- Ouça o ‘Caso zero’: Podcast está disponível nas principais plataformas de áudio
- Produção do ‘Caso zero’: Apuração levou dois anos e traz novos detalhes e entrevistas inéditas
“Caso zero” também pode ser ouvido nas principais plataformas de áudio, como Apple e Spotify.
André Borges: O podcast “Caso zero” é uma série em cinco episódios. Este é o terceiro. Se você ainda não escutou os dois primeiros, a gente recomenda que você pause aqui e escute antes os episódios anteriores.
Sonora: E eles estão, de fato, doutor, deputado Geraldo, num sistema inquisitório. Aqui é a CPI e nós estamos aqui para perguntar. A metodologia e a linguagem dependem de cada um. O senhor fala suave, fala manso, tranquilo. E eu e ele, nós falamos incisivos.
Bela Megale: Eu sou Bela Megale.
André Borges: E eu sou o André Borges.
Bela Megale: E este é o “Caso zero”, a história que mudou o rumo do transplante de órgãos no Brasil. Um podcast do jornal O GLOBO. Terceiro episódio: A CPI.
Sonora Adailton Ramos do Nascimento: No meu entender, naquela época… Eles agiram de forma a obter o STOP. O tratamento talvez foi, num primeiro momento, inicial; depois, eles agiram buscando a declaração válida de óbito para retirada de órgãos.
André Borges: Esse aí que escutamos foi o procurador do Ministério Público Federal, Adailton Ramos do Nascimento. No último episódio, a gente já tinha ouvido uma parte da entrevista com ele. Foi o dr. Adailton que ofereceu a primeira denúncia do caso. Em abril de 2002, dois anos depois do acidente, os médicos José Luiz Gomes, José Luiz Bonfitto, Marco Alexandre Pacheco e Álvaro Ianhez foram denunciados por homicídio. O entendimento da Procuradoria, naquela época, foi de que os médicos que atenderam o Paulinho no Hospital Pedro Sanches agiram para obter a morte cerebral dele. Eles foram denunciados pelo assassinato do Paulinho, acusados de matar o menino, para, depois, retirar seus órgãos.
Bela Megale: Acontece que a conclusão do Ministério Público era completamente diferente daquela a que a Polícia Federal tinha chegado — não só sobre os médicos envolvidos no caso, mas também sobre o crime cometido. Para a polícia, o Paulinho deixou o Hospital Pedro Sanches com vida. Por isso, o inquérito da PF tinha indiciado quatro médicos — mas não os mesmos. Todos trabalhavam no segundo hospital onde o Paulinho foi atendido, a Santa Casa — e eles não foram indiciados por homicídio, mas por crimes ligados à Lei de Transplantes. Esses médicos eram o Celso Scafi, o Cláudio Fernandes, o Odilon Trefiglio Neto e o Álvaro Ianhez. Ou seja, o único culpado, tanto para a polícia quanto para o Ministério Público, era o Álvaro. Para a Polícia Federal, quando os médicos da Santa Casa retiraram os órgãos do Paulinho, ele ainda tinha atividade cerebral. Quem assumiu o inquérito com essa conclusão é o delegado Célio Jacinto dos Santos, da PF de Varginha. A gente tentou contato com ele, que hoje está aposentado e mora em Brasília. Insistimos para que o dr. Célio desse uma entrevista, mas ele demonstrou que o caso mexeu muito com ele. Não quis falar. Disse que era uma história do passado e que tinha que ficar por lá.
André Borges: O entendimento do Ministério Público e o da Polícia Federal não eram só diferentes, não. Eles eram conflitantes. Para ficar claro: na visão dos procuradores, foram os médicos do Pedro Sanches que mataram o Paulinho para, depois, roubar seus órgãos. Mas, para a Polícia Federal, o Paulinho tinha chegado ainda com vida à Santa Casa, e a morte foi resultado da cirurgia feita ali, quando foram retirados os órgãos.
Bela Megale: No primeiro episódio do podcast, a gente falou sobre uma segunda arteriografia cerebral que foi realizada assim que o Paulinho chegou à Santa Casa. Lembrando: arteriografia é um exame de imagem que mostra se tem, ou não, fluxo de sangue chegando ao cérebro do paciente. Os relatos de todos que examinaram essas imagens são de que o Paulinho já estaria morto quando foram retirados seus órgãos. Esse exame foi fundamental para embasar a decisão do procurador Adailton Ramos e de mais três membros do Ministério Público que assinam a denúncia. Acontece que essa arteriografia, que poderia inocentar os médicos da Santa Casa de qualquer suspeita, foi apreendida pela Polícia Federal e simplesmente desapareceu ao longo da investigação.
