Cerca de oito milhões de brasileiros trabalham no setor agropecuário e utilizam os 2,2 milhões de quilômetros de estradas vicinais, distribuídas em 557 microrregiões no país e essenciais para essas comunidades, pois conectam propriedades rurais às cidades e aos grandes corredores logísticos, escoando a produção rural até os portos ou centros de distribuição — mas estão em péssimo estado de conservação.
Diante desse cenário, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log) fizeram o estudo “Panorama das Estradas Vicinais no Brasil”, a partir de visitas a oito microrregiões brasileiras nos estados da Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Paraná.
O estudo concluiu que é necessário um investimento de aproximadamente R$ 4,9 bilhões por ano para adequar as vias em regiões consideradas altamente prioritárias a um padrão mínimo de qualidade. Estima-se que as deficiências nas estradas vicinais gerem um acréscimo de R$ 6,4 bilhões por ano nos custos operacionais de transporte.
Buracos, erosões, ondulações, atoleiros, acúmulo de água e pontes ruins foram alguns dos problemas apontados no estudo, que percorreu 1.200 quilômetros e ouviu 150 pessoas, entre produtores rurais e secretários municipais de infraestrutura e agricultura. Letícia Vilela é produtora rural em Rondon do Pará, e conhece bem esse cenário. Ela diz que a necessidade de melhorar as estradas vicinais não se limita a benefícios aos produtores rurais, mas a toda a comunidade local.
— Quando estamos no período de chuva, há crianças que ficam 15 dias sem ir à escola devido às péssimas condições das estradas. Por vezes pontes caem — conta.
Precisamos de um novo traçado para o escoamento, como foi feito no interior de São Paulo
— Letícia Vilela, produtora rural
Letícia explica que a maioria da s estradas vicinais do estado foram abertas por madeireiras, que não fizeram estudos para otimizar distâncias e tempo:
— Hoje damos uma volta para chegar em lugares que, pelo relevo, daria para se chegar mais rápido. Precisamos de um novo traçado para o escoamento, como foi feito no interior de São Paulo. É preciso identificar os gargalos, alterar os traçados das malhas atuais e definir quais são os locais ideais para se fazer trajetos inteligentes.
Os produtos mais transportados por essas estradas são cana-de-açúcar, cereais, leguminosas e oleaginosas, frutas, lavouras permanentes e temporárias, leite, madeira, milho, soja e produção animal. A perda no transporte de grãos pode chegar a uma margem considerável do lucro.
— O caminhão trepida bastante; com isso os grãos, que são pequeninos, vão caindo pela estrada. Tem produtor que perde 10% dos produtos — lamenta Letícia.
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No Brasil, a malha viária tem grande importância para o desenvolvimento do país. E, por conta disso, a boa manutenção das estradas e vias do Brasil faz toda diferença no preço que pagamos nas mercadorias. O produtor rural e empresário do ramo de logística Rogério Astoria, de Eunápolis, na Bahia, explica quais são as necessidades da sua região:
— Nossa região tem um clima ótimo, mas a chuva causa problemas que poderiam ser amenizados caso tivéssemos um plano de manutenção, com valas nas laterais das estradas, prevenções contra erosões, entre outros cuidados.
Rogério ainda explica que o custo da produção acaba ficando mais caro.
— Todos esses problemas acabam onerando a operação, que no final faz com que os produtos comercializados fiquem mais caros para o consumidor — finalizou.
Evento de lançamento reúne parlamentares e lideranças do setor produtivo
Na abertura do evento de lançamento do estudo “Panorama das Estradas Vicinais no Brasil: qualidade de vida para as populações rurais”, o presidente da CNA, João Martins, disse que é preciso mostrar ao país a realidade das estradas vicinais.
O evento reuniu, na sede da CNA, na quarta-feira (8), parlamentares, lideranças e representantes do setor produtivo, presidentes de federações estaduais de agricultura e pecuária, diretores do Sistema CNA/Senar e convidados.
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— Temos que mostrar ao governo, aos deputados, aos senadores, e a todas as autoridades, a realidade das nossas estradas vicinais — afirmou Martins ao discursar na abertura do evento.
João Martins ressaltou como estradas vicinais afetam todos os produtores rurais, principalmente os pequenos. O presidente da CNA citou o exemplo de pequenos produtores de leite que, muitas vezes, transportam o leite para a cidade. E que o custo do transporte com a manutenção dos veículos devido à qualidade das vicinais afeta toda a rentabilidade dos produtores.
João Martins e o presidente da Comissão Nacional de Infraestrutura e Logística da CNA, Mário Borba, entregaram o documento aos deputados federais Tião Medeiros (PP/PR), Rafael Simões (União/MG), Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), Cobalchini (MDB/SC) e Márcio Honaiser (PDT/MA).
Entrevista com Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA
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“A precariedade inviabiliza a circulação em períodos de chuva”
A partir do estudo conduzido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sobre estradas vicinais, a assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA, Elisangela Pereira Lopes, explica que grande parte dessas vias se encontra em condições precárias, comprometendo a mobilidade das comunidades locais e até o agronegócio brasileiro.
Qual foi o principal diagnóstico do estudo?
Elisangela Pereira Lopes – A falta de manutenção, associada a investimentos insuficientes e à ausência de políticas públicas estruturadas, amplia as dificuldades de produtores rurais e moradores das regiões mais afastadas. Em muitos casos, a precariedade inviabiliza a circulação em períodos de chuva, isolando propriedades e atrasando a entrega de mercadorias.
O ideal é que toda estrada seja pavimentada?
Elisangela – Estradas vicinais boas não necessariamente são pavimentadas. Hoje, o custo médio para pavimentar um quilômetro simples varia entre R$ 1,5 e R$ 2,5 milhões, dependendo do solo, da topografia, da largura, da drenagem e da infraestrutura necessária. Investir esse valor em trechos com pouco movimento não é viável. Nessas situações, que envolvem as estradas terciárias, o essencial é garantir o padrão mínimo: uma estrada bem nivelada, com o leito corrigido e declividade que permita o escoamento da água, evitando poças, erosões e atolamentos.
Quais são os principais impactos dessa precariedade para os produtores rurais?
Elisangela – Os custos de transporte aumentam, porque os veículos sofrem mais desgaste e o tempo de viagem é maior. Em produtos perecíveis a qualidade pode ser comprometida. Tudo isso encarece o preço final e reduz a margem de lucro.
E quais foram as variáveis escolhidas para se fazer o estudo?
Elisangela – Consideramos o número e os tipos de propriedades de cada região, o número de crianças matriculadas na escola, o número de empregos, para assim entendermos o fluxo de veículos de cada estrada, já que não são só caminhões, mas ônibus escolares e coletivos que levam os trabalhadores para o campo. É um estudo para toda a sociedade.