Aquele foi considerado um ano de virada ética no Congresso. Em maio de 2001, o poderoso senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) renunciou ao mandato para não ser cassado, depois de revelada sua participação em um esquema de violação do painel de votação do Senado Federal. Logo depois, outro senador, José Roberto Arruda (PSDB-DF), aliado de ACM envolvido na mesma fraude, também pediu para sair. Já em setembro, foi a vez de um terceiro membro da Casa, Jader Barbalho (PDMB-PA), abrir mão da sua cadeira, soterrado por denúncias de desvio de verbas.
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Pressionados pela opinião pública, os parlamentares elaboraram uma pauta ética para tentar melhorar a imagem do Congresso. O ponto culminante foi a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que deu fim à imunidade parlamentar, no dia 5 de dezembro de 2001. Naquela quarta-feira, nada menos que 442 deputados federais votaram para acabar com o privilégio, com duas abstenções e um único voto contra. Até mesmo o então deputado Eurico Miranda (PTB-TJ), que estava ameaçado de cassação e tinha votado contra a PEC em primeiro turno, mudou de ideia na segunda fase.
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Agora, 24 anos depois, uma mobilização no Congresso busca voltar ao passado. Semana passada, a Câmara aprovou a chamada PEC da Blindagem, cujo objetivo é restabelecer a imunidade parlamentar. A medida, porém, foi alvo de grandes protestos em capitais do Brasil e não deve passar no Senado.
A imunidade parlamentar foi uma garantia da Constituição Federal de 1988. Após 21 anos de ditadura, quando parlamentares foram cassados de forma arbitrária, o objetivo da Assembleia Constituinte era proteger o Legislativo. Assim, segundo o artigo 53 da Constituição, deputados e senadores só podiam ser processados criminalmente com aval do Congresso. Entre 1988 e 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) fez mais de 250 pedidos para processar parlamentares, mas só um foi aceito: em 1991, então deputado Jabes Rabelo (PTB-RO) foi processado por receptação de veículo roubado.
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O caso mais emblemático foi o do coronel reformado da Policia Militar e então deputado Hildebrando Pascoal (PFL-AC), acusado de liderar um grupo de extermínio e de esquartejar suas vítimas. Em 1999, o STF pediu autorização à Câmara para processar criminalmente o parlamentar, mas a Casa optou por cassar o mandato de Pascoal. Com isso, a ação foi para a primeira instância da Justiça. Em 2009, ele seria condenado a 18 anos de cadeia pelo assassinato de um homem após sessão de tortura em que a vítima teve os olhos perfurados, além de pernas, braços e pênis amputados com um motosserra.
A proposta de acabar com a imunidade parlamentar estava em tramitação desde 1995. Em novembro de 2001, o então presidente da Câmara, Aécio Neves (PSDB-MG), decidiu colocar o tema em votação mesmo sabendo que não havia consenso. Entre os principais opositores da PEC, estava o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que em 2017 seria preso, acusado de lavagem de dinheiro, após a apreensão de mais de R$ 51 milhões em espécie dentro de um apartamento usado pelo parlamentar. “Isso que estão propondo é uma loucura, vão deixar a casa a nu”, disse Geddel, em 2001.
Mas, temendo a opinião pública, poucos parlamentares votaram contra a matéria. Na primeira votação na Câmara, a extinção da imunidade teve a aprovação de 412 deputados. Apenas nove contra. No Senado, a PEC obteve aprovação unânime, com 74 votos. Como houve mudanças, a proposta voltou à Câmara, cujos integrantes se apressaram para aprovar o tema de forma ainda mais retumbante, com 442 votos a favor e apenas um contra. “O Legislativo sempre acompanha a sociedade. A ética é uma exigência da sociedade”, disse o então presidente do Senado, Ramez Tebet (PDMB-MT).
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