André Borges: Olha, é importante a gente entender aqui como funciona a Justiça brasileira. Uma denúncia de homicídio doloso — que é quando se tem a intenção de matar — é julgada por um Tribunal do Júri. Quer dizer, quem decide sobre a culpa ou não do acusado é um júri formado por pessoas comuns que voluntariamente se alistam para essa função. Só que uma denúncia de crime por infração à Lei de Transplantes não tem esse júri popular. Nesse caso, a lei diz que o responsável por dar o veredito é um juiz singular — quer dizer, um único magistrado, um juiz que decide se os réus são culpados ou não. Mais pra frente, a gente vai voltar a esse tema, porque essa diferença vai ter um peso crucial no destino de muita gente.
Bela Megale: Agora vamos falar de um ponto importante da denúncia do Ministério Público, aquela lá de 2002. O que chamou a nossa atenção ao ler essa peça é que o procurador Adailton alega que o tipo de cirurgia escolhido pelo médico José Luiz Gomes para diminuir a pressão dentro do cérebro do Paulinho, assim que ele chegou no Pedro Sanches, estava errado. Na peça, o procurador diz o seguinte: “Há duas técnicas cirúrgicas para abertura do crânio: craniotomia e craniectomia. Não se trata de mera distinção semântica, mas de procedimentos cuja distinção é de suma importância no caso concreto”.
André Borges: E a gente tem que explicar essa diferença, porque isso, lá em 2002, foi um dos argumentos centrais do Ministério Público para acusar o José Luiz Gomes de homicídio. A craniectomia, que a Bela disse, é uma técnica que usa um tipo de martelo para remover os ossos, os pedaços são retirados e não são recolocados. Já a craniotomia utiliza outro tipo de equipamento, uma espécie de serra para abrir o osso do crânio; esse segmento é retirado e recolocado depois.
Sonora Adailton Ramos do Nascimento: Era um processo muito complexo, que precisei me dedicar algum tempo, em disciplinas afins. Foram dois momentos. Naquela época, eu considerei que a craniectomia já estaria dentro de uma linha de considerar a pessoa doadora de órgãos, e não a um paciente em tratamento. Eu considerei nessa linha. Pesquisando posteriormente e conversando com médicos, tempos depois, eles me falaram da equivalência das duas técnicas. Então, na época, sim, eu considerei que a escolha de uma e não de outra teria interferência direta no processo. Hoje isso é só uma possibilidade, pelo que eu tenho conhecimento.
Bela Megale: Na prática, Adailton reconhece que cometeu um erro de avaliação.
Sonora Adailton Ramos do Nascimento: Na época, sim, foi considerado isso como um indicativo de que a pessoa estava sendo direcionada para doação. Hoje eu considero — ouvindo até colegas de neurocirurgia… A gente sempre conversa sobre esses casos, sobre casos médicos, e hoje eu sei que as duas técnicas são equivalentes. Não seria um dos pontos fundamentais da conclusão.
André Borges: O Adailton contou que o Ministério Público ofereceu a denúncia de homicídio porque entendeu que os médicos do Pedro Sanches não atuaram para salvar o paciente. Para os procuradores, eles tinham apenas o objetivo de tornar o Paulinho um doador de órgãos.
Bela Megale: Após o oferecimento de uma denúncia pelo Ministério Público, é a vez de um juiz decidir se vai receber ou rejeitar essa denúncia. Se ela for recebida, os denunciados passam a ser réus e respondem a um processo judicial. A defesa, então, tem um tempo para reunir provas antes de ir para o julgamento — um tempo que o Paulo Pavesi, pai do menino, não estava disposto a esperar.
André Borges: O Paulo Pavesi não ficou nada satisfeito com a denúncia do Ministério Público, que acusava apenas os médicos do Pedro Sanches e o dr. Álvaro de homicídio. O que indignava o Pavesi era o fato de que os médicos da Santa Casa ficaram de fora dessa denúncia, mesmo depois de terem sido indiciados pela Polícia Federal. Em um trecho de seu livro, ele diz o seguinte: “Uma denúncia de homicídio praticado pelos médicos do Hospital Pedro Sanches seria absurda, já que ele saiu vivo daquele local. Como um juiz pode condenar um médico pelo homicídio de uma pessoa viva?”.
Bela Megale: Paulo Pavesi tinha a sensação de que estava sozinho contra todo um sistema e, já que ninguém o escutava, ele precisava falar mais alto. Foi nessa época que ele abriu seu primeiro canal, um blog na internet, onde começou a denunciar o que, para ele, era um esquema mafioso de tráfico de órgãos. Nos anos que se seguiram, o Pavesi encontrou na internet um espaço favorável para manifestar suas ideias. Pavesi passou a soltar o verbo contra todos aqueles que, na sua avaliação, tinham algum envolvimento com a suposta máfia: médicos, políticos, procuradores, delegados — todos eles foram alvos de acusações do Pavesi.
