Nas ruas da cidade, o metanol está “na boca do povo”, e para os donos de bares e restaurantes, sobra a expectativa e tensão em relação ao movimento nos estabelecimentos no primeiro final de semana após os casos envolvendo bebidas destiladas. O número de casos investigados por suspeitas de intoxicação por metanol no estado de São Paulo já subiu para 41, além de seis mortes suspeitas e outros 11 casos confirmados.
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Na hora do almoço desta quinta-feira (2), a reportagem circulou por ruas do Itaim Bibi e Vila Olímpia, e o tema era alvo de conversas entre colegas de trabalho, casais, comerciantes e familiares, que se questionavam da onde vem a contaminação e comentavam sobre o medo de beber.
Em outras regiões boêmias, como a Barra Funda, as notícias envolvendo a onda de intoxicação já preocupam quem frequenta a noite paulistana. Na maior parte dos casos, pessoas ouvidas pela reportagem preferem simplesmente não tomar destilados. Nesse caso, elas optam por bebidas prontas e enlatadas, conhecidas como RTD (Ready to Drink), ou cerveja.
Quem ainda compra os drinques tem descartado a compra com vendedores de rua e apostado no ramo de estabelecimentos consolidados. Mesmo assim, há uma “guerra fria” feita de piadas nervosas entre garçom e cliente. Alguns pedem para ver as garrafas, outros perguntam se o estabelecimento garante a procedência da bebida. No fim, tudo fica na confiança.
Um dos bares fechados pela Vigilância Sanitária foi o Beco do Espeto, no Itaim Bibi, que costuma ficar cheio até mesmo em dias de semana. Nos bares vizinhos, o temor de donos dos estabelecimentos é que o movimento mingue nos próximos dias — algo que já vem sendo sentido desde o início da semana.
Um deles, o Motirô, registrou um movimento cerca de 50% menor na quarta-feira (1), relatou o dono ao GLOBO, e os drinks, que eram mais comuns no local, deram espaço à cerveja e ao espumante. A poucos metros, o Bar do Juarez, que fica na Avenida Juscelino Kubitschek, segue com movimento porque também é forte na comida — serve pratos de dia e de noite, mas os funcionários já falam que os clientes têm preferido o chope e a cerveja no lugar das caipirinhas.
Um dos botecos mais populares da região do Itaim Bibi e redondezas é o Amarelinho. O receio da perda de clientes virou até comunicado na entrada: “O Amarelinho reforça seu compromisso com a qualidade e segurança de todas as bebidas que oferece”, diz o bilhete colado na unidade da Rua Iaiá.
O bar também tem outra unidade no mesmo bairro e uma terceira na vizinha Vila Olímpia. A preocupação com o movimento do fim de semana existe, diz um dos sócios, Jose Valderi, mas ele pondera que a bebida mais servida ali é a cerveja.
— Até fazemos caipirinhas, mas é um volume muito menor, é cerveja que mais sai. E a gente sempre compra de uma distribuidora homologada, sempre guardamos as notas fiscais, geralmente vão para a contabilidade, mas agora até seguramos aqui para qualquer problema — conta.
Apesar da crise em São Paulo, que levou a fechamentos de estabelecimentos, a Abrasel Nacional defende que a segurança nos bares e restaurantes não foi comprometida. A entidade afirmou que está monitorando de perto os desdobramentos, mas insiste na ausência de casos de contaminação com origem comprovada nos estabelecimentos.
— A expectativa para este primeiro fim de semana completo após a divulgação dos casos é de manutenção do movimento nos estabelecimentos, com funcionamento normal em todo o país. Pelo que a entidade vem acompanhando, não houve queda de faturamento relevante em nenhuma região do Brasil, exceto na região metropolitana de São Paulo, onde alguns bares foram fechados preventivamente. É importante destacar que nenhum desses casos foi associado ao consumo de bebidas com metanol em bares — disse Paulo Solmucci Júnior, Presidente Executivo da Abrasel.
No estado, o setor ainda não possui números fechados sobre o impacto da crise do metanol no movimento dos bares e restaurantes durante a semana. A Abrasel-SP já se prepara para realizar um levantamento detalhado de dados sobre o consumo e a frequência de público neste primeiro final de semana completo após a divulgação dos casos. Os resultados dessa pesquisa devem ajudar a entidade avaliar o nível de recuperação da confiança do consumidor, com a primeira análise dos dados prevista a partir da próxima segunda-feira.
No Bar Boca de Ouro, em Pinheiros, um dos balcões de drinks mais importantes de São Paulo, o impacto dos casos de adulteração de bebidas já foi sentido. Renato Martins, sócio do estabelecimento, relatou dias atípicos e com movimento notavelmente mais fraco, reflexo, na opinião dele, do temor generalizado dos consumidores.
