Solução criada para evitar atropelamentos e dar mais fluidez ao trânsito, as passarelas não são mais apenas para pedestres. Basta cruzar a Avenida Brasil, onde as primeiras travessias foram instaladas na década de 1970, para ver que as estruturas são usadas como atalhos por motociclistas. Outras são tomadas por barracas de camelôs. E quem deveria de fato passar por ali, não raramente, se arrisca entre os veículos em alta velocidade para chegar ao outro lado da via. Um estudo feito pela ViaRio, concessionária que administra um trecho da Transolímpica (Recreio—Deodoro), mostra que, a cada 15 minutos, mais de 30 pessoas atravessam a via expressa em meios aos carros. E, diferentemente do que se possa imaginar, não é uma questão de tempo: cruzar a pista leva, em média, dois minutos e 25 segundos, enquanto usar a passarela, um minuto e 15 segundos.
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— A Transolímpica é uma via expressa com limite de 80km/h. Para ter uma ideia, o impacto de um atropelamento nessa velocidade é muito intenso. É como se alguém pulasse de um prédio de nove andares — disse Vagner Tavares Neves, gerente de Operações da ViaRio. — Às vezes as pessoas alegam falta de tempo, mas elas acabam perdendo mais tempo e ainda colocam a vida em risco.
Na Semana Nacional do Trânsito, que termina hoje, a concessionária lançou uma campanha para tentar fazer com que os pedestres usem as passarelas. Neste caso, o Código Brasileiro de Trânsito prevê em uma multa de R$ 44,19, raramente aplicada.
Além de ignoradas pelos pedestres, muitas passarelas ainda estão malconservadas. Vistoria feita por técnicos do Tribunal de Contas do Município (TCM- RJ), em 2023, detectou sinais de infiltração ou corrosão em 28 das 41 inspecionadas (riscos alto e médio).
As passarelas de Vicente de Carvalho e Pavuna, na Zona Norte do Rio, há muito deixaram de cumprir a função para a qual foram construídas. Caminhar por ali é enfrentar um labirinto de barracas improvisadas e carrinhos que ocupam mais da metade do espaço destinado aos pedestres. Lonas coloridas, muitas vezes rasgadas pelo vento, cobrem quase todo o espaço. O cheiro de peixe fresco misturado com restos de alimentos e lixo acumulado torna o percurso ainda mais desconfortável.
— Uso essa passarela todos os dias, mas confesso que às vezes prefiro passar pela pista para economizar tempo e evitar dividir o lugar com tantos ambulantes. É desrespeitoso e nada acontece — afirmou a diarista Priscila Nascimento, que mora na Pavuna e trabalha no Centro.
Uma estudante que passa pela travessia para ir à escola diz que é preciso tomar cuidado para não tropeçar nas carrocinhas e nas barracas:
— Parece que estamos atravessando um mercado, não uma passarela. E é impossível passar sem esbarrar em alguém.
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Há duas semanas, a Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) fez uma operação na passarela da estação Mato Alto do BRT, em Guaratiba, na Zona Oeste, onde foram apreendidos 15 carrocinhas ilegais e aproximadamente 300 quilos de materiais diversos que estavam sendo vendidos por camelôs.
Mesmo quem segue as regras de trânsito e enfrenta todos os obstáculos nas passarelas não está livre de ser atropelado. É que muitas dessas travessias são usadas por motociclistas, o que é considerado uma infração gravíssima, com multa de R$ 880,41 e remoção do veículo. Ciclistas também são vistos com frequência nessas passagens — bicicletas só são permitidas se empurradas pelo condutor.
Especialista em legislação de trânsito, Armando de Souza destacou que, embora a lei seja clara quanto às proibições, a fiscalização sobre o uso de passarelas enfrenta limitações.
— A prefeitura poderia, como fez há algum tempo com a proibição de fumar em locais públicos, registrar o CPF do infrator e aplicar a multa. A lei prevê essas situações, mas os órgãos de trânsito não têm estrutura — explicou. — O legislador foi claro: ninguém pode andar de moto na passarela nem atravessar fora da faixa. Mas é preciso boa vontade política para aplicar a lei. Há um desrespeito absoluto.
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De janeiro a setembro, a Guarda Municipal aplicou apenas 199 multas por uso indevido de passarelas. Armando de Souza ressalta que campanhas educativas são fundamentais para que os cidadãos compreendam que atravessar a via é um risco:
— O Código de Trânsito Brasileiro prevê essas campanhas, e caberia aos órgãos de trânsito promovê-las. Qualquer lei só terá eficácia se o cidadão se convencer de que ela é boa para ele. É importante mostrar que atravessar a via pelas pistas leva mais tempo do que usar a passarela. A maioria das pessoas que atravessam fora da faixa nunca prestou atenção nesse tempo gasto.
Francisco Filardi, engenheiro aposentado do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e membro da Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio, conta que as primeiras passarelas começaram a ser pensadas para a Avenida Brasil em 1968, quando as pistas eram escorregadias, e muitas pessoas acabavam caindo e sendo atropeladas.
— A Avenida Brasil era um acesso para todos os lugares, ela se chamava BR-1 e era uma rodovia federal — recorda Filardi.
As primeiras passarelas instaladas sobre a via expressa eram em formato de caracol. Muitas pessoas tinham medo de usá-las: acreditavam que a estrutura não suportaria o peso e temiam a altura. Por isso, foi preciso realizar campanhas de conscientização, inclusive nas escolas.
Filardi lembra que, na época, cerca de 15 mil pessoas atravessavam a avenida todos os dias. Ele conta ter contratado uma metalúrgica em Minas Gerais para produzir as 15 primeiras passarelas instaladas ao longo da Avenida Brasil.
Em nota, a Seop afirmou que vai intensificar as ações nessas passarelas e pede que denúncias sejam feitas pelo 1746. A Guarda Municipal afirma manter patrulhamento diário. Já a CET-Rio informou que fará novas campanhas.