André Borges: Mas a reação logo chegaria. Em outubro de 2002, Paulo Pavesi recebeu uma intimação para comparecer à sede da Polícia Federal, em São Paulo. Ele estava sendo acusado por oito procuradores pelos crimes de injúria, calúnia, difamação e também de coação. Entre aqueles que denunciaram o Pavesi estavam, inclusive, o procurador Adailton e o delegado Célio Jacinto — os dois que investigaram e pediram a condenação dos médicos no caso de seu filho.
Bela Megale: Se a intenção dos procuradores era pôr fim aos ataques do Paulo Pavesi, esse tiro saiu pela culatra. Para o Pavesi, aquela intimação era uma prova de que ele estava no caminho certo e que, finalmente, incomodava os poderosos.
André Borges: Pouco tempo depois, o barulho feito pelo Paulo Pavesi começou a mostrar resultado. Ele relata, no seu livro, que, em fevereiro de 2003, um assessor do deputado federal Neucimar Fraga, do PL do Espírito Santo, procurou por ele. Meses antes, Pavesi tinha disparado e-mails para uma série de parlamentares denunciando essa máfia. O assessor do deputado Neucimar pediu para que ele enviasse mais informações e documentos que comprovassem as denúncias. O parlamentar estava no seu primeiro mandato em Brasília. Ele era integrante da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados.
Bela Megale: Pavesi conta que passou a trocar mensagens com o assessor do deputado com alguma frequência, até que, em maio de 2003, Neucimar Fraga subiu na tribuna do Congresso Nacional com um discurso contundente.
Sonora Neucimar Fraga: Nós não estamos denunciando aqui traficantes nem usuários de droga de favela. São médicos, pessoas donas de hospitais conceituados no nosso país, autoridades constituídas do nosso país, que estão participando disso — dessa matéria de tráfico de órgãos humanos no Brasil.
André Borges: Neucimar Fraga tinha a convicção de que o Sistema Nacional de Transplantes estava contaminado por um esquema mafioso.
Sonora Neucimar Fraga: E a Comissão de Segurança da Câmara Federal, acatando o requerimento deste deputado, criou um grupo de trabalho para apurar o tráfico de órgãos humanos neste país. Esse grupo já se reuniu três vezes; e nós estamos colhendo outras informações e já temos em mãos documentos, depoimentos de delegados, depoimentos de promotores que comprovam essa prática criminosa no país.
André Borges: O deputado tinha se tornado um importante aliado do Paulo Pavesi e passaria a agir no Congresso para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito — uma CPI — para apurar as denúncias de tráfico de órgãos no Brasil.
Bela Megale: Pela primeira vez, Paulo Pavesi sentia que não estava mais sozinho na sua jornada. Aos poucos, outros políticos também começaram a oferecer apoio. É nessa mesma época que surge uma outra personagem na história, que, até então, era pouco conhecida, mas que, anos mais tarde, ganharia relevância nacional. Certamente você já ouviu falar dela.
André Borges: Eu vou citar aqui mais um trecho do livro de Pavesi, em que essa pessoa aparece: “Verificando a minha caixa de entrada, percebi um e-mail de uma senhora chamada Damares Regina Alves. Advogada, ela trabalhava como chefe de gabinete de um deputado federal em Brasília. Ela estava acompanhando o caso do Paulinho através dos e-mails que eu enviava quase diariamente para a Câmara dos Deputados. Dra. Damares trabalhava para o deputado federal pastor Rinaldo, representante do Rio Grande do Sul e que fazia parte da Comissão de Direitos Humanos do Congresso. Em um estimado esforço pessoal, ela levou o caso ao deputado, que decidiu apresentá-lo à comissão. Foi elaborado, em 10 de dezembro de 2003, o requerimento 124/03 para que eu fosse ouvido pelos parlamentares”.
Bela Megale: Damares vai reaparecer nessa história duas décadas depois, mas, dessa vez, como ministra de Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro. Mas a gente vai falar disso depois. Agora, vamos voltar para onde essa história estava naquela época: a Câmara dos Deputados. No dia 1º de abril de 2004, quatro anos depois do acidente, foi instalada a CPI do Tráfico de Órgãos. O deputado Neucimar Fraga assumiu a presidência. O deputado pastor Pedro Ribeiro, do MDB do Ceará, foi o relator. O objetivo da CPI era investigar não só o caso do Paulinho, mas diversas denúncias de tráfico de órgãos e irregularidades relacionadas a transplantes em todo o Brasil.
