Criados na Terra Firme, um dos bairros mais populosos na periferia de Belém, no Pará, os ativistas Andrew Leal e Waleska Queiroz sentiam na pele, ainda crianças, os efeitos da desigualdade e das mudanças climáticas, como os alagamentos agravados pela falta de saneamento básico. Na época, os moradores não associavam a situação de vulnerabilidade social do bairro aos pesados impactos de eventos climáticos extremos. Anos mais tarde, porém, Andrew e Waleska elegeram como propósito de suas vidas a conscientização de populações periféricas de diferentes cidades do país sobre a questão que tanto marcou a infância de ambos.
- Leia mais: Professores indígenas compartilham saberes tradicionais em escolas do Rio
- Datafolha: Maioria dos brasileiros quer que Lula proíba exploração de petróleo na Foz do Amazonas
Pesquisas comprovam que a crise climática tem certo perfil social como alvo primário. São as comunidades mais pobres as maiores vítimas de eventos como enchentes e secas duradouras, que vêm se tornando cada vez mais frequentes devido ao aquecimento global. Divulgar essa realidade e estimular a prevenção são as principais missões do Observatório das Baixadas. Criado no ano passado por Andrew e Waleska, com os também ativistas Thuane Nascimento e Jean Ferreira, o projeto promove educação ambiental e engajamento comunitário, conectando moradores de periferias brasileiras.
Desde a fundação, o Observatório das Baixadas realizou 15 oficinas de educação ambiental em escolas, centros comunitários e ONGs em Salvador e Vera Cruz, na Bahia, e em Belém, Ananindeua e Abaetetuba, no Pará. O trabalho desenvolvido pelo Observatório conta com apoio institucional do Instituto Neoenergia.
De acordo com os líderes do projeto, a maioria dos jovens que participaram dos encontros não associava problemas como calor excessivo e inundações frequentes ao caos climático global. Por isso, um dos desafios é aproximar da população esse assunto, por vezes considerado pouco palpável ao grande público.
— Minha primeira imagem sobre o assunto, quando criança, era o sofrimento do urso polar com o derretimento das calotas polares. Então, trazemos a ideia visual de que a emergência climática também está aqui nas nossas comunidades, nas ruas inundadas, nas secas e cheias frequentes da Amazônia. Quando falamos sobre clima no Norte do país, a gente destaca o risco de o açaí acabar até 2050, por exemplo. Isso aproxima o tema à realidade deles — explica Waleska, de 31 anos, que define o trabalho como um “processo de formiguinha”. — Precisamos criar essa consciência. Começamos falando sobre territórios, depois apresentamos dados científicos e conceitos para eles se apropriarem das informações.
Um dos principais projetos do Observatório é o Atlas das Baixadas, plataforma interativa on-line que mapeia os problemas socioambientais nas “baixadas” — como os ativistas se referem às periferias. O mapa é construído de forma colaborativa, e os jovens conseguem enviar informações e alertas sobre problemas climáticos de suas regiões.
— O Atlas é uma das nossas principais ferramentas de educação ambiental. Funciona como denúncia socioambiental e memória coletiva — resume Andrew Leal, de 28 anos, integrante da primeira turma de cotistas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/s/W/6wAX2cSMWD1BVvaVMAPw/andrew-leal-obx-acervo-pessoal.jpg)
O Atlas se alimenta de bases de dados oficiais, como o Adapta Brasil, do governo federal, e o Censo, do IBGE, com complementos de colaborações. Algo semelhante ao Wikipedia. Assim, o trabalho reúne diferentes camadas de informações georreferenciadas, como regiões de inundações, riscos geo-hidrológico e estatísticas sociais e raciais.
Clima de alerta na favela
Desde o lançamento, no ano passado, já houve cerca de cem contribuições individuais, de “denúncias socioambientais”, o que ajuda a consolidar as informações de riscos climáticos em favelas e comunidades pelo país. Neste mês, uma nova edição será lançada a partir das contribuições e, nas futuras atualizações, o objetivo dos organizadores é ter informações de arborização urbana e ilhas de calor.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/f/R/MvJBeuR1mXjOHLzCMQhQ/waleska-queiroz-acervo-pessoal.jpg)
Andrew e Waleska fizeram curso técnico no ensino médio, em Belém, antes da universidade. Enquanto ele estudou Arquitetura e Urbanismo na USP, ela cursou Engenharia Sanitária Ambiental na Universidade Federal do Pará (UFPA) e, depois, fez mestrado na área de adaptação climática, para se aprofundar no problema da falta de infraestrutura verde em regiões carentes.
— Quando o evento climático extremo chega à comunidade, gera colapso — alerta a jovem.—Precisamos motivar a população de comunidades a liderar a prevenção nesses espaços.
Para traçar um panorama sobre as mudanças climáticas e apresentar projetos como o Atlas das Baixadas, as oficinas do Observatório se apoiam em eixos como a “ciência cidadã” produzida nas “baixadas”, a cultura e a memória da população local e a incidência política, que trata dos espaços públicos e oficiais de discussões climáticas. Com a proximidade da Conferência do Cima (COP30), em Belém, um dos principais assuntos das oficinas é explicar o funcionamento das COPs e seus impactos.
Os líderes do Observatório das Baixadas têm noção do desafio que é dialogar sobre temas tão densos com as novas gerações. Para ter sucesso, eles precisam adaptar sua linguagem para o público-alvo e usar uma metodologia participativa, fazendo com que os jovens criem seus próprios dados.
— Clima parece algo muito apartado, distante, então precisamos gerar confiança. Não é apenas ensinar sobre meio ambiente, mas entender o tema com eles — pondera Waleska.
Nas últimas oficinas, ficou claro para os ativistas como os jogos on-line estão presentes nas vidas dessas pessoas. Por isso, os líderes do Observatório já planejam desenvolver um game que tenha a emergência climática como pano de fundo.
— A linguagem é um elemento crucial no nosso trabalho, e os jogos ocupam muitos espaços que as organizações não conseguem acessar — afirma Leal.