A Câmara dos Deputados dos EUA aprovou nesta quinta-feira o projeto de lei de iniciativa do presidente Donald Trump que prevê o aumento do teto da dívida americana, a ampliação de isenções fiscais concedidas pelo governo federal e corte de gastos em programas sociais, chamado pela Casa Branca de projeto “Grande e Bonito” A aprovação, crucial para o governo Trump, veio após uma sessão iniciada na manhã de quarta-feira, marcada por longos impasses, deliberações, resistências internas e do mais longo discurso já proferido na Casa, de mais de oito horas de duração.
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O projeto foi aprovado por 218 votos a 214, com duas dissidências na base republicana e não sem uma boa dose de drama.
Ainda na manhã de quarta-feira, votações preliminares, necessárias para o encaminhamento do texto, fioram postergadas enquanto a liderança republicana tentava convencer deputados rebeldes a votarem de acordo com a vontade do presidente Trump. Foram cerca de seis horas de paralisação até que a última etapa regimental foi superada, já na madrugada de quinta-feira, abrindo caminho para que o texto final fosse a plenário.
Em minoria, os democratas também usaram o regimento para atrasar a votação, com o chamado “minuto mágico”, quando a oposição tem a chance de falar ao plenário, sem limite de tempo. O líder do partido na Câmara, Hakeem Jeffries tomou a palavra e fez um discurso oito horas e 45 minutos de duração, o mais longo da História da Casa. A certa altura, Jeffries afirmou que o texto descrito por ele como uma “abominação”, que “recompensaria bilionários com enormes isenções fiscais”.
— Os republicanos estão tentando usar uma motosserra para cortar a Previdência Social, uma motosserra para cortar o Medicare, uma motosserra para cortar o Medicaid, uma motosserra para cortar o sistema de saúde do povo americano, uma motosserra para cortar a assistência nutricional para crianças famintas, uma motosserra para cortar o campo e uma motosserra para cortar os americanos vulneráveis — disse Jeffries. — O que está contemplado neste projeto de lei grande e feio está errado. É perigoso e cruel, e a crueldade não deve ser o objetivo nem o resultado da legislação que consideramos aqui na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos.
Seu discurso foi criticado pelos republicanos, que queriam levar a pauta à votação o quanto antes.
— Ele pode estar tentando bater o recorde. Acho que Kevin McCarthy detém o recorde. É uma completa perda de tempo para todos, mas, sabe, isso faz parte do sistema aqui — disse Mike Johnson à CNN, se referindo ao antigo detentor do recorde de fala mais longa na Casa, e também o primeiro deputado a ser removido do posto de presidente da Câmara.
Após o resultado, a conta oficial da Casa Branca no X celebrou com uma imagem de Trump dançando e o texto: “VITÓRIA: O projeto de lei Grande e Bonito é aprovado pelo Congresso dos EUA e segue para a mesa do presidente Trump”.
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Com mais de mil páginas, o projeto “Grande e Bonito” de Donald Trump é considerado crucial para que ele tire do papel suas promessas de campanha. Em um comunicado emitido na madrugada, quando o sucesso no plenário ainda era incerto, Johnson afirmou que “este projeto de lei é a agenda do presidente Trump e o estamos transformando em lei”.
Pouco antes da votação ser encerrada, Trump já estava comemorando. “Que noite incrível”, escreveu ele em sua plataforma Truth Social. “Um dos projetos de lei mais importantes de todos os tempos. Os EUA são o país ‘MAIS QUENTE’ do mundo, de longe!!!”
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O ponto central é um corte de impostos estimado em US$ 4,5 trilhões (R$ 24,52 trilhões), que incluem renúncias fiscais instituídas por Trump em 2017, e que expiram no fim do ano, além de medidas como o fim da cobrança de impostos sobre horas extras e sobre gorjetas, uma promessa de campanha do republicano. Na base trumpista, há divergências sobre isenções fiscais a projetos ligados a energias renováveis e a veículos elétricos (que devem perder benefícios consideráveis), um ponto de atrito entre Trump e seu ex-braço direito, o bilionário e dono da Tesla, Elon Musk.
O projeto ainda prevê a elevação do teto do endividamento, outro ponto de atrito entre a Câmara e o Senado: na versão inicial aprovada pelos deputados, em maio, a previsão era de um aumento de US$ 4 trilhões (R$ 21,68 bilhões), mas o projeto modificado pelos senadores prevê mais US$ 5 trilhões (R$ 27,10 trilhões) — membros do Freedom Caucus apontam que o projeto, da maneira como aprovado pelo Senado, elevará o déficit público dos EUA em até US$ 3,3 trilhões (R$ 17,98 trilhões) nos próximos 10 anos.