Sonora: O presidente desta Casa, nos termos regimentais, para instalação da Comissão, eleição do presidente desta Comissão. Na forma do artigo 39, parágrafo quarto, do Regimento Interno, compete-me assumir a presidência dos trabalhos e declaro instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito, com a finalidade de investigar a atuação de organizações criminosas atuantes no tráfico de órgãos humanos.
Bela Megale: Um dos primeiros parlamentares a pedir a palavra na CPI foi o deputado mineiro Geraldo Tadeu. Ele estava no seu primeiro mandato em Brasília, mas, antes disso, tinha sido prefeito em Poços de Caldas — justamente na época em que aconteceu o acidente do Paulinho. O Tadeu não discordou da importância da comissão, mas ponderou sobre os efeitos negativos que a CPI podia ter no sistema de transplantes.
Sonora Jorge Tadeu: Eu acho altamente válida essa CPI, muito embora eu também me preocupe com essa CPI — para que ela, no intuito às vezes de ajudar, de colaborar, como o próprio presidente fala, não prejudique ainda mais a questão dos transplantes no país, nem coloque mais dúvida na cabeça das pessoas, prejudicando quem depende de um órgão para sobreviver.
André Borges: Pro Paulo Pavesi, o que havia ali era medo da CPI — medo de que viessem à tona todo tipo de irregularidade.
Bela Megale: Vinte anos depois dessa fala do Geraldo Tadeu na CPI, a gente procurou por ele. Encontramos o ex-deputado no seu apartamento em Águas Claras, uma cidade-satélite de Brasília. Em setembro de 2024, quando Geraldo Tadeu recebeu a gente, ele era assessor do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Bela Megale: Olá, tudo bem? Como vai, deputado? Prazer, Bela…
André Borges: Nessa conversa, o Tadeu contou pra gente sobre uma tragédia pessoal dele. Assim como Paulo Pavesi, ele também perdeu o filho muito cedo, aos 16 anos de idade. Foi um acidente fatal de moto. E havia mais coincidências entre os dois. Por isso, o Geraldo Tadeu contou que se sentia particularmente comovido pela dor do pai do Paulinho.
Sonora Geraldo Tadeu: Eu perdi uma oportunidade grande de ter ajudado o Paulo Pavesi, e eu queria ajudar ele… De passar pra ele a experiência que eu tive na minha vida, com o acidente do meu filho. Foi praticamente idêntico, e a mesma equipe que atendeu o meu filho atendeu o filho dele. E esse pessoal que eu conheço profundamente… Começamos juntos em Poços de Caldas, eles na Medicina, e eu na Odontologia.
André Borges: O ex-deputado contou que tentou um diálogo com Pavesi, mas que sempre foi refutado. Para o Pavesi, não tinha jeito: Geraldo Tadeu tinha apenas a intenção de silenciá-lo. Ele chegou a até mesmo a insinuar que o deputado teria tentado comprar esse silêncio.
Sonora Geraldo Tadeu: Não teve… Eu cheguei nele… Sabe quando você chega na pessoa e, depois, aí vem ainda uma conversa de que eu estava com outras intenções? Que intenções eu teria, se eu queria ajudar? Porque, às vezes, as pessoas não acreditam na boa-vontade e na boa intenção, entendeu? Então, isso mostra também o impacto da morte do filho dele nele. Ele sofreu o impacto, tenho certeza absoluta.
André Borges: O senhor chegou a ser alvo de algum processo…
Sonora: Estão abertos os trabalhos da quinta reunião ordinária da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a atuação de organizações criminosas no tráfico de órgãos humanos — a CPI do tráfico de órgãos…
Bela Megale: Depois de diversas reuniões da CPI, chegou o momento mais esperado pelo Paulo Pavesi.
Sonora: Vamos, a partir deste momento, tomar os depoimentos. Com a palavra, pelo tempo de até 20 minutos, sem poder ser apartiado, o senhor Paulo Airton Pavesi.
André Borges: Era o dia 29 de abril de 2004, quatro anos e 10 dias depois do acidente do Paulinho.
Sonora Paulo Pavesi: …extenso e bem detalhado de todos os fatos que aconteceram com meu filho: cópias de prontuário, cópias de exames, cópias de ações na Justiça, inclusive, que comprovam o que eu estou dizendo. E, infelizmente, me aprofundei mais na história do meu filho e descobri que existe, realmente, no Brasil, problemas em relação ao tráfico de órgãos.
