A nova onda de reconhecimento ao Estado palestino, incluindo por parte de países como Reino Unido, França e Canadá, às vésperas da Assembleia Geral da ONU, criou expectativa em torno de um avanço decisivo em direção à solução de dois Estados para o conflito palestino-israelense. Apesar do esforço político, uma série de questões de ordem prática segue em aberto para que o reconhecimento ganhe uma dimensão para além do plano simbólico — incluindo quem estará a frente do novo país, e quais serão os seus limites de fato.
- Entenda: Conferência de dois Estados busca reconhecimento da Palestina às vésperas da Assembleia Geral da ONU
- Movimento político: Cidades da França contrariam Macron e hasteiam bandeiras palestinas antes de reconhecimento oficial
Em comunicados separados, mas feitos de forma coordenada, Austrália, Canadá e Reino Unido reconheceram o Estado palestino no domingo, enquanto um grupo de nações europeias, lideradas pela França, fez o mesmo nesta segunda-feira. Em comum, todas as declarações afirmaram que o reconhecimento é parte fundamental para caminhar em direção à solução do conflito, mas não detalham como isso será feito.
As principais dúvidas nesta altura dizem respeito a qual território exatamente corresponderá ao Estado palestino, e com quem ficará a liderança política — dois dos quatro critérios previstos pela Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados, de 1933, ao lado da existência de população permanente e capacidade de dialogar com outros Estados.
As declarações formuladas por países europeus apontam que o futuro governo palestino não deverá ter qualquer participação do Hamas — grupo terrorista responsável pelo atentado de 7 de outubro de 2023 contra Israel, mas que também é um partido político, que venceu as últimas eleições disputadas na Faixa de Gaza, em 2006.
Um caminho defendido pelos países ocidentais que se mobilizam pelo reconhecimento palestino é que a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que está no poder na Cisjordânia tenha uma participação central no novo processo de politização. Embora seja a organização política que detém a maior parte dos contatos internacionais, a ANP, presidida por Mahmoud Abbas, também não se submete a uma eleição desde a primeira década dos anos 2000, tendo a credibilidade questionada mesmo entre setores da sociedade palestina.
— O fato de não termos tido eleições durante todo esse tempo é simplesmente inacreditável — disse a advogada palestina Diana Buttu, em entrevista à rede britânica BBC. — Precisamos de uma nova liderança.
Recentemente, em meio às negociações internacionais para encerrar o conflito em Gaza, o Hamas se mostrou favorável a entregar o poder a um governo liderado por tecnocratas — solução ainda abstrata, e carente de nomes que não estejam envolvidos às organizações que já fazem parte do poder.
Além da fragilidade do cenário político, um segundo aspecto ainda mais imediato não está claro: qual território corresponderá ao novo Estado palestino. Embora existam correntes defendendo diferentes divisões da região do Levante, muitas das propostas anteriores às negociações atuais diziam respeito às fronteiras de 1967, prévias à guerra dos Seis Dias, com a Palestina ficando estabelecida na Faixa de Gaza, Cisjordânia, e com sua capital em Jerusalém Oriental.
A solução não parece possível sem um consentimento de Israel, que avançou sobre essas fronteiras ao longo das décadas. Além da ocupação de Jerusalém Oriental e de regiões da Cisjordânia ao longo dos anos anteriores à guerra — em uma política considerada ilegal por órgãos internacionais — o governo do Estado judeu autorizou neste ano a maior expansão de assentamentos de colonos em décadas.
Autoridades do governo também revelaram planos para ocupação de Gaza ao fim da guerra. Na semana passada, o ministro das Finanças israelense, Bezalel Smotrich, afirmou que o enclave palestino, à beira do Mar Mediterrâneo, era uma “mina de ouro imobiliária”, revelando planos com os EUA para dividir a região costeira.
Em Gaza, a onda de reconhecimento internacional ainda é vista com desconfiança. Em meio ao cotidiano da guerra, palestinos pedem por medidas práticas para retomarem suas vidas cotidianas.
—É inútil. Na prática, nada está mudando. É como se estivessem nos fazendo de bobos. Não traz nenhum benefício — disse Kamal Abu Kweidar, um lojista palestino ouvido pela rede americana CNN. — Esperamos que isso leve a algo bom, mas parece impossível.