Zé Carlos Garcia jamais se esqueceu da noite em que, ao voltar para casa, em Santa Teresa, no Rio, encontrou peixes pequenos espalhados sobre o asfalto do Largo dos Guimarães. Ao pesquisar sobre o que poderia explicar tal cena, descobriu que cientistas sugerem que um ciclone é capaz de sugar os animais e lançá-los de volta ao solo. Anos antes, o artista visual já havia se encantado com outro fenômeno improvável: o peixe das nuvens, cujos ovos depositados em áreas alagadas pelas cheias entram em dormência e eclodem depois, quando se formam poças d’água nos mesmos locais. Cenas tão surreais que um escape ao fantástico para explicá-las é quase irresistível. E é dessa maneira que ecoam em sua nova exposição, concebida como uma civilização imaginária. “É como encontrar uma tumba e decifrar tudo o que está ali, os desenhos, as roupas e a maneira como os corpos estão expostos. E a tumba, no caso, sou eu”, diz ele, sobre a individual “Peixe das nuvens”, inaugurada no próximo dia 4, na Casa Triângulo, em São Paulo.
São 23 obras, a maior parte formada por esculturas inéditas em madeira, em que o artista, nascido em Aracaju, desfila toda a sua habilidade em detalhes para serem apreciados de perto, como as escamas que revestem uma das peças. E nada ali tem um sentido fechado, caso do trabalho que dá nome à mostra, em que se vê algo parecido com um peixe saindo da boca de um homem. “Não se sabe se ele está pregando para os peixes ou se é uma língua gigante”, comenta. “Gosto de criar essa intimidade imediata, mas que confunde.”
Dono de um sítio em Lumiar, na Serra Fluminense, Zé Carlos adiciona, ainda, uma camada ecológica ao trabalho. A madeira vem de espécies invasoras coletadas nas matas que cercam a propriedade. Ao removê-las, ele planta mudas nativas no lugar. “O que era para ser um refúgio ocupou esse espaço na minha vida. Hoje, não conseguiria passar o sítio adiante e vê-lo degradado novamente”, diz.
As obras do artista estão em acervos importantes como do Museu de Arte do Rio e do colecionador Bernardo Paz, fundador do Inhotim, em Minas Gerais. Zé Carlos também foi destaque na última Bienal do Mercosul e alcançou projeção internacional com trabalhos como “Pássaro”, feito em coautoria com a mineira Laura Lima e exibido na Fundação Prada, em Milão. “Ele consegue unir três coisas incríveis: conceito, fabulação e virtuosismo”, diz Laura, amiga de longa data. “Este último nem é necessário, mas ele entrega isso muito facilmente com a sua capacidade de lidar com a matéria, no caso dele, a madeira.”