Bela Megale: Paulo Pavesi aproveitou seu depoimento na CPI para, mais uma vez, denunciar os médicos que trataram do seu filho em Poços de Caldas. Era o momento ideal para mostrar tudo o que ele tinha juntado de material sobre o caso e apresentar suas conclusões. Pavese falou das cobranças indevidas pelo Hospital Pedro Sanches, denunciou superfaturamento de materiais usados na internação do Paulinho, acusou os médicos de adulterar prontuários, de terem administrado substâncias que teriam levado seu filho à morte — como o Dormonid, um sedativo. Ele também acusou o deputado Carlos Mosconi de envolvimento direto com a máfia — ou, melhor, de ser o líder dessa máfia. Foi um longo depoimento, e Pavese aproveitou para falar sobre tudo o que pensava. Seu esforço, nos últimos anos, parecia estar dando resultado.
André Borges: Foram sete meses de trabalho da comissão. Trinta e nove deputados participaram da CPI, que escutou 63 pessoas. O relatório foi concluído e publicado em novembro de 2004. O texto final da CPI trazia uma epígrafe do escritor francês Victor Hugo, retirada de “Os Miseráveis”: “A miséria oferece e a sociedade compra”. A CPI concluiu que havia falhas no sistema de transplantes e propôs recomendações de mudanças em leis e encaminhamentos para autoridades como a Polícia Federal e o Ministério Público. O relatório também sugeria alterações para coibir práticas ilegais e garantir mais transparência no sistema de doação de órgãos.
Bela Megale: Uma CPI não tem o poder de condenar ou prender ninguém. Ela pode, no máximo, fazer sugestões a partir das informações que colheu. E, se em Brasília a CPI já tinha chegado a uma conclusão, na Justiça o caso do Paulinho ficou parado por anos numa disputa de foro. Era preciso saber se a competência do julgamento ia ser da esfera federal ou da esfera estadual.
Sonora Flavia Rahal: Num primeiro momento, então, é isso. Nasce a investigação na Federal porque se entendia que poderia ter dinheiro do SUS. Afinal de contas, havia matéria jornalística falando de uma “máfia grandiosa”; se tem ministro da Saúde ligando para dizer “precisamos dar uma resposta”… Era nessa concepção de algo muito gigantesco e quase em âmbito nacional.
André Borges: Essa que escutamos foi a dra. Flávia Rahal. Ela é uma respeitada advogada criminalista. Em 2024, seu escritório entrou no caso — e foi por isso que nós a procuramos. A gente vai falar sobre a atuação dela um pouco mais pra frente. Por ora, a Flávia vai ajudar a gente a entender o percurso jurídico da história. Ela explicou que o caso do Paulinho envolvia o uso de dinheiro do SUS, que é um órgão federal. Por isso, num primeiro momento, para a Justiça, esse caso também era federal.
Sonora Flavia Rahal: Aí faz-se a investigação. Não se chega a lugar nenhum, porque não existia a tal da máfia, não existia dinheiro do SUS. O caso sai e vai para a Estadual — e vai para a Estadual com uma decisão judicial da juíza que cuidava do caso dizendo o seguinte: “Tendo em vista que não é competência federal — e isso está claro —, todos os atos decisórios anteriores a esse reconhecimento de incompetência têm que ser anulados”, o que é uma consequência muito clara do que diz a nossa lei processual penal.
Bela Megale: A Flávia explica que o entendimento sobre o caso mudou. Sai da esfera federal e vai para a esfera estadual. Por isso, todos os atos feitos antes dessa decisão teriam que ser anulados. O processo tinha que começar do zero, e as provas colhidas novamente. Mas não foi isso que aconteceu.
Sonora Flavia Rahal: Só que, quando esse caso chega na Estadual, para um novo juiz portanto… Primeiro, o juiz questiona a competência estadual. Então isso vai ao Superior Tribunal de Justiça, por meio de um conflito de competência, para que o STJ diga, afinal de contas, quem é competente: Federal ou Estadual? E o STJ diz: Estadual, porque não tem SUS, porque não tem máia, porque não tem nada disso. Volta. E este juiz estadual, ao invés de simplesmente executar a decisão, que dizia “anulam-se todos os atos anteriores”, uma decisão já transitada, em relação à qual ninguém recorreu, ele finge que aquilo não está lá. E ele continua o caso, mantendo as decisões e as provas advindas de decisões que deveriam ter sido excluídas do processo. Porque esse é o sentido: se o juiz era incompetente, aquilo que ele produziu não pode estar no processo, porque é ilegal.
André Borges: Até 2009, o caso permaneceu assim, nessa disputa de foro. Em junho daquele ano, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, enfim, que a competência era estadual. Depois de um longo percurso, a história voltava para Poços de Caldas.
Bela Megale: Em fevereiro de 2010 — ou seja, quase dez anos depois da morte do Paulinho —, o juiz da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas determinou que o processo voltasse a andar. O primeiro passo foi acionar o Ministério Público de Minas e os réus para ver se queriam fazer novas manifestações sobre o caso. Foi então que veio uma nova posição. O promotor Renato Gozzoli, do Ministério Público Estadual de Minas Gerais, pediu a impronúncia dos acusados. Os médicos respiraram aliviados. Depois de quase uma década, eles acreditaram que aquela seria uma reviravolta e o caso finalmente seria encerrado.
