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— O que está no nosso radar é a questão da Previdência, que ainda é um desafio no Brasil e a questão do BPC (Benefício de Prestação Continuada). É um programa que está muito judicializado — afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista coletiva.
O congelamento de recursos já na primeira atualização do Orçamento deste ano mostra uma postura diferente do governo em relação a 2024, quando a contenção só ocorreu no terceiro relatório bimestral, mesmo com diversos alertas sobre os riscos às metas fiscais.
— A meu ver, adotou-se uma postura de menor risco do ponto de vista de cumprimento da meta, já fazendo um contingenciamento maior do que o que todo mundo esperava — disse Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre.
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A projeção saiu de superávit de R$ 14,6 bilhões, que constava na aprovação do Orçamento, para um déficit R$ 31 bilhões, no limite inferior da meta. A meta é resultado zero (equilíbrio entre despesas e receitas), com intervalo de tolerância entre déficit de R$ 31 bilhões e superávit de R$ 31 bilhões, ou 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os R$ 31,3 bilhões incluem um contingenciamento de R$ 20,7 bilhões, que pode ser revertido se houver novas receitas, e um bloqueio de R$ 10,6 bilhões.
O governo ainda não sabe que pastas e programas serão afetados pelo congelamento. O detalhamento por órgão constará de decreto a ser publicado no próximo dia 30. Os órgãos deverão indicar as programações a serem bloqueadas/contingenciadas em até cinco dias úteis.
O congelamento de despesas recai sobre os gastos não obrigatórios, que incluem despesas de custeio da máquina (como contratos terceirizados) e investimentos públicos (como obras e aquisição de máquinas e equipamentos). No fim de março, Lula editou um decreto para segurar as despesas de forma preventiva, o que já vinha fazendo os ministérios gastarem mais lentamente.
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Segundo a equipe econômica, parte expressiva da contenção deve recair sobre emendas parlamentares.
— Fizeram uma coisa acertada, que é já anunciar o ajuste total necessário. Isso é muito bom — afirmou Felipe Salto, economista da gestora Warren Rena. — De certo modo, tornaram o quadro mais realista. Inclusive, a receita foi revisada para baixo em quase R$ 42 bilhões.
Por outro lado, o esforço atual do governo parece suficiente apenas para fechar as contas de 2025, ponderou Salto, ressaltando que a equipe econômica continua a mirar o limite inferior da margem de tolerância de meta. Estruturalmente, avalia, as contas seguem desequilibradas, longe de garantir uma trajetória sustentável para a dívida pública:
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— Vamos continuar ainda gerando déficits, ainda que modestos, e essa dinâmica não é suficiente para estabilizar a dívida bruta em relação ao PIB. O governo segue uma lógica de gestão diária dos problemas, sem maior clareza sobre o momento e como a dívida alcançará novamente condições de sustentabilidade.
O anúncio do governo transformou o mercado em uma gangorra. Após a divulgação do congelamento de R$ 31,3 bilhões — acima dos R$ 10 bilhões esperados —, o dólar chegou a ser negociado abaixo de R$ 5,60, enquanto a Bolsa avançava 0,7%. Mas, começada a coletiva e divulgado o relatório, com piora na perspectiva fiscal este ano, os sinais se inverteram.
O câmbio encerrou em alta de 0,32%, a R$ 5,66, e o Ibovespa recuou 0,44%, aos 137.273 pontos.
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— Os números que vimos mostram que o governo não conseguiu cumprir nem de perto o que ele orçou, e isso será bastante preocupante para o mercado. O Brasil vai continuar a sentir mais o peso do fiscal — disse Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral.
Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, “o governo segue superestimando receitas e subestimando despesas.”
— Muita gente do mercado previa uma necessidade menor do que essa, mas nós fizemos questão de ser muito transparentes — afirmou Haddad na coletiva. — A caixa-preta do Orçamento está 100% aberta. Todo mundo vai poder fazer conta de quem está levando parte do orçamento, se é justo ou não.
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No entanto, o fato de os detalhes sobre o IOF (leia na página 16) terem ficado para outra coletiva alimentou a instabilidade, diz Fernando Siqueira, estrategista-chefe de ações da Eleven:
— Você não explica, as pessoas não sabem o que vai acontecer, e muita gente fica com pé atrás.
Ao ser perguntado sobre o IOF, Haddad criticou vazamentos e mostrou irritação com as especulações. Em São Paulo, minutos antes da coletiva, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que o governo federal anunciaria um contingenciamento de R$ 31 bilhões, além de um aumento no IOF. Ele afirmou, no entanto, que apenas comentava notícias que já circulavam na mídia.
Haddad disse ainda que, na reunião com o presidente Lula para discutir o tema, todos os ministros concordaram com as medidas:
— Não é surpresa para ninguém. Todo mundo entendeu. Vamos fazer o necessário, como no ano passado.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, por sua vez, ressaltou que sua pasta está fazendo o “dever de casa”, visando a eficiência dos gastos públicos.
O governo decidiu bloquear os gastos após os benefícios previdenciários subirem R$ 15,6 bilhões acima do previsto; o Plano Safra crescer R$ 4,5 bilhões; e o BPC aumentar R$ 2,8 bilhões.
Já o contingenciamento ocorreu por conta de uma frustração de receitas da ordem de R$ 31,3 bilhões, compreendendo concessões, royalties e outros impostos. Inicialmente esperava-se uma arrecadação extraordinária de R$ 168 bilhões. Só de receitas administradas pela Receita houve uma redução de R$ 81,5 bilhões.
— Tentaram tirar um pouco da projeção de receitas o que era claramente irreal, mas isso é insuficiente para ancorar o mercado, convencendo de que o cumprimento da meta segue factível — disse Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos.
Por isso, mesmo com o congelamento, ele avalia que o governo ainda vai precisar contar com “novas medidas de receita” e com um “empoçamento” das despesas para chegar à meta fiscal deste ano, mesmo no limite inferior da margem de tolerância.