“Para, para, para!” Foi com esse bordão que o apresentador João Kleber, da Rede TV, popularizou no Brasil o Teste de Fidelidade. Nas noites de domingo, muita gente parava para assistir às empreitadas de modelos cuja missão era levar à tentação maridos e esposas expostos no programa, que muitas vezes teve a veracidade questionada. Com os anos, a atração perdeu o fôlego, mas a prática não — com a internet, ela ganhou nova versão via redes sociais. No lastro da curiosidade sobre o tema relacionamento, vídeos contando as histórias das provações se tornaram sucesso na web, abrindo espaço até mesmo para uma nova oportunidade de negócio.
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A influenciadora de 22 anos que usa o codinome Bianca Santos começou a fazer testes aos ver outras meninas oferecendo os serviços no Tik Tok. O que parecia uma aventura acabou se tornando profissão e hoje é sua única fonte de renda. Ela chega a conversar com 30 alvos num único dia, em testes pelos quais são cobrados entre R$ 40 e R$ 100, a depender dos dias de interações e tipos de mensagens, que podem ser de texto, áudio e até videochamada.
— Ao final do teste, ainda posso marcar um encontro presencial, mas não vou. Quem vai é a esposa. Já fiz teste até para a minha dentista — conta Bianca, que usa as próprias fotos nos vários perfis que cria e loga em diferentes celulares. — Sempre troco os chips como medida de segurança, para não ser localizada por algum infiel insatisfeito ao descobrir a trama.
Para a abordagem, ela desenvolveu a tática de não ir com muita sede ao pote e começar puxando assuntos mais leves, como temas relacionados ao trabalho dele.
— Fiz um teste dias antes de um casamento, e como o noivo caiu, a cerimônia foi cancelada. Já recebi mensagem de mulher que me contratou, mas era amante e não a esposa, tirando satisfação depois de ver minha abordagem. E teve cliente que já fez teste com mais de um namorado — conta ela.
A influenciadora Luiza Bertoncello, de 27, começou a fazer testes em 2019, motivada pelo seu próprio relacionamento à época. Ela queria saber se estava sendo traída e pediu para uma amiga chamar o então parceiro nas redes sociais. O que parecia ser um final triste — já que o namorado caiu e até marcou de encontrar a interlocutora — revelou-se uma oportunidade.
— Contei para algumas amigas o que eu tinha feito, e elas pediram para eu mandar mensagem para o namorado delas. Passei meses fazendo sem cobrar, só no intuito de ajudar outras mulheres. Foi quando contei sobre isso para a minha psicóloga, que me deu a sugestão de começar a monetizar — relembra.
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Hoje, Luiza ganha até R$ 250 por teste e conta com uma equipe de outras 20 mulheres. Entre as regras do grupo está o compromisso com a contratante de o parceiro jamais saber do teste — nem ao fim do experimento — e não enviar fotos íntimas, para se preservar. Segundo ela, somente 4% dos homens testados são fiéis ou não respondem.
— Muitas pessoas não entendem o propósito dos testes e acabam julgando como se fosse uma forma de “destruir” relações, mas o intuito é somente mostrar o que já existe, e ajudar mulheres a não permanecerem em relações onde não há respeito — explica a influenciadora.
Após três anos de namoro, uma dentista de 25 anos que pediu para não ser identificada, sentiu que o parceiro tinha se afastado e começou a demorar para responder suas mensagens. Foi então que descobriu o Teste de Fidelidade virtual de Luiza e decidiu apostar.
— Fui a um restaurante com meu ex, e na hora em que fui ao banheiro, pedi ao garçom para entregar um bilhete com um número de telefone, que era o da Luiza. No outro dia, ele a chamou no WhatsApp. No fim, ele acabou contando que tinha namorada e que só tinha traído uma vez, com a minha melhor amiga — lembra a dentista, que mesmo depois de terminar o relacionamento avalia a experiência como positiva: — Ajudou a me livrar de um homem manipulador.
Mas se engana que os testes têm na mira apenas o público masculino. Junior Araujo, de 26, que se autointitula Fiscal da Galha trabalha com mulheres e chega a fazer 30 testes por mês. O serviço custa R$ 50 por dia de conversa; a investida pode durar até um mês.
— Comecei com a testagem por conta da minha esposa, que já atuava na área. A procura foi tanta que tive que sair do meu emprego para dar conta — afirma.
A curiosidade que envolve histórias de infidelidade foi o que inspirou o influenciador Pablo Loyo, que tem mais de 3 milhões de seguidores nas redes e faz testes de forma gratuita em seus perfis no Tik Tok e no Instagram, atendendo a pedidos de seguidores que querem avaliar seus parceiros.
— Recebo mais de 100 por dia, mas só escolho as histórias mais legais para os conteúdos. Todos os vídeos têm mais de um milhão de visualizações, e acho que o sucesso está relacionado ao fato de que o pessoal gosta de ver que tem alguém mais ferrado que eles — brinca Loyo.
Apontado como a maior referência do país quando o assunto é Teste de Fidelidade, João Kleber faz ponderações sobre o modelo virtual, embora acredite em seus efeitos.
— O teste até pode funcionar, mas é preciso cuidado. A internet abre um campo de possibilidades, mas também de ilusões. Muitas vezes, a pessoa reage de uma forma online que não corresponde ao que faria no mundo real. O teste tradicional envolve presença, emoção, olho no olho, é mais intenso — compara.
Um alerta, contudo, é que a oferta de testes de fidelidade, assim como todo serviço oferecido na internet, pode ser golpe. Há relatos de perfis que cobram valores irrisórios, de R$ 5 a R$ 15, que não entregam ou usam de forma irregular dados fornecidos pelo contratante.
O advogado criminalista Fabio Manoel explica ainda que os testes não são irregulares, mas dependendo de seus desdobramentos, podem acabar nos tribunais.
— Para que não seja configurado crime é importante que a conversa não seja ofensiva, não tenha uma tentativa insistente de contato ou gere algum constrangimento; que não tenha conotação sexual ou gere danos psicológico para o alvo. Uma intimidação sistemática pode configurar um cyberbullying. E tem ainda o crime de perseguição, também conhecido como stalking, caso o contato seja reiterado e invada ou perturbe o outro — lista Manoel.
A coordenadora do departamento de novas tecnologias e direito penal do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Maíra Fernandes, que também já esteve à frente da Comissão de Crimes Digitais da OAB-RJ, pontua ainda os riscos de divulgar os resultados dos testes nas redes:
— É possível falar em difamação, se a situação for divulgada, e no crime de disponibilizar foto, vídeo ou qualquer registro de nudez sem o consentimento da vítima, caso o alvo do teste envie algum nude e a pessoa encaminhe a mensagem para a pessoa que a contratou.
Atuando na agência SPC do Amor — Serviço de Proteção do Coração — especializada em investigações conjugais, Sabrina de Cillo avalia que a melhor forma para desvendar uma traição é a investigação particular conduzida por um detetive.
— O teste virtual não é uma ferramenta muito confiável porque é uma situação induzida e que pode gerar um comportamento artificial — avalia.
Especialista em casais e relacionamentos, a psicóloga Giselle Barreto avalia que, mesmo podendo desvendar fragilidades entre os casais, os testes não são o melhor método de lidar com suspeitas de infidelidade:
— Eles dão uma falsa sensação de controle, de que será possível descobrir a verdade. Mas, na prática, geram dilemas éticos e emocionais, reforçam a vigilância excessiva, alimentam suspeitas infundadas e acabam corroendo o que realmente sustenta a fidelidade: a comunicação e honesta.