André Borges: Num processo criminal, a impronúncia — que a Bela citou agora — significa que não há prova suficiente para levar um réu a júri popular. Ela não é absolvição, porque o caso pode ser reaberto se surgirem novas provas.
Bela Megale: O texto assinado pelo promotor Renato Gozzoli fala de uma série de indícios de irregularidades praticadas pelos médicos — que vão desde a suposta negligência no atendimento do Paulinho até os atos de retirada dos órgãos. Mas, para ele, não havia crime de homicídio. Para o Ministério Público Estadual de Minas, nenhuma dessas irregularidades na conduta dos acusados teria causado a morte do Paulinho.
André Borges: Só que o alívio dos médicos durou pouco. Mesmo com a manifestação do Ministério Público Estadual, o juiz Luiz Fonseca, também de Poços de Caldas, discordou do entendimento e decidiu que os médicos, sim, deveriam ser julgados pelo Tribunal do Júri. Naquela altura, o Paulo Pavesi seguia acompanhando o caso, mas vivendo bem longe do Brasil. Ele tinha se mudado para a Itália, em 2008, depois de conseguir asilo humanitário, alegando que sofria perseguições de gente poderosa no Brasil.
Bela Megale: Pavesi conta no seu livro que, em dezembro de 2010, recebeu um e-mail do Tribunal de Poços de Caldas, por ordem do juiz Luiz Fonseca. Ele estava sendo informado sobre a conclusão de um dos processos: o oftalmologista Odilon Trefiglio Neto, que retirou as córneas do Paulinho, tinha sido condenado à pena de dois anos de prisão por infração à Lei dos Transplantes. A gente procurou o dr. Odilon, mas ele não quis gravar entrevista. Já os três médicos do Hospital Pedro Sanches e o Álvaro Ianhez iriam a júri popular, acusados de homicídio.
André Borges: Mais uma vez, o Pavesi não ficou satisfeito. Na avaliação dele, a Justiça estava sendo branda demais com os homens que ele considerava os assassinos de seu filho. Além disso, deixava de fora os médicos que fizeram transplante de órgãos na Santa Casa. Ele fala disso no livro dele: “A pena imposta ao Odilon Trefiglio Neto era uma afronta. O crime praticado pelo grupo, que resultou na morte de Paulinho, rendeu ao oftalmologista a pena mínima e já prescrita. Odilon estava praticamente absolvido. Restava apenas o júri popular pelo crime de homicídio, o que também seria outra afronta. Um júri popular em Poços de Caldas seria facilmente manipulado.”
Bela Megale: Os acusados tentaram evitar o júri popular e recorreram da decisão. E o caso, que se arrastaria por mais um ano, parecia estar esfriando. Para Paulo Pavesi, a morosidade era um sinal de que os supostos assassinos de seu filho sairiam impunes. Até que, no início de 2012, entra em cena um personagem fundamental dessa história: o juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro.
André Borges: Narciso Alvarenga era o novo juiz de Poços. Ele tinha se mudado para a cidade em 2011, substituindo o Luiz Fonseca. A sua chegada representa uma grande reviravolta nessa história. O que o juiz anterior tinha decidido agora não valia mais. Isso porque Narciso Alvarenga anulou tudo o que aconteceu no processo desde que o Ministério Público Estadual pediu o arquivamento do caso. A justificativa central dele foi que o promotor Renato Gozzoli teria sido parte em uma ação antiga que envolvia um dos médicos. Por isso, Narciso decidiu que ele tinha que ser declarado suspeito — quer dizer, que a manifestação dele estava “contaminada” — e um outro promotor teria de entrar no caso.
Bela Megale: A partir daí, Narciso Alvarenga assumiu o comando do processo. Agora, a sentença estava nas suas mãos. A gente tinha que ouvir o dr. Narciso. Em dezembro de 2024, seguimos para Belo Horizonte, onde ele vive e trabalha hoje.
Bela Megale: Eu tenho uma entrevista com o juiz Narciso Alvarenga, na sala 229. Falaram para eu procurar a Rafaela ou a Rebeca…
André Borges: Quando a gente entrevistou o Narciso Alvarenga, em Belo Horizonte, ele era juiz-auxiliar da Segunda Instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Em março de 2025, ele foi promovido e nomeado desembargador do TJ-MG, pelo critério de antiguidade.
Bela Megale: O dr. Narciso trabalhou em Poços de Caldas entre 2011 e 2015. Assim que chegou à comarca de Poços, ele começou a atuar nos casos das acusações de irregularidades com os transplantes na cidade.
