O medo é uma emoção básica que todos nós experimentamos. Existem medos naturais, como o medo de cair, de barulhos altos, da escuridão e da morte, que cumprem uma função protetora: avisam-nos de que algo pode ser ameaçador ou prejudicial. Mas há muitos outros “fabricados”, que vivenciamos diariamente e que causam intenso desconforto psicológico ou nos impedem de seguir em frente com nossos projetos de vida. São aqueles relacionados às nossas crenças limitantes, à imaginação catastrófica e aos pensamentos ruminantes negativos que mantemos por tempo demais na mente e no corpo, e que acabam nos adoecendo e paralisando.
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Profissionais da saúde mental mencionam vários exemplos: medo do que os outros vão dizer, de não sermos valorizados, de sermos rejeitados ou humilhados, medo da solidão, do fracasso e até do sucesso (paradoxalmente), da doença, de impor limites, de mudar de trabalho ou começar um novo hobby que revitalize a rotina. No fundo, afirmam, o medo que está por trás de todos esses é o de ousar ser quem realmente somos — e não o personagem que construímos. Simples e complexo ao mesmo tempo.
Andy Figuera recebeu um diagnóstico duro de lúpus há alguns anos e acredita que a doença se manifestou por conta de seu jeito extremamente exigente, que a levava a trabalhar demais, por medo da escassez financeira ou de não ser reconhecida. Após um profundo processo de introspecção, percebeu que o temor mais relevante que precisava enfrentar era o de se tornar a pessoa que sabia ser, mas que não estava acostumada a ser.
— Poderia ter permanecido presa no papel de vítima ou me transformar em protagonista, que foi o que tentei. Senti o chamado para voltar para casa e me lançar no enfrentamento dos meus medos — diz.
Durante o processo de despertar e superação da doença, não apenas física, mas também mental e emocional, Andy reconheceu e nomeou cada uma de suas inquietações. Depois, conseguiu relacioná-las às suas feridas e, pouco a pouco, curar o que precisava ser tratado. Estudou coaching e, hoje, afirma que seu maior desafio é se permitir falar em público para divulgar seus workshops e compartilhar aprendizados.
— Meus medos não estão só na cabeça; também vivem no corpo, que tem memória. Aos poucos, fui me permitindo aparecer sem vergonha — conta.
Esse trabalho interno, que ela iniciou para superar as armadilhas do ego, é um dos caminhos essenciais apontados por psicólogos para transformar os medos crônicos e inconscientes que afetam negativamente a qualidade de vida. O outro é apostar na confiança na existência.
— O medo fala da ausência de confiança e da presença do ego, que só busca nos manter presos em um estado de sobrevivência. Ele não se importa que sejamos felizes — ressalta Eleonora Pérez, coach ontológica e docente da Escola de Negócios da Universidade de San Andrés. — A chave está em confiar que a vida não nos trará nada maior do que nossa capacidade de resolver, e aceitar o que chega (até o mais difícil) como uma oportunidade de crescimento e expansão — completa.
Ambas as terapeutas acreditam que, se tivermos coragem de olhar nossos medos de frente e desmascará-los, poderemos evoluir.
— É um hábito diário, indelegável, que envolve se fazer perguntas: ‘Por que tenho medo de que as coisas deem certo? O que aconteceria se eu conquistasse o que quero?’ São perguntas incômodas que nos tiram da zona de conforto. Mas, se quisermos estar no comando da nossa vida, precisamos identificar o que nos impede de dar o passo adiante e mudar o olhar — ela explica.
Em sua experiência acompanhando pessoas em processos de transformação, Eleonora celebra as mudanças que presencia.
— Lembro de uma mulher muito conflituosa que conseguiu curar feridas e identificar o medo de rejeição que se escondia por trás da postura combativa — conta.
Para ela, o essencial é confiar que é possível dar esse “sim” interno ao autoconhecimento, e ter humildade para pedir ajuda.
Foi exatamente o que fez Joaquín Varela, de 57 anos, ao ser demitido em 2014. Para superar a frustração e o abatimento, contou com o apoio de um terapeuta e da esposa.
— Estava muito ansioso, me sentia inferior aos meus amigos. O acompanhamento profissional e o apoio da minha mulher foram vitais para me encorajar e mostrar meu potencial. Eu via tudo escuro — relembra.
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Gabriela Vidal, de 36 anos, também conta que, com ajuda profissional, conseguiu reverter a falta de autoestima. Essa mulher competente tinha medo do fracasso e acreditava que seus colegas eram mais talentosos.
— Era uma autosabotagem constante — afirma. Um dia percebeu sua armadilha: alimentava o mal-estar com “verdades” sem fundamento, que funcionavam como muros impenetráveis. Descobriu que as pessoas que considerava superqualificadas também tinham inseguranças e, às vezes, até estavam perdidas.
— O problema era eu e a voz na minha cabeça repetindo: ‘Você não tem qualidades úteis’ — diz ela.
O processo de mudança foi artesanal e exigiu coragem.
— De certa forma, era confortável permanecer presa à miséria — diz. — Com ajuda terapêutica, começou a mudar, sem cair no falso positivismo dos clichês modernos, como o “você é luz” e “você pode tudo”.
De fato, não podemos tudo, mas podemos bastante. O suficiente para sair desses becos sem saída onde ficamos presos a nossos fantasmas e inseguranças.
O médico Joaquín Grehan, especialista em medicina do estresse, explica da seguinte forma:
— Uma coisa é ter medo, outra é ser dominado por ele. Quando ficamos sequestrados pelos medos, eles se tornam nocivos. A maioria das pessoas ignora ou nega essas emoções por considerá-las fraquezas. O desafio é tomar consciência, aprender a regulá-las e desativá-las, direcionando nossa atenção para espaços seguros, onde encontramos calma. A terapia cognitiva, as neurociências e a meditação ajudam muito — afirma.
