Os mesmos que estavam celebrando o “nocaute” que Lula dera em Donald Trump em seu duro discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU não se importaram em também comemorar o que seria uma “derrota” para o bolsonarismo no aceno feito ao presidente brasileiro pelo norte-americano em sua fala, logo em seguida, diante da mesma plateia. Parece bastante cedo para enxergar qualquer continuidade na nota de rodapé que Trump dedicou ao Brasil numa fala longa, prolixa, repleta de autoelogio e de reafirmação de suas próprias “doutrinas”.
Da mesma forma que Trump disse, num tom para lá de condescendente, que encontrou Lula por alguns segundos e que houve uma “química” entre eles, segundos antes ele havia ameaçado o Brasil, dizendo que o país enfrentaria percalços caso não estivesse próximo aos Estados Unidos –uma fala nada simpática, bastante ameaçadora e mais em linha com as ações de seu governo, inclusive as da véspera, quando novas sanções a autoridades e funcionários públicos brasileiros foram distribuídas de forma bastante aleatória.
Na verdade, a nota pitoresca a respeito do encontro com Lula foi mais breve e teve menos destaque que as reclamações sobre o funcionamento da escada rolante e o teleprompter da ONU e as críticas à construção do edifício-sede à revelia das intenções de seu grupo imobiliário. Portanto, erra quem enxerga nela qualquer abandono de Trump ao bolsonarismo, de resto esquecido pelo republicano em sua fala.
Fica evidente que a campanha do governo dos EUA contra o Brasil pouco ou nada tem a ver com um esforço sistemático e central para livrar Bolsonaro da Justiça: o ex-presidente brasileiro só interessa na medida em que sua punição leva a comparações com o que houve com o próprio Trump após o incentivo declarado à invasão do Capitólio e à contestação à vitória de Joe Biden.
Isso, sim, pode ser sinal de preocupação para os extremistas bolsonaristas que seguem nos Estados Unidos em campanha contra o Brasil. Mas não indica, de imediato, que não possam vir novas sanções contra o Brasil, ainda mais se Trump tomar pé mais detidamente do discurso de Lula, esse sim direcionado quase que exclusivamente a criticar o republicano e os EUA, mesmo sem nunca citá-los nominalmente.
A fala de Lula foi impecável aos objetivos internos do petista de se mostrar empenhado em defender a soberania brasileira, e funcionou bem para a audiência global, pois foi um contraponto ao unilateralismo que os Estados Unidos tentam impor ao mundo em praticamente todos os fronts, da solução de conflitos à agenda climática, passando pelo comércio e as políticas de regulação das big techs e migratórias.
A nota dissonante e contraditória da fala do petista foi a defesa, ainda que lateral (e por isso mesmo completamente dispensável), de Venezuela e de Cuba, praticamente um pedágio que ele se dispôs a pagar aos apoiadores mais próximos a esses países, mas que tirou a força da abertura da fala, em que o presidente rechaça autoritarismos e aqueles que ameaçam a democracia.