Sonora Narciso Alvarenga: A primeira vez eu não encostei no caso. Eu não havia ainda feito a permuta. Então o colega me falou — ele falou assim: Olha, aqui é tranquilo e tal… era a Vara Criminal e Execuções Penais, que é tranquila e tal. Só tem um caso… um caso que dá trabalho, ele falou rapidamente. E falou assim por alto: É o caso de um menino… que deram altas doses de medicação e tal. Aí ele me falou assim por alto. Eu também não me preocupei — ele não entrou em maiores detalhes.
Bela Megale: Em pouco tempo, porém, o interesse do juiz Narciso se voltaria para aquela história.
Sonora Narciso Alvarenga: Depois que eu comecei a estudar os casos — os processos que estavam parados, quem não estava… Dava pra ver que era um caso mais complicado. Aí eu procurei oficiar outros órgãos e saber que tinha outros casos. Pelas auditorias, dava pra ver que tinha oito casos, pelo menos.
André Borges: Além do processo do Paulinho, pelo menos mais oito casos suspeitos de irregularidades em transplantes na cidade tinham sido investigados. Alguns deles já estavam arquivados, mas, quando o Narciso Alvarenga assume a comarca, ele decide dar andamento a todas as investigações. Para nomear os casos, o juiz deu um número a cada um deles, e o do Paulinho foi chamado de o “Caso zero”.
Sonora Narciso Alvarenga: Então, o “Caso zero”… Agora, respondendo especificamente: é porque, antes mesmo de eu começar a trabalhar no caso do menino, o primeiro processo que me chegou foi o da vítima… Foi o primeiro processo em que eu trabalhei e que eu chamei de “caso 1”, porque vi que tinha oito — oito, fora o da criança, eram oito. Então, o primeiro que eu sentenciei, eu denominei de “caso 1”, para eu saber cronologicamente aqueles processos em que eu tinha trabalhado. E, como o caso Pavesi… Depois ficou conhecido também de “Caso Pavesi” — era o primeiro, graças ao menor, o outro…
Sonora Narciso Alvarenga: Graças ao caso Pavesi é que se descobriram os outros casos — por essas auditorias. Viram irregularidades, ilegalidades… Irregularidade é uma coisa; ilegalidade, quando a pessoa está descumprindo a lei, é outra coisa. Então, a partir desse caso do menino é que se descobriram os outros. Quando eu tomei conhecimento disso, eu disse que é o “Caso zero”, o caso que começo. Por causa dele, foram descobertos os demais.
Bela Megale: Como o juiz Narciso Alvarenga disse, os primeiros médicos sentenciados por ele tinham relação com o que chamou de “caso 1”. Nesse processo, foram apuradas as circunstâncias da morte do pedreiro José Domingos de Carvalho, que sofreu um AVC aos 38 anos de idade. Os seus órgãos foram retirados e destinados à doação.
André Borges: A gente não vai detalhar esse caso, mas é importante citar que dois médicos condenados pelo Narciso nesse processo também fizeram a cirurgia de retirada de órgãos do Paulinho. São eles: Celso Scafi e Cláudio Fernandes. Outros dois médicos, João Brandão e Alexandre Zincone, também foram condenados.
Sonora Imprensa: A condenação dos quatro médicos foi determinada pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas, Narciso Alvarenga Monteiro de Castro. No processo, eles são acusados de intermediação de órgãos e tecidos humanos. De acordo com a Justiça, eles formavam a equipe médica da entidade MG Sul Transplantes que, nas palavras do juiz, seria clandestina. A sentença diz que eles teriam realizado, irregularmente, transplantes e remoção de órgãos em Poços de Caldas.
Bela Megale: O ano era 2014. Essa condenação chama atenção porque envolve médicos que não tinham sido denunciados pelo Ministério Público Federal — nem mesmo no caso do Paulinho, que foi a primeira investigação sobre irregularidades em transplantes de órgãos em Poços de Caldas. Então fica a pergunta: como esses médicos, que sequer tinham sido denunciados anteriormente, foram sentenciados pelo juiz Narciso? É que, em dezembro de 2012, um novo promotor, desta vez do Ministério Público Estadual de Minas Gerais, o Joaquim José Miranda Júnior, fez um aditamento para incluir novos médicos entre os acusados pela morte do Paulinho.
André Borges: Um aditamento é uma medida que permite alterar ou adicionar informação no processo. A den dos médicos da Santa Casa abriu espaço para que Narciso Alvarenga pudesse julgar os que fizeram a retirada de órgãos. Na sua sentença, o juiz se refere dessa forma a respeito desses médicos: abre aspas — “Sabedores de que a vítima, Paulo Veronesi Pavesi, de 10 anos de idade, ainda se encontrava com vida, removeram seus órgãos para posterior transplante, causando-lhe a morte.” — fecha aspas.
