Colangiocarcinoma intra-hepático. Quando Elizabeth Kastrup, 54, ouviu essa palavra, em 2022, a sensação foi de prostração. O chão sumia sob os pés enquanto descobria que um câncer raríssimo tomava conta de seu fígado. A primeira opção, de acordo com os médicos, seria realizar um procedimento para a retirada de parte do órgão. No entanto, como o tumor já havia comprometido severamente alguns vasos sanguíneos, a cirurgia tradicional seria inviável. O cenário se agravava ainda mais porque Elizabeth tinha cirrose hepática, uma doença provocada pela hepatite C que a acometera havia mais de duas décadas. Uma situação difícil e praticamente incontornável.
Um gesto de amor somado à alta capacidade técnica de uma equipe médica pioneira mudou totalmente o prognóstico e deu novo rumo à sua história. Em um procedimento inédito no Brasil, ela iniciou um tratamento quimioterápico e imunoterápico que a preparou para um transplante de fígado. Sua filha Júlia Kastrup, 26, foi a doadora de 65% do próprio órgão.
— O transplante foi o maior milagre da minha vida — conta Elizabeth. — Quando os médicos sugeriram o transplante com doador vivo, Júlia não pensou duas vezes. Ela disse: ‘Mãe, a minha vida sem você não tem razão’. Vê-la tão jovem e saudável doando um órgão por mim gerou certa angústia, mas ela estava tranquila e confiante. Tive medo, mas algo dentro de mim dizia que daria certo e deu! — comemora.
O cirurgião transplantador Eduardo Fernandes, do Hospital São Lucas Copacabana, da Rede Américas no Rio de Janeiro (RJ), explica que foi a primeira vez que esse tipo de protocolo foi realizado no Brasil. Originalmente, o procedimento foi desenvolvido no Texas (Estados Unidos).
— Também inovamos mundialmente ao adicionar a imunoterapia como tratamento neoadjuvante, algo que eles não faziam nos Estados Unidos — diz o especialista. — Não apenas realizamos esse transplante atípico, como também envolvemos a oncologia. É uma nova área de atuação em termos cirúrgicos, um conceito moderno que chamamos de transplant oncology — diz.
Fernandes e sua equipe também realizaram outros transplantes inovadores no Brasil e na América Latina. Em um deles, o paciente recebeu na mesma cirurgia três órgãos: rim, fígado e coração.
— Quando testemunharam o sangue entrando nos órgãos, o coração batendo, o fígado e o rim funcionando, foi uma comoção geral entre os médicos e equipe presente no centro cirúrgico. O que parecia impossível havia se concretizado. Um grande acontecimento — relembra o especialista.
A cirurgia de mais alta complexidade quando se fala em transplante é a de pulmão. Com ligações de entrada e saída de sangue extremamente minuciosas, sendo o conjunto respiratório dependente de meio externo, é um órgão que exige defesa intensa.
— O sistema imune é robusto, logo, esse é o órgão com maior potencial de rejeição — alerta o médico Carlos Henrique Boasquevisque, cirurgião do Hospital São Lucas Copacabana.
Há dois anos, essa unidade entrou para o seleto grupo de centros transplantadores do órgão na capital fluminense, sendo o Rio de Janeiro um dos quatro estados brasileiros com programa de transplante pulmonar. Foi a equipe liderada por Boasquevisque que salvou a vida de Alexandre Faro, 62, diagnosticado com um enfisema pulmonar grave. Ele já havia se submetido a uma série de procedimentos, mas somente um transplante poderia devolver ao paciente o que ele mais necessitava: autonomia respiratória. Ele foi o primeiro caso de transplante pulmonar com alta da unidade, após uma longa jornada.
— Me preparei quase um ano no centro médico do hospital, na Gávea, para o transplante. Tive acompanhamento nutricional, de fisioterapeutas e médicos, precisei perder peso e fazer reabilitação. Agora, o novo pulmão me trouxe uma segunda chance; quero viver sem limitações e aproveitar todos os momentos com minha esposa e minhas filhas — conta o transplantado.
Apesar da extrema delicadeza em torno da cirurgia e da recuperação, o prognóstico é otimista, de acordo com o médico. Com o avanço das tecnologias no âmbito da medicina e em centros altamente equipados com a infraestrutura da Rede Américas, a sobrevida no primeiro ano após o procedimento é de até 90%.
Em relação a órgãos e tecidos em geral, o Brasil bateu o recorde de transplantes em 2024, quando foram realizados 30 mil procedimentos. Apesar disso, o número de doadores efetivos caiu de 4.129, no ano de 2023, para 4.086, em 2024. De acordo com o Ministério da Saúde, atualmente, 78 mil pessoas aguardam por órgãos, sendo as maiores demandas por rim, córnea e fígado.
Boasquevisque lembra que a doação de órgãos é um ato de solidariedade que pode ser praticado ou ter a intenção manifestada mesmo por quem não faz parte da família daqueles que aguardam na fila.
— Potenciais doadores devem expressar esse desejo aos entes queridos, pois eles é que irão autorizar o procedimento em caso de falecimento — reforça.
Outra inovação da Rede Américas aconteceu no Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), o primeiro no Brasil a realizar no âmbito comercial, fora de estudos clínicos, a terapia com células CAR-T, um dos avanços mais promissores da medicina contra o câncer.
— É uma imunoterapia personalizada, em que se coleta o sangue do paciente e modificam-se os linfócitos utilizando engenharia genética, preparando-os para detectar e atacar as células cancerígenas. Em seguida, esses linfócitos são reintroduzidos no organismo para destruir o tumor — explica o hematologista e médico transplantador Jacques Kaufman, do CHN.
O hospital de Niterói é responsável por 50% dos transplantes realizados pela rede privada no estado do Rio de Janeiro, além de ser um dos três únicos hospitais brasileiros a obter o selo internacional Foundation for the Accreditation of Cellular Therapy (Fact). Essa credencial se refere aos mais altos padrões de qualidade para práticas de terapia celular e é garantia de segurança nos atendimentos.
O CHN também estabelece padrões em transplantes de medula óssea e realiza uma média de dez procedimentos por mês.
— Sempre com estrutura multidisciplinar, incluindo nutricionistas, enfermagem especializada, psicologia, assistência social, fisioterapia. É um trabalho de equipe, a fim de promover o melhor no cuidado aos pacientes — diz Kaufman.
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A Rede Américas é a segunda maior rede de hospitais privados no Brasil e tem centros de excelência em vários estados, todos credenciados pelo Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde. No Rio de Janeiro, além do CHN e do São Lucas Copacabana, estão habilitados os hospitais Vitória e Samaritano, na Barra da Tijuca, e Pró-Cardíaco e Samaritano Botafogo, com as modalidades TMO, rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas, transplantes duplos, triplos e multivisceral, e tecido.