Martins relatou que recebeu avisos das principais distribuidoras atestando a idoneidade das bebidas, e caso o movimento ruim se mantenha, ele planeja emitir um comunicado para tranquilizar os clientes. Essa mesma estratégia já foi adotada por grandes redes responsáveis por estabelecimentos de renome na cidade.
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Alguns bares e casas noturnas procurados pelo GLOBO preferiram não se manifestar publicamente sobre o assunto e, em alguns casos, proibiram menções ligadas à crise. Apesar disso, a discrição de algumas empresas contrasta com a reação pública de estabelecimentos que já se posicionaram publicamente, focados em segurança e comprovação de procedência para tranquilizar o público.
O tom geral dos comunicados, como os do Blue Note SP, Emiliano, Casa de Francisca e Holy Burger, é de reafirmar o compromisso com a segurança, qualidade e transparência de suas operações. Todos destacam que as bebidas comercializadas são adquiridas exclusivamente de fornecedores ou distribuidores homologados, oficiais e legalizados, sempre mediante nota fiscal, para garantir a procedência, autenticidade e originalidade dos rótulos.
O MOMA, por sua vez, além de garantir o trabalho com fornecedores oficiais, mencionou especificamente os boatos que circulavam por WhatsApp, classificando-os como enganosos e difamatórios, e afirmou não ter sido procurado por clientes alegando intoxicação. Mesmo assim, como medida de precaução, alguns estabelecimentos adotaram ações como a suspensão temporária da venda de destilados.
O Grupo Alife Nino (Rainha, Princesa, Boa Praça, Ninno) também reforçou publicamente seus protocolos de segurança. A nota do grupo afirma que “todas as nossas bebidas alcoólicas e insumos são adquiridos exclusivamente de fabricantes ou distribuidores oficiais homologados, sempre com nota fiscal, lacrados e com selo de autenticidade.” O objetivo, segundo o comunicado, é garantir a tranquilidade dos clientes com “produtos de procedência garantida”.
O Bar Tiquim, na Pompeia, Zona Oeste, lamentou os casos de bebidas adulteradas, se solidarizou com as vítimas e endereçou a preocupação dos clientes. “Nossos destilados são adquiridos há anos com os mesmos fornecedores, autorizado e homologados. Muitos possuem até número de lote, garantindo assim a procedência e autenticidade a cada garrafa, entretanto, estamos mais atentos do que nunca. Nosso cuidado vai além do sabor. podem brindar tranquilos!”, escreveu nas redes.
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O Bar Benê e o Bico do Corvo Bar, ambos em Pinheiros, expressaram “grande preocupação” e “indignação e repúdio” com a situação, respectivamente, enfatizando que todas as bebidas e insumos são adquiridos exclusivamente de fabricantes ou distribuidores oficiais, sempre acompanhados de nota fiscal, selo de autenticidade e rigoroso controle de qualidade.
O OH LÀ LÀ, no Jardim Europa, e o The Door Bar, na Vila Madalena, também reforçaram postura de transparência e responsabilidade, garantindo que seus produtos são comprados apenas de fornecedores oficiais, com procedência garantida e lacres intactos. O OH LÀ LÀ, inclusive, foi além, afirmando que está disponibilizando em sua unidade as Notas Fiscais de compra e declarações de fornecedores para comprovar a originalidade de cada rótulo e assegurar aos clientes que a experiência oferecida é autêntica e confiável.
Federação e associação de bares fazem apelo
A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) reforçou o apelo às autoridades para que intensifiquem o combate à falsificação. A entidade já havia alertado o mercado em abril sobre um levantamento que apontava que 36% das bebidas comercializadas no Brasil eram forjadas, adulteradas ou contrabandeadas.
O diretor-executivo da Fhoresp, Edson Pinto, lamentou que o problema, que antes era majoritariamente de sonegação fiscal, agora “está colocando também vidas em risco”.
— A grande maioria dos negócios do ramo de bares e de restaurantes age de forma correta e também se torna vítima ao receber produtos adulterados de fornecedores. […] Se as autoridades não agirem firmemente, este esquema, que agora está colocando também vidas em risco, não chega ao fim nunca — afirmou.
Já a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de SP (Abrasel SP) advertiu para o aumento dos riscos relacionados à falsificação, que atinge principalmente produtos de alto valor agregado, como uísques e destilados premium. Gabriel Pinheiro, diretor da Abrasel SP, destacou que a situação é uma “questão de saúde pública e de preservação da imagem do setor”.
A Abrasel reforçou aos donos de bares a orientação que também vale para os consumidores: desconfie de ofertas com preços muito abaixo do mercado, que podem indicar adulteração. Além disso, a associação citou outros cuidados básicos para os empresários como emissão de nota fiscal, compra de distribuidores legalizados e inutilizar garrafas vazias para impedir que sejam reaproveitadas por falsificadores.