Durante mais de dois anos, a alta liderança da Puma falou em “elevar” a marca alemã e tornar seus tênis e roupas mais desejáveis. Desde que chegou no mês passado, o CEO Arthur Hoeld deu um veredito bastante direto: a Puma, na verdade, agora é vista como uma marca barata.
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Hoeld, um veterano com décadas de experiência na rival Adidas, tem a missão de reverter a situação da Puma e traçar um caminho de volta ao lucro e ao crescimento. Não é a primeira vez que a marca, com 77 anos de história, precisa de uma reformulação — antigos líderes como Jochen Zeitz, hoje chefe da Harley-Davidson, e Bjorn Gulden, que se tornou CEO da Adidas em 2023, conseguiram encontrar maneiras de revitalizar o felino saltador da Puma.
Mas Hoeld enfrenta obstáculos consideráveis. Marcas em rápido crescimento como On Holding AG, New Balance e Hoka estão conquistando clientes e ganhando mais espaço nas prateleiras do varejo. A Adidas continua em alta com seus modelos retrô Samba, enquanto a líder do setor, Nike, está se recuperando sob a liderança do veterano Elliott Hill, com produtos como o tênis de corrida Vomero 18, após um raro momento difícil para o icônico Swoosh.
Além disso, há desafios que a Puma pouco pode controlar: o euro se valorizando rapidamente e as tarifas comerciais do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aumentando os custos do setor. Hoeld deu o primeiro passo rumo ao que parece ser uma reestruturação clássica em 24 de julho, ao apresentar uma reavaliação financeira dura, que projeta uma queda de 20% nas vendas nos próximos meses e prejuízo para a Puma ainda este ano.
—Isso mostra que algo está realmente muito errado — disse Piral Dadhania, analista do RBC Capital Markets. —Essa é uma reviravolta de risco bastante elevado. A execução se torna muito mais relevante nesse tipo de situação.
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Hoeld precisa primeiro estancar o sangramento. Ele está herdando um estoque crescente de tênis e roupas não vendidos em depósitos ao redor do mundo — o que pode levar mais de um ano para ser escoado e para convencer os varejistas a voltarem a comprar da marca, disse o analista do Deutsche Bank, Adam Cochrane, em um relatório.
— É algo bastante tóxico — afirmou Ingo Speich, gestor de portfólio da Deka Investment, em Frankfurt, um dos principais acionistas da Puma. —Se você continua produzindo mais e mais tênis e ampliando sua linha de produtos — ao mesmo tempo em que perde espaço no varejo porque outras marcas são muito mais fortes —, então a situação se complica.
Após o alerta de lucro da Puma, Hoeld relacionou o problema dos estoques a questões mais amplas que podem levar meses para serem respondidas e ainda mais tempo para serem implementadas.
— Temos os produtos certos para nossos consumidores e parceiros de atacado? — questionou. — Se sim, por que nossa marca não está alcançando a visibilidade e o engajamento necessários?
Ele prometeu apresentar sua estratégia no fim de outubro.
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A crise veio em um momento ruim. O mundo dos tênis passou por uma transformação na última década, à medida que Adidas e Nike se afastaram de muitos parceiros de varejo, priorizando canais de venda direta ao consumidor na esperança de aumentar os lucros. Essa estratégia saiu pela culatra, com os consumidores aderindo a marcas menores como On, Hoka e New Balance, que garantiram mais espaço nas prateleiras dos varejistas.
A Puma, por sua vez, não conseguiu aproveitar os tropeços da Nike, enquanto a Adidas rapidamente mudou de rumo sob o comando de Gulden, reconquistando varejistas que não conseguiam suprir a demanda pelos Sambas de três listras e modelos semelhantes.
Desde que Hill retornou à Nike no outono passado, ele vem reconstruindo as relações com parceiros de varejo, incluindo a Amazon, e a empresa parece pronta para uma nova fase de crescimento.
