Mesa de pingue-pongue no local de trabalho, remuneração à altura do esforço profissional, casa com chão de taco e decoração instagramável. Em algum momento da vida, os millennials, nascidos entre 1981 e 1996, vislumbraram um futuro cor-de-rosa (quem se lembra do “rosa millennial”, lançado pela Pantone em 2017?). Pois bem. A turma que chega agora à meia-idade (eles têm entre 29 e 44 anos) tem se deparado com uma paleta menos solar no cotidiano. Basta observar a quantidade de memes e textos que andam viralizando ao expor as frustrações com os desencontros entre expectativa e realidade.
Comecemos pelo testemunho de um autêntico millennial, o professor de literatura e pesquisador Guilherme Terreri, de 35 anos, criador da personagem drag Rita von Hunty, que já falou sobre o tema em um vídeo muito compartilhado: “Olho para tudo o que já fiz, quanto tempo me dediquei ao trabalho e à pesquisa, e penso se é este mesmo regime de dedicação que terei no futuro, se conseguirei mantê-lo e, ainda, se haverá futuro. Estamos envelhecendo num mundo que está se esfacelando”.
A angústia vai no cerne da questão. Afinal, há quem veja essa geração como um tanto azarada, diante das crises de ordem política, econômica e social que assolam o mundo. Pense em profissões que podem ser extintas pelas novas tecnologias, formatos de remuneração nada vantajosos e tragédias ambientais. Um quadro capaz de minar a promessa que foi central na formação dessa população: “trabalhe motivado pelo propósito, que você será recompensado”.
Psicólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, João Paulo Machado Sousa afirma que a insegurança é notória. “Se antes víamos muitos quadros de transtornos psiquiátricos e depressão nos consultórios, hoje vemos patologias associadas ao vazio”, diz. “Isso tem a ver com a sensação de lidar com o fim de muitas coisas como conhecíamos. E, agora, essas pessoas estão questionando qual o propósito de suas vidas.”
Especialista em tendências de consumo, José Mauro Nunes, professor de MBAs da FGV, acrescenta que as mudanças no campo afetivo entram na equação. “Ao mesmo tempo que os empregos viraram ‘jobs’, as relações foram ‘tinderisadas’. Ou seja, a insegurança é de ordem econômica e afetiva. Uma situação que dificulta o pensamento a longo prazo e torna as pessoas imediatistas”, analisa. “E como é uma geração com menos filhos, a rede de apoio diminuiu.”
E não adianta apelar para os gadgets. A lua de mel com o digital também dá sinais de esgotamento. A turma que desbravou a linguagem das redes anda exausta das telas, avisa Nunes: “Aqueles que se encantavam com a ideia de mostrar a vida no Instagram e dar dicas aos seguidores agora precisam lidar com cancelamento e exposição excessiva”.
Na leva de memes e piadas com a situação, são frequentes as comparações com a maneira como os próprios pais chegaram à meia-idade. Se eles tinham filhos, os millennials têm pets. Já a casa própria deu lugar aos “mimos” comprados em sites que vendem quinquilharias e roupas da moda. Escapismo? “O futuro virou o território do racionamento de água, das guerras e da ascensão neofascista”, pondera Guilherme Terreri. “Esse impeditivo de imaginação do que está por vir nos deixa como baratas tontas acorrentadas ao presente, o que gera um tipo monstruoso de frustração. Estamos abstraídos da capacidade de pensar o futuro.”
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Parte dessa geração, a stylist e diretora criativa Rafaela Pinah, de 35 anos, compartilha esse sentimento. Ela se lembra, por exemplo, de ter achado que a vida adulta estava encaminhada quando entrou na faculdade de Moda, com o sonho de trabalhar como stylist. No meio do caminho, descobriu que o buraco é mais embaixo, diversificou as frentes de atuação e fundou o bureau de tendências Coolhunter Favela. Pôde finalmente respirar aliviada? “Fico apavorada quando penso na chegada dos 40 anos. Será que vou conseguir continuar produzindo e atualizada? Vai dar para bancar o plano de saúde ou vou ter que escolher entre isso e um ‘cabelo babado’? Está tudo tão caro…”, desabafa.
Mas ela também tem o antídoto: mudar o ponto de vista, afirma, ajuda a vislumbrar um futuro menos ameaçador. “As mais prejudicadas são as mulheres. Muitas não são mais reconhecidas depois dos 50. Deixam de receber promoções, não são chamadas para nada. Mas há aquelas que conseguiram driblar isso tudo e estão bem. Então, estou sempre de olho nelas, buscando inspiração”, comenta.
Sim, caro millennial, aquele cor-de-rosa não está tão desbotado assim. O psicólogo João Paulo Machado Sousa lembra que a própria geração tem tanto a consciência do que precisa mudar quanto as ferramentas para isso. “Essas pessoas lideraram grandes conquistas. Tivemos o desenvolvimento da medicina e da ciência, assim como a produção musical e audiovisual ficou ainda mais potente nos últimos anos. Ou seja, a paixão funcionou”, reconhece. “Tivemos um aumento da preocupação com o mundo geral. A ONU até divulgou, recentemente, que o buraco na camada de ozônio está se fechando.”
O sonho, portanto, ainda não acabou.