Os palestinos em Gaza anseiam há quase dois anos pelo fim da guerra que destruiu suas comunidades e matou dezenas de milhares de seus vizinhos. Muitos dizem que sua maior esperança até o momento é o mais recente plano de cessar-fogo proposto pelos Estados Unidos. Nesta sexta-feira, o Hamas entregou sua resposta, afirmando que aceita libertar todos os reféns ainda sob seu poder e entregar a administração do enclave para um órgão tecnocrata independente palestino, mas condicionou a implementação do plano à negociação de outros termos apresentados pelo presidente Donald Trump.
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— O Hamas deve dizer sim a esta oferta. Já passamos pelo inferno — disse Mahmoud Bolbol, 43, um trabalhador da construção civil que permaneceu na Cidade de Gaza com seus seis filhos na casa destruída durante toda a guerra.
Trump, que havia estipulado as 19h de domingo como prazo final para a resposta, revelou a proposta durante uma reunião com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na Casa Branca, na segunda-feira. O líder americano disse que, se o Hamas não aceitasse os termos, daria sinal verde a Israel para “terminar o trabalho” de destruir o grupo armado.
Entrevistas com palestinos em Gaza na quarta-feira sugeriram amplo apoio público ao plano, que pede o fim imediato de uma guerra que causa imenso sofrimento à população civil.
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Nos últimos dois dias, disse Bolbol, seus vizinhos não falaram de quase nada além da proposta de cessar-fogo. Se não houver sucesso na negociação, disse ele, sua família finalmente deixará a Cidade de Gaza e seguirá para o que ele esperava ser a relativa segurança do sul do enclave.
— O Hamas precisa entender: chega — disse Bolbol.
A maioria dos moradores de Gaza não é membro do grupo, acrescentou, “então por que nos arrastar para isso?”.
O plano exige que o Hamas liberte todos os reféns restantes capturados durante o ataque de 7 de outubro de 2023 ao sul de Israel dentro de 72 horas após a proposta entrar em vigor. Isso inclui cerca de 20 sequestrados que ainda estariam vivos e os corpos de cerca de 25 outros. Em troca, Israel libertaria cerca de 250 prisioneiros palestinos que cumprem penas de prisão perpétua em Israel, mais 1.700 moradores de Gaza detidos durante a guerra e os restos mortais de 15 prisioneiros de Gaza para cada refém israelense cujo corpo fosse devolvido.
Mas a proposta contém vários elementos que o Hamas disse serem inaceitáveis, incluindo uma exigência de desarmamento e de que o órgão de administração fosse liderado por um grupo internacional.
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A proposta revelada na segunda-feira trouxe um raro lampejo de esperança a Gaza, disseram pessoas em entrevistas. Mas outros estão menos esperançosos.
Alguns disseram que os termos da proposta os fizeram duvidar da concordância do Hamas. Outros disseram que suas dúvidas surgiram de algo mais básico e amargo: eles simplesmente não acreditam que o Hamas colocaria os interesses do povo palestino acima dos interesses da organização.
— Estamos morrendo por nada, e ninguém se importa conosco — disse Nasayem Muqat, de 30 anos, que fugiu da crescente campanha militar israelense na Cidade de Gaza rumo ao sul do território na segunda-feira com sua filha pequena, Selene. — O Hamas precisa pensar mais em nós e no que passamos.
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Abdelhalim Awad, de 57 anos, gerente de uma padaria em Deir al-Balah, no centro de Gaza, disse que aceitaria praticamente “qualquer preço” para acabar com a guerra. Mas afirmou não acreditar que o Hamas pudesse dizer o mesmo.
— Eles não se importam com o que as pessoas pensam ou com a opinião pública — disse Awad. — Se se importassem com isso, não estaríamos nesta situação.
Em Khan Younis, no sul de Gaza, Mahmoud Abu Mattar, 35, disse que esperava que os Estados Unidos pudessem de alguma forma forçar o Hamas a aceitar o acordo e então fazer com que tanto o grupo armado quanto Israel cumprissem todos os seus termos.
— Meu desejo é que Trump imponha isso como uma realidade para ambos os lados, diretamente, sem dar escolha — disse Abu Mattar, que já vendeu eletrodomésticos na Cidade de Gaza.
Ele disse que os combates o forçaram a se deslocar pelo norte de Gaza dez vezes com sua esposa e três filhos até a semana passada, quando fugiram para o sul pela primeira vez. Ele disse estar enojado com os negociadores em salas de conferência distantes que parecem controlar o destino de sua família.
— Os que negociam em meu nome estão sentados em salas com ar-condicionado — disse ele. — Não são aqueles que vivem na areia, andando meia hora para buscar água ou procurando um saco de farinha e sendo mortos.