Há décadas, a Puma ocupa uma posição delicada no mercado de artigos esportivos. Embora atue em áreas como futebol, basquete e corrida, é muito menor do que seus principais rivais Adidas e Nike nesse jogo multiesportivo. Seus produtos geralmente têm preços mais baixos, embora a marca tenha sucesso quando encontra um nicho — muitas vezes assumindo o papel de marca “azarona”.
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Quando Bjorn Gulden chegou à Puma em 2013, ele redirecionou o foco da empresa para os esportes de desempenho e apostou fortemente na única verdadeira superestrela da marca: o velocista Usain Bolt. O jamaicano inspirou o slogan “Forever Faster” e apareceu em um comercial de TV se divertindo com mulheres em uma banheira de hidromassagem.
“Chamando todos os encrenqueiros”, dizia ele. “Para perigo, risco e possível status de foragido.”
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Avance pouco mais de uma década, e havia pouco daquele espírito rebelde na campanha “Go Wild” da Puma lançada nesta primavera no Hemisfério Norte, voltada para corredores do dia a dia em busca de boas vibrações.
A campanha teve dificuldades para se destacar diante do descontraído “You Got This” da Adidas ou do vídeo da On com o Elmo, da Vila Sésamo, incentivando corredores calçados com os tênis ultraacolchoados da marca a pegarem mais leve consigo mesmos — porque “a suavidade vence”.
Ainda assim, é o tênis Speedcat da Puma que simboliza o momento conturbado da marca. Em 2023, a Puma demorou a relançar seu modelo retrô Palermo para concorrer com o Samba da Adidas. Na época, os líderes da Puma disseram que reagiriam dominando a provável próxima tendência: tênis de sola fina e perfil baixo.
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As esperanças estavam depositadas no Speedcat dos anos 1990 — originalmente fruto da iniciativa de Zeitz para inserir a Puma no automobilismo — para se tornar um grande sucesso. Celebridades como Jennifer Lawrence começaram a usá-los em 2024, e a Puma finalmente ampliou a produção no início deste ano, com o então CEO Arne Freundt dizendo que poderia ser um dos calçados mais quentes do verão.
Agora, a Puma admite que o modelo simplesmente não caiu no gosto do público. Para piorar, a Adidas entrou em cena com sua linha semelhante Taekwondo para capturar a demanda do pós-Samba — e agora está superando os modelos Speedcat da Puma na plataforma de revenda StockX, segundo dados do próprio site.
O Speedcat era peça-chave na estratégia da Puma para elevar a marca e permitir que ela cobrasse preços mais altos por outros produtos. Em vez disso, algumas versões do tênis, vendido por € 110 (US$ 127 ou cerca de R$ 704) , podem ser encontradas por apenas € 88 ( US$ 102 ou R$ 565) no site da própria Puma. Versões do Palermo, que custa € 100 (US$ 116 ou R$ 642), estão com até 30% de desconto. A Adidas, por outro lado, vende algumas versões do Samba por quase o dobro desse valor.
Speich espera que as décadas de experiência de Hoeld na área de vendas da Adidas façam a diferença. Ele passou anos supervisionando o segmento de calçados e vestuário retrô da empresa, além de ter liderado a divisão da Europa, Oriente Médio e África. Ele ocupava o cargo de chefe de vendas globais até outubro.
Se a Puma conseguir lançar alguns produtos realmente desejados, Hoeld talvez tenha mais sucesso em colocá-los nas lojas certas, diante dos consumidores certos, segundo Speich. Não se trata de transformar a marca em algo “de luxo”, ele acrescentou.
Hoeld destacou a linha de corrida como tendo potencial imediato. Em 2021, a Puma voltou a investir nesse segmento com seus tênis de espuma “Nitro”, recebendo elogios de corredores profissionais e entusiastas.
No entanto, a empresa demorou a mirar nos consumidores casuais e, atualmente, a Puma está presente em apenas 20 das quase 300 lojas da rede especializada em corrida Fleet Feet, nos Estados Unidos, por exemplo.
— Quando falamos em inovação na nossa indústria, a corrida é um dos esportes que mais importam —disse Hoeld a jornalistas. — Vamos garantir que o Nitro seja reconhecido globalmente como uma plataforma essencial para o sucesso futuro da Puma.