Depois de disparar em 2023 e 2024, o preço do azeite de oliva deu um alívio neste ano. À frente de uma das maiores companhias globais do setor, Jorge de Melo, CEO do Grupo Sovena, confirma que o preço já recuou cerca de 20% neste ano, mas pode cair ainda mais no Brasil, onde a multinacional portuguesa de óleos vegetais comprou a marca Andorinha há dez anos. Nesse período, ele diz, o rótulo aumentou de 3% para 30% sua fatia do mercado nacional. Agora investe para convencer o brasileiro a deixar de lado os memes do azeite caro e passar a consumi-lo ainda mais que antes.
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Em entrevista ao GLOBO, Melo admite que a alta provocada por uma seca sem precedentes na Europa afastou muita gente do óleo extraído de azeitonas, mas diz ver condições de voltar a conquistar apreciadores de azeite no Brasil.
Parte do esforço para aproximar o público do produto é a Casa Andorinha, restaurante temporário que o executivo português veio abrir num casarão de Botafogo, na Zona Sul do Rio, onde é possível entender como é produzido o azeite da marca — a maior parte das azeitonas vai da colheita mecanizada no próprio olival à garrafa em até 24 horas — e provar pratos criados pela chef Katia Barbosa para realçar o sabor do ingrediente extravirgem. Pela primeira vez na capital fluminense, após três edições em São Paulo, a experiência sensorial e gastronômica vai até o próximo dia 19.
Com faturamento de € 1,8 bilhão (R$ 11,3 bilhões), 75% vindo de fora de Portugal, a Sovena enfrenta hoje um novo desafio após a seca europeia, agora nos EUA, onde vinha investindo para crescer junto com o aumento do interesse americano pelo azeite.
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Sem detalhes, Melo conta que o tarifaço de Donald Trump prejudica sua operação americana com a taxação da matéria-prima importada pelas duas engarrafadoras da Sovena nos EUA, ainda que a tarifa tenha sido limitada aos 15% do acordo entre EUA e União Europeia. O executivo revela que o grupo participa de tratativas junto ao governo Trump pela isenção tarifária do azeite, com o mesmo argumento de produtores brasileiros de café: taxar algo que os EUA não produzem penaliza o consumidor americano.
Como define a Sovena hoje?
É uma empresa agroalimentar, que atua na área das gorduras alimentares. Nos óleos vegetais, sobretudo em Portugal e Espanha, de girassol, mas também de soja. A outra parte da empresa, com 50% do negócio, é a do azeite, onde temos maior presença internacional. Começamos em Portugal, onde temos uma marca forte, Oliveira da Serra, e temos diversos mercados no mundo. No americano, temos duas unidades industriais. É o que pode ser o maior mercado mundial de consumo de azeite a curto prazo. Há o mercado asiático e o Brasil, onde temos a marca Andorinha, também muito relevante para nós. E temos a parte agrícola em Portugal, Espanha e Marrocos.
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Por que resolveram investir em 2007 no próprio olival? Antes compravam de pequenos produtores?
Ainda mantemos essa compra de pequenos produtores porque nosso olival não cobre todas as necessidades das nossas vendas. Mas, neste momento, contamos com cerca de 9 mil hectares de olival próprio, o que nos permite um controle importante da qualidade do nosso azeite. A apanha mecanizada garante, além de uma maior eficiência, um cuidado muito maior. A azeitona não é agredida ou cai no chão e é imediatamente processada no lagar (instalação onde o fruto da oliveira dá origem ao azeite). No mesmo dia já vira azeite. Com essa rapidez e o cuidado com que são armazenados, os azeites hoje são mais extravirgens, têm melhor qualidade na agricultura mecanizada.
Por que o azeite ficou tão caro em 2023 e 2024? Está caindo de forma consistente neste ano?
O preço está a cair e já caiu bastante face ao pico que atingiu. Em Portugal e Espanha, eu diria que o preço está a se estabilizar. No Brasil, como há um circuito logístico e de venda mais longo, é natural que exista ainda algum estoque mais caro, mas o preço do novo azeite que vem aí é provável que fique ainda mais competitivo. A demanda recuou cerca de 20% nos últimos dois anos (com o preço alto). E este ano deve estar a zero, recuperou. Fenômenos climáticos têm afetado as produções agrícolas, e o preço subiu porque houve quebra de safra na Espanha, maior produtor do mundo. Houve dois anos em que choveu muito pouco. Produzimos um pouco na Espanha e até tivemos alguma vantagem porque fomos menos atingidos em Portugal, mas depois de certa altura tivemos de acompanhar o preço do mercado. Não havia mais azeite.
