A luta da educação contra o racismo está muito além de como as escolas precisam agir em um caso de injúria, que fatalmente chama a atenção da comunidade. Pensando nisso, a direção do Colégio Qi está implantando um comitê antirracista permanente que terá uma série de iniciativas pedagógicas. Lançado como manifesto no dia 16 de agosto, o Coletivo Tia Ciata homenageia a sambista que é uma das responsáveis pelo nascimento do gênero, criado no seu quintal, junto a outros bambas.
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— No ano passado, estive conversando com o coordenador pedagógico geral e mais alguns professores. Disse que achava que era a hora de levar essa discussão mais a sério. Optamos por um coletivo. A partir de então, alguns se autoconvidaram a participar e outros convites surgiram também — conta André Marinho, diretor-geral do Colégio Qi.
O grupo conta com oito professores de diferentes disciplinas (de física a filosofia) e uma bibliotecária. As primeiras ações serão aplicadas nas unidades do Rio2 e do Recreio, mas a direção pretende começar as atividades nas outras unidades da cidade ainda este ano. Os funcionários são os primeiros a participarem, nesta primeira etapa, com um questionário de mapeamento étnico-racial e um ciclo formativo, que começa em novembro.
— Não basta verificar no RH quantos funcionários são negros ou brancos. Queremos entender como as pessoas se identificam. O letramento racial também não é simples. Ele vai além de conhecer o tema, é gerar capacidade crítica e orientar sobre como agir em diferentes manifestações do racismo — explica Marinho.
Depois deste primeiro momento, será a vez de as famílias entrarem nas atividades. Por último, os alunos, completando a comunidade escolar.
— Uma mãe me chamou a atenção para uma coisa que nunca tinha pensado. De que há lápis de cor que permitem identificação para diferentes tons de pele. Ele está entrando agora para a lista de materiais deste ano. Entendemos que a educação não é feita por uma via só — recorda Marinho.
Além das atividades, que estão em construção e podem ainda sofrer alterações no processo de elaboração das ações, o colégio já conta com um protocolo para casos de racismo e injúria racial, com ações diferentes para cada ano do ciclo escolar.
— Atuamos sempre no recorte pedagógico. Compreendemos a escola não como espaço punitivo. O protocolo já trouxe bons resultados. Ouvimos o aluno e seus pais, depois o aluno que realizou a injúria com os pais também. Não usamos a repreensão pela repreensão. Há atividades como uma leitura em que ele faz uma apresentação depois para a equipe — conta Marinho. — Na condição de homem negro, é duro dizer que o racismo não vai ser superado tão cedo. Mas não é por isso que vamos deixar de ter ações.
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Outras iniciativas com vistas a combater o racismo no ambiente escolar e na sociedade estão em curso nos colégios do Rio. Em Cordovil, professores da Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado estão incorporando conteúdos antirracistas às disciplinas do currículo, de acordo com a Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africanas e afro-brasileiras nas escolas.
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Ana Paula Brandão, gestora do Projeto Seta — iniciativa que busca transformar a rede pública escolar em um ecossistema antirracista — afirma que, passadas mais de duas décadas desde sua criação, a lei continua essencial para revisar a história e oferecer novos olhares a educadores e estudantes.
— Ainda há desafios, mas já percebemos avanços na valorização da diversidade.
Na prática, o ensino vai além da teoria. Juliana Teixeira, professora de matemática há 18 anos, aplica conhecimentos do continente africano em sala.
— Em nossa Feira Afroetnomatemática, os alunos pesquisam, constroem e ensinam sobre jogos educativos africanos, explorando conceitos matemáticos por meio da capoeira, da engenharia africana e até de tranças — conta.
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Clarissa Raso, professora de ciências Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado, aborda o conteúdo sempre que o assunto pode ser contextualizado com a história, a cultura, os costumes e as contribuições afro-brasileiras. Ao falar de astronomia, por exemplo, ela inclui contos, narrativas e descobertas realizadas pelos povos africanos e indígenas.
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No ensino de evolução, ela trabalha a origem da humanidade no continente africano, explorando as características físicas e genéticas que explicam a adaptação e a sobrevivência dos diferentes grupos populacionais ao redor do mundo. Já em botânica, a proposta é explorar o conhecimento sobre plantas medicinais, investigando seu uso tradicional e sua relevância até os dias atuais, reconhecendo a importância dos conhecimentos ancestrais.
— Com essas abordagens em sala de aula, os alunos demonstram interesse em trabalhar a temática, pois se sentem pertencentes e identificados com o assunto. As transformações no conhecimento ocorrem gradualmente, mas, ao observarmos atentamente, percebemos melhorias na autoconfiança, na empatia e até mesmo no comportamento — salienta a professora.
Já durante as aulas de espanhol, Elisabete Macedo, que tem mais de duas décadas de profissão, apresenta aos estudantes personalidades negras e indígenas da cultura hispano-americana, além de políticos, literários e artistas.
— Nos encontros, percebemos que os alunos se identificam mais com as histórias de vida dos personagens apresentados. Com isso, notamos que eles passam a ter mais orgulho de si mesmos — compartilha a educadora, que tem a expectativa de os estudantes desenvolverem uma consciência crítica sobre os diversos corpos e culturas que compõem a população brasileira.
*As informações desta reportagem foram publicadas nas edições especiais de Educação do GLOBO-TIjuca+Zona Norte (em 27/09) e do GLOBO-Barra (28/09)