Preocupado com a situação política, com o discurso do Trump e o novo técnico do Fluminense, acabei não falando do mais importante acontecimento da semana passada, ao menos para um cronista. A chegada da nova estação.
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A primavera carioca não é como a importada, a dos filmes da sessão da tarde, onde, de uma hora para a outra, a neve derrete e as cidades se enchem de flores e passarinhos cantando.
Aqui no Rio ela aparece de forma mais sutil.
Os dias esquentam um pouco, temos sol, céu azul, um friozinho à noite, mas é nas pessoas que se percebe a chegada da nova estação. Ela, que no resto do mundo começou na segunda-feira, dia 22, às quinze horas e vinte e dois minutos, por aqui, como boa carioca, costuma aparecer fora do calendário oficial, do horário marcado. Vem do nada e surge de repente, na hora e lugar que lhe parecem apropriados.
O cronista precisa estar atento.
Domingo passado fui a um festival de música no Jockey. Gosto de shows, mas gosto mesmo é de observar o público. Pode ser num concerto no Municipal, em um baile charme em Madureira, no Samba do Trabalhador lá no Renascença ou no Doce Maravilha, onde estava.
Para onde você olhar, tem alguém comovido com o que ouve. A música é mestra nas emoções: tem canções que nos acompanham a vida toda, nos lembrando de pessoas, lugares, de nós mesmos. Cada um carrega lá dentro, bem guardadas, suas próprias músicas.
No palco estava Nando Reis. Perto de mim, um casal, da minha idade, me chamou a atenção. Enquanto todos cantavam e dançavam, eles estavam ali, lado a lado, só assistindo, atentos. Entrou o Samuel Rosa, saiu o Samuel Rosa, Nando continuou o show e eles permaneceram do mesmo jeito.
Será que vieram, contrariados, trazer os filhos? Será que esperavam outra coisa? Será que não ouviram o que queriam? Já estava até preocupado com eles.
No fim do show, Nando Reis apresentou a banda e, ao cair da tarde, começou a última música: o “lá, lálá, lalá” inconfundível anunciou o sucesso de mais de duas décadas atrás: “Do Seu Lado”
O casal, que estava quase indo embora, parou. Se entreolhou e, finalmente, sorriu: “Faz muito tempo, mas eu me lembro/você implicava comigo…”, entoou Nando e eles embarcaram, cantando junto, de mãos dadas.
Eu, feliz com a alegria deles, fiquei imaginando o que se passou ali nessas duas décadas: será que se conheceram ao som daquela música? Será que ela o achava muito esquisito e ele a achava tão chata? Será que tiveram filhos, um apartamento, passaram fim de semana no sítio e foram ao cinema todo domingo?
Vinte anos é muita coisa.
Ou tiveram todos esses momentos encantadores, mas também outros nem tanto: brigas, DRs sem fim, discussões. Passaram pelo “acho que não dá mais”, os classificados abertos atrás de um lugar para ficar, o “vamos dar um tempo”. O “depois do Natal, pelas crianças”.
Talvez cantarolar que “olhar só pra dentro é o maior desperdício” tenha ajeitado as coisas e assim atravessaram as estações. Pelo jeito que cantavam, foram muitas e muitas.
No encerramento, ao pôr do sol e com o friozinho chegando, eles se entreolharam mais uma vez e sorriram um para o outro. Duas décadas depois, o amor ainda estava do seu lado.