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O senhor atribui essa seca extrema às mudanças climáticas? Como as empresas do agro têm de se preparar?
Não sou cientista, mas o que notamos nos últimos anos é que tem havido aumento da temperatura mais para norte. Tivemos num ano 40°C em abril, na altura da floração. Isso queima a flor (e impede o desenvolvimento da azeitona). Há menos dias de frio e mais de calor. E maior concentração das chuvas. Por isso é importante haver bons sistemas de barragens e irrigação. Nossos olivais têm, o que nos dá certa vantagem. O consumo de água é controlado, gota a gota, com sensores na terra. A árvore pede. Só enviamos água quando está em estresse hídrico. Monitoramos e controlamos o nível de água e nutrientes de que a árvore precisa.
A Sovena tem investido nos EUA. Qual é o impacto das tarifas de Trump sobre a matéria-prima exportada para lá?
É taxado em 15% o que vai da Europa, em 25% o que vai da Tunísia. O que notamos é que, num momento em que os preços estavam a baixar e havia um potencial de o mercado retomar um crescimento interessante (após a alta de preços), isso está a travar um pouco esse potencial da demanda. Estamos em um nível de associações a lutar para que seja visto o azeite como um produto benéfico para a saúde das pessoas e que não tem praticamente produção nos EUA. É impossível substituir importações por produção local. Então é limitar o acesso das pessoas. Temos argumentos para que o azeite, no futuro, não tenha tarifas que outros produtos têm.
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É o mesmo argumento do café brasileiro. O senhor vê alguma chance mesmo de isso mudar? Os importadores são ouvidos pelo governo dos EUA?
Temos ainda alguma abertura para tratar do tema. Existe uma associação nos EUA, a North American Olive Oil Association, que reúne cerca de 75% a 80% dos importadores e está em contato com a administração americana. E nos foi pedido mais elementos para analisarem a situação, com abertura para estudar o caso. Quero acreditar que há boa fé. Portugal é um exportador muito forte de rolhas de cortiça, que teve uma exceção porque não há produtor nos EUA. Portanto acredito que, se os argumentos forem bem explicados e entendidos pela outra parte, há essas condições.
Foi a Washington explicar?
Não fui, mas nossa associação já foi. O lobby nos EUA é legalizado e temos uma assessoria lá a nos ajudar. Houve resposta, um ato da administração que reconhece nossos argumentos e pede mais informações.
No Brasil, Andorinha já tem 30% de um mercado concorrido. Há ainda espaço para crescer?
Claro, ou não estaríamos aqui. Metade dos brasileiros ainda não consome azeite. O mercado brasileiro tem um enorme potencial estruturalmente, pelo gosto que o brasileiro tem pela culinária portuguesa e até pelas novas formas de usar que não temos na Europa, como na pizza. Há condições de o preço se estabilizar para baixo e esse consumo se alargar.
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O Brasil tem uma produção pequena de azeites, mas alguns têm se destacado em prêmios e ranking internacionais. A Andorinha lançou neste ano um ‘blend’ com duas marcas brasileiras. Produzir no Brasil faria sentido? Adquirir marcas no Brasil está no radar?
Já olhamos para este tema, fizemos visitas. Há regiões que têm realmente essa capacidade de produzir bons azeites, mas numa dimensão muito pequena. A oliveira precisa de algum frio no inverno e calor no verão, mas seco. E no Brasil chove no verão. Nossa marca é mesmo Andorinha. Achamos que uma forma muito interessante de ajudar os produtores aqui no Brasil nesse crescimento é termos este tipo de projeto com essas duas origens. Temos acesso a um produto de qualidade e o produtor se associa a uma marca de azeite que é a maior no mercado, o que o torna mais conhecido.
Portugal tem atraído muitos brasileiros e precisa de trabalhadores, pela demografia, mas, o governo do país acaba de endurecer regras de imigração. Teme que limite o acesso de empresas à mão de obra no país?
É uma questão sensível. Acho que Portugal necessita realmente de imigração, não só qualificada, mas também não qualificada porque é um dos países com menor taxa de natalidade da Europa, não há reposição da população se não for por imigração. Parece-me inquestionável que precisamos de alguma imigração, mas o que não podemos ter é uma política de portas totalmente abertas, sem saber quem e quantos estão a vir. Sou apoiante de que haja regras, mas não para restringir a imigração. Precisamos, mas temos de dar estrutura a essas pessoas. Nós temos vários brasileiros a trabalhar conosco, e de várias nacionalidades. Não temos limitação a acolher imigrantes, essa diversidade beneficia a cultura da empresa.