trabalhado em estúdio, tem a ver com a vontade do compositor de “se aventurar numa formação nova” pra dar mais peso ao novo trabalho.
— Depois de fazer shows com o Vitor no formato voz e piano, havia um desejo vago de voltar pra uma sonoridade mais pesada, mais dançante. “Novo mundo” também tem esse sentido de renovar a sonoridade com a qual eu vinha trabalhando. Me surpreende a capacidade do Pupilo de transitar em diversos gêneros com muita originalidade, foi sensacional o jeito que fluiu — diz.
Há, ainda, gratas participações especiais. Além de Vandal — “me identifico com esse jeito dele de cantar meio berrado” — e de Ana Frango Elétrico — “esse charme que é a voz dela”, diz o compositor —, duas das canções são parcerias como americano David Byrne, do Talking Heads, com quem Arnaldo se diz muito próximo artisticamente. Marisa Monte, outra velha parceira, chega junto em “Sou só”, que tem arranjo de cordas assinado por Antonio Neves.
— Eu sou fã do David Byrne desde os anos 1980, um cara que está sempre se renovando, me identifico com isso. Tem uma proximidade da nossa linguagem de performance de palco. A ideia era mandar duas músicas pra ele escolher uma, mas acabamos fazendo as duas. Compusemos durante um mês e meio. Ele gravou a voz dele em Nova York, fiquei muito feliz. E a Marisa, parceira de tantos anos, queridíssima, fizemos essa parceria recente, que eu me encantei, uma viagem. Quis gravar e não resisti a chamar ela, parece que nossas vozes juntas já tem uma identidade própria — afirma.
Agora, é pé na estrada. Ontem, Arnaldo Antunes postou um vídeo em suas redes sociais com um trecho de uma entrevista que deu ao Roda Viva em 2000. “O que eu mais gosto de fazer é dar show. Não é gravar disco, não é escrever livro. Onde eu me sinto mais pleno é em cima do palco”, disse o músico, ainda com os cabelos espetados no gel que o acompanhavam à época. Ao GLOBO, ele se confirma:
— Já estou morrendo de saudade da estrada, abstinente de palco, doido pra voltar. Às vezes acho que faço disco só pra fazer show. Sinto falta daquele descarrego, daquela energia que o palco dá, a vibração das pessoas, pra mim é uma parte muito importante.
Para a turnê que se inicia — depois do show no Circo, ele segue para apresentações em São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre —, Arnaldo Antunes preparou um setlist que mistura canções do “Novo mundo” com algumas das que o consagraram, tanto na carreira solo como na época dos Titãs.
— Tem o desafio que a gente está lidando nos ensaios que é trazer músicas antigas pra essa nova sonoridade. Não quero dar muito spoiler (risos), mas tem duas do repertório dos Titãs, “O pulso” e “Comida”, e tem coisas que eu já vinha tocando, “A casa é sua”, “Socorro”, e outras que eu não cantava há muito tempo, que eu acho que conversa com novo disco. Chegamos num roteiro interessante com várias surpresas.