É o que faz Sofía De Estrada, de 17 anos, estudante do último ano do ensino médio, quando suas ansiedades tomam conta, especialmente desde que começou a sentir a pressão de escolher uma carreira. Quando a cabeça se enche de pensamentos de medo, ela tenta colocar a energia em atividades saudáveis: aulas de dança, canto, violão e convivência com amigos íntimos.
— É onde consigo relaxar — ela diz.
Seu desconforto se manifesta com insônia, dor no peito e pensamentos angustiantes: Vou encontrar uma carreira que me faça feliz? E se eu errar? Estarei à altura das exigências acadêmicas?
— Tenho pavor de perder minhas amizades e de me arrepender das escolhas — confessa.
Com ajuda psicológica e visitas a universidades e palestras vocacionais, Sofía conseguiu aliviar o peso da ansiedade. Em vez de fugir, resposta típica diante do medo, decidiu enfrentar o que temia.
— Fui me conhecendo melhor e descobrindo cursos que faziam sentido com meus interesses e habilidades — conta.
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Assim como Sofía enfrenta a ansiedade de ingressar na vida adulta, cada fase da vida é marcada por um medo predominante. Grehan explica alguns deles:
- Na infância, o medo da separação das figuras de apego;
- No final da infância, o medo de não ser aceito pelo grupo de amigos;
- Na adolescência, intensifica-se a necessidade de pertencimento e surgem medos ligados ao desempenho escolar e esportivo;
- Na juventude, predominam as ansiedades sobre sucesso, fracasso, amor e propósito;
- Na vida adulta, as preocupações giram em torno da estabilidade financeira (por volta dos 30 anos) e da perda de status (aos 45);
- Após os 60, cresce o medo da doença;
- Depois dos 70, o medo da solidão e da dependência;
- E, ao fim da vida, o medo da morte.
Aos 93 anos, María Enriqueta Bruera conta que seu maior temor não é morrer, mas adoecer e se tornar dependente.
— Não quero ser um fardo. Tenho pânico de que um Alzheimer ou um AVC me tornem um peso para a família — diz, grata pela vida que teve, e ainda tem.
Quando o medo domina o corpo
Enriqueta, Sofía, Gabriela, Andy e Joaquín são exemplos dos desafios e inseguranças que todos nós atravessamos em diferentes momentos da vida. Em qualquer idade, quando o medo se torna crônico, surgem sintomas físicos, estados de ansiedade e, sobretudo, pensamentos negativos que bloqueiam a criatividade.
O corpo sofre as consequências: quando o medo é ativado, o organismo entra em modo de “luta ou fuga”. Hormônios do estresse (adrenalina e cortisol) são liberados, aumentando batimentos cardíacos, respiração e pressão arterial. Os músculos se contraem, há suor e boca seca, pois os recursos da digestão são desviados para garantir a sobrevivência.
Por isso, uma forma saudável de enfrentamento é reconectar-se ao corpo, com sensações físicas agradáveis do aqui e agora, saindo do plano mental que confunde e sobrecarrega. Parar para sentir o perfume de uma flor, tocar o gramado molhado com os pés descalços, ouvir o canto dos pássaros ou saborear um café quente com um pão doce. Cada sensação pode nos trazer de volta ao presente, à consciência do privilégio de estar vivo. Diminuir o volume dos medos e sintonizar no canal da confiança, da abundância e da alegria.
“O maior medo que temos é o de viver”
O coach gestáltico Tomás Olivieri Acosta, que trabalha com pacientes terminais, afirma que as pessoas não têm medo da morte, mas da sensação de morrer sem ter vivido.
— O verdadeiro pavor é o de viver de verdade, romper com o status quo, largar o ‘que vão pensar’, deixar de ser quem deveríamos ser e nos permitir ser quem realmente somos — ressalta.
Ele chama atenção para a “epidemia de solidão” que marca o mundo atual, mas ressalta que a primeira solidão é a de viver desconectado de si mesmo.
— Acabamos dependendo do olhar do outro para existir. Criamos um personagem e lotamos a agenda de trabalho e compromissos para não encarar o vazio — observa.
Segundo ele, o paradigma cultural dominante nos empurra a fazer, depois ter — e só então ser. Nesse percurso, perdemos vitalidade e alegria. Em seus workshops de liderança consciente, Tomás tenta mostrar que um verdadeiro líder é aquele que primeiro se lidera, enfrentando vulnerabilidades, medos e sombras.
— É difícil, porque fugimos de nós mesmos — diz.
Sua receita para viver sem medo: confiar na vida como mestra, aceitar o que ela traz (até a dor) e compreender que tudo é convite à evolução.
— É só saltar. A rede está lá — conclui.
- Identificar o medo e nomeá-lo, sabendo que nem sempre corresponde à realidade.
- Não fugir: acolhê-lo e integrá-lo.
- Observar o que o desencadeia e como ele se manifesta no corpo.
- Investigar o que ele quer ensinar sobre você.
- Perguntar-se: é real ou imaginário? Está me alertando para algo ou é uma ameaça ampliada?
- Redirecionar a atenção para outros estímulos.
- Praticar técnicas de relaxamento, como meditação e respiração profunda.
- Cultivar confiança e coragem para seguir adiante.
- Enfrentar a ansiedade de forma gradual.
- Questionar pensamentos limitantes e crenças negativas.
- Evitar prever desastres — eles estão apenas na cabeça.
- Compartilhar os medos com pessoas de confiança, para ganhar perspectiva.
- Buscar ajuda profissional quando necessário.
- Aceitar o erro como parte do processo, e não como fracasso.