Bela Megale: E foi assim que os médicos da Santa Casa — Celso Scafi, Cláudio Fernandes e Sérgio Poli — entraram também no rol de denunciados. A partir daí, eles passaram a integrar a chamada “máfia dos transplantes”.
Sonora Imprensa: Por enquanto, movimento bem tranquilo em frente ao fórum aqui de Poços de Caldas. A audiência de instrução e julgamento do caso do menino Paulo Pavesi está marcada para começar à 1h30 da tarde. Três são os médicos acusados: Celso Roberto Frasson Scafi, Cláudio Rogério Carneiro Fernandes e Sérgio Pole Gaspar, acusados de pertencer à chamada “máfia dos órgãos”. Eles serão julgados por crime com agravante de tê-lo praticado em pessoa viva, resultando em morte, segundo a Lei de Transplantes. No caso do menino Paulo Pavesi, outros quatro médicos também foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado, mas ainda não há data para serem julgados. São eles: José Luiz Gomes da Silva, José Luiz Bonfitto, Marco Alexandre Pacheco da Fonseca e Álvaro Ianhez.
Bela Megale: Os três médicos que atenderam Paulinho no Hospital Pedro Sanches e o dr. Álvaro seriam julgados por um Tribunal do Júri — a acusação era de homicídio. Já os médicos que participaram da retirada de órgãos do Paulinho na Santa Casa iam ser julgados pelo juiz Narciso Alvarenga — eles foram acusados de infringir a Lei de Transplantes. O primeiro grupo teria assassinado a vítima no Hospital Pedro Sanches, enquanto o segundo teria matado o menino ao retirar seus órgãos na Santa Casa. São dois desfechos distintos e conflitantes por um motivo simples: não tem como alguém morrer duas vezes.
André Borges: No dia 6 de fevereiro de 2014, quase 14 anos depois do acidente, o juiz Narciso Alvarenga condenou os três médicos que participaram da cirurgia de retirada dos órgãos do Paulinho na Santa Casa. Uma das provas apontadas pelo juiz — e pelo pai do Paulinho — como decisiva no caso foi um documento assinado pelo médico Celso Scafi. Na sua sentença, Narciso disse que o menino estaria vivo no momento da cirurgia porque o próprio Scafi escreveu que o estado do paciente era “sem morte encefálica”. Essas palavras, escritas de próprio punho, causaram muita polêmica nesse caso.
Bela Megale: Na entrevista que a gente fez com o dr. Scafi, perguntamos sobre esse documento que fazia parte do prontuário do Paulinho. O médico disse que escreveu que o menino estava “em morte encefálica”, e não “sem morte encefálica”. O Scafi chegou a incluir o procurador Adailton Ramos como uma de suas testemunhas de defesa para falar desse assunto, já que esse documento tinha sido analisado pelo Ministério Público Federal lá em 2002 — que não viu nenhum crime praticado pelo Scafi. A gente teve acesso ao depoimento do dr. Adailton. Nele, o procurador diz que houve um erro formal no relatório feito pelo médico e que o Scafi disse a ele, na época da investigação, que escreveu a palavra “sem” em vez de “com” morte encefálica. Além disso, para o procurador Adailton, a segunda arteriografia não deixava dúvidas de que o menino estava morto quando seus órgãos foram retirados.
André Borges: Só que, para o juiz Narciso Alvarenga, essa era uma prova cabal. Na sentença que ele deu, Narciso diz que a conclusão do Adailton seria um “palpite infeliz”. Para rebater o argumento da defesa do Celso Scafi — de que o médico jamais produziria uma prova contra si mesmo —, o juiz recorreu ao pai da psicanálise: “Já foi dito sobre o subconsciente, muito estudado por Freud, e sabe-se também que existem criminosos — ou serial killers — que sempre tentam se entregar, ainda que inconscientemente. Sem contar que o criminoso sempre volta ao local do crime e sempre acaba se entregando por um detalhe, pois não existe crime perfeito”. Na entrevista que deu pro podcast, o juiz classificou isso como um “ato falho” dos criminosos.
Sonora Narciso Alvarenga: Pois escreveu lá… Isso acontece. Depois de muito tempo no crime… Parece brincadeira, mas tem coisa que funciona. O criminoso volta ao local do crime — ele volta mesmo, entendeu? O mafioso manda matar e manda flor; ele vai no enterro… É assim. Vai lá ver como é que a máfia, na Itália, faz.
Bela Megale: Outro fator destacado pelo Narciso, na sentença de condenação dos médicos, foi a morte do diretor