Uma investigação conduzida pela ONG Greenpeace concluiu que gado criado ilegalmente na Terra Indígena (TI) Pequizal do Naruvôtu, localizada na Amazônia Legal, abasteceu indiretamente frigoríficos autorizados a exportar para União Europeia, Ásia e Américas, além de distribuir para o mercado brasileiro. Às vésperas da COP30, a organização ambientalista pede esforços urgentes por uma regulação mais eficaz para o setor, de modo a coibir irregularidades ambientais e garantir a transição para sistemas sustentáveis
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O Greenpeace denomina a prática realizada na TI como “lavagem de gado”. Segundo a ONG, o boi criado em área com irregularidade, impactada pelo desmatamento decorrente da invasão ou ocupação ilícita, é transferido para outra fazenda, sem ilegalidades, para que seja comercializado para o frigorífico, “ocultando assim o rastro de destruição”.
“Sem o controle de todos os fornecedores, diretos e indiretos, a carne com irregularidade acaba ‘contaminando’ toda a cadeia de produção. Ela é vendida para supermercados e consumidores misturada àquela produzida de forma regular”, explica o Greenpeace.
A TI no Mato Grosso foi homologada por decreto presidencial em 2016, uma década após sua identificação e aprovação pela Fundação Nacional do Índio (Funai), o que não impediu que fazendeiros continuassem ocupando o território e o utilizassem para atividades agropecuárias, o que é proibido pela Constituição. Após contestações na Justiça por pecuaristas, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a validade da demarcação em maio deste ano.
— O Brasil precisa demarcar e proteger as Terras Indígenas, regular o setor agropecuário, fomentar a rastreabilidade das cadeias produtivas e responsabilizar empresas com ligações com o desmatamento — avalia Cristiane Mazzetti, coordenadora da Frente de Desmatamento Zero do Greenpeace Brasil.
O relatório cita Mauro Fernando Schaedler, proprietário da fazenda Três Coqueiros II, como um “símbolo de irregularidades”, uma vez que a propriedade foi embargada pelo Ibama por manter atividade sem licença dentro da TI. O Greenpeace alega que, no total, as propriedades de Schaedler, que se espalham pelo bioma, acumulam mais de R$ 3,1 milhões em multas ambientais.
A investigação aponta que a Três Coqueiros II seguiu produzindo e transferindo gado para outras fazendas, que abasteciam, segundo a ONG, os frigoríficos da empresa JBS sem seguir os protocolos de monitoramento capazes de detectar irregularidades. O relatório cita que, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2025, 1.238 bois saíram da propriedade de Schaedler e foram enviados para a Fazenda Itapirana, de outros donos, localizada a menos de 2 quilômetros dali.
Essa segunda fazenda não estava situada na TI ou possuía embargos ativos, o que, segundo o Greenpeace, a transformou em um “portal de legalização”. A ONG aponta que a partir da Itapirana os bois foram comercializados com frigoríficos da JBS. O GLOBO não conseguiu contato com os proprietários das fazendas mencionadas.
“No total, considerando o período entre 2018 e fevereiro de 2025, 2.856 animais foram repassados à companhia. Dos frigoríficos da JBS de Água Boa (MT) e de Barra do Garças (MT), a carne foi então distribuída para consumidores em todo o mundo”, destaca a denúncia.
A JBS, por sua vez, afirma que a ONG “falhou em demonstrar o trânsito do gado da fazenda Três Coqueiros para as suas fábricas”. A empresa afirma que, “ainda assim”, diante das informações apresentadas, bloqueou preventivamente a Fazenda Itapirana e solicitou esclarecimento ao produtor.
“A JBS monitora 100% dos seus fornecedores por meio de imagens de satélite de alta resolução e cruzamento de informações de bases oficiais. Desde 2021, a companhia implementou a Plataforma Pecuária Transparente, que utiliza tecnologia blockchain e permite aos fornecedores da JBS verificar a conformidade de seus próprios fornecedores, assim enfrentando o desafio setorial de acesso à informação”, disse a empresa por nota.