Ainda na parte das promessas de campanha, o texto estabelece um gasto adicional de US$ 150 bilhões (R$ 813,09 bilhões) para ações de controle de imigração, uma bandeira do republicano, US$ 153 bilhões (R$ 829,35 bilhões) para despesas militares, incluindo um novo sistema de defesa aérea anunciado por Trump, o “Domo de Ouro”, além de US$ 10 bilhões (R$ 54,21 bilhões) para o programa espacial, priorizando uma futura missão a Marte e o transporte de um ônibus espacial da Virginia para o Texas, orçado em US$ 85 milhões (R$ 460,75 milhões).
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Contudo, a proposta traz cortes profundos em programas sociais voltados à parcela mais vulnerável da população. O Medicaid e o Medicare, financiados pelo Estados e que oferecem serviços de saúde a milhões de pessoas de baixa renda, perderão mais de US$ 1 trilhão (R$ 5,42 trilhões) com novas regras para o acesso aos benefícios e o corte nas verbas federais para reembolsos, relegando em boa parte aos estados o custo de tratamentos e medicamentos — os governos estaduais precisarão ainda elevar suas contribuições para um programa de assistência alimentar que atende mais de 40 milhões de americanos de baixa renda.
— Este projeto de lei é cruel e perverso. Era feio quando foi aprovado pela Câmara, e depois os republicanos do Senado o tornaram pior. Este projeto de lei grande e feio custará a vida das pessoas — disse a democrata Robin Kelly, citada pelo jornal britânico Guardian. — Sabemos quem serão os mais impactados: os negros. 13,3 milhões de negros dependem do Medicaid. Isso inclui 5,7 milhões de crianças.
Embora tivesse a marca de Trump, e fosse defendido como crucial para avançar em sua agenda, o projeto “Grande e Bonito” passou longe de ser unanimidade na base republicana. Na primeira votação na Câmara, em maio, ele passou com 215 votos a favor e 214 contra. No Senado, onde foi aprovado na terça-feira, o vice-presidente, JD Vance, precisou usar seu voto de minerva para desempatar a votação, que contou com três dissidências na base governista.
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Durante as longas negociações antes da votação decisiva na Câmara, o grupo parlamentar Freedom Caucus, que advoga por cortes mais profundos no orçamento federal, criticava as mudanças feitas de última hora pelos senadores para garantir a aprovação do texto, que incluíram novos gastos, e ameaçou votar contra o projeto.
Ao mesmo tempo, republicanos preocupados com os impactos eleitorais dos cortes em programas sociais queriam garantias de que as reduções nas verbas, que afetarão as pessoas mais vulneráveis de seus estados, não fossem tão agressivas. Nos dois casos, Trump manteve contato com os parlamentares para tentar amenizar suas posições, ou então forçá-los a ceder.
— O presidente [Trump] foi maravilhoso como sempre, informativo, engraçado, disse que gosta de me ver na TV, o que é muito legal. Grande dia hoje, pessoal. Espero que consigamos resolver isso. O presidente respondeu a todas as nossas perguntas e foi muito informativo. JD Vance estava lá. Foi um dia muito bom — disse, em vídeo publicado após reunião de parlamentares com Trump, o deputado Tim Burchett, um dos que se opunha publicamente ao projeto.
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O presidente da Câmara, Mike Johnson, também estava sob pressão para que todo o processo estivesse concluído até a sexta-feira, dia da independência dos EUA, prazo estabelecido por Trump para que o texto seja sancionado.
— Quando se tem uma legislação tão abrangente e com tantos itens de pauta envolvidos, as pessoas vão ter muitas prioridades e preferências diferentes, porque elas representam distritos diferentes e têm interesses diferentes — disse Johnson, citado pela rede CNN. — Mas não podemos deixar todos 100% satisfeitos. É impossível. Este é um órgão deliberativo. É um processo legislativo. Por definição, todos nós temos que abrir mão de nossas preferências pessoais.
Segundo um estudo da Universidade Yale, a aprovação do pacote pode fazer com que a parcela mais pobre da população tenha perda de renda de até 2,5%, ligada aos cortes nos programas de saúde e de alimentação, inclusive em estados comandados por republicanos. Por outro lado, os americanos mais ricos verão sua renda aumentar até 2,2%, em boa parte graças aos cortes de impostos, algo que os democratas prometem usar até a eleição de meio de mandato, no ano que vem, que renovará a Câmara e parte do Senado.
— Quando dizemos que o Partido Republicano se tornou uma seita, é isso que queremos dizer — disse o deputado democrata Seth Magaziner, antes da votação — Nossos colegas republicanos estão promovendo um projeto de lei que prejudicaria seus eleitores, um projeto que vai contra tudo o que eles afirmam defender, tudo porque Donald Trump quer uma sessão de fotos para a assinatura do projeto de lei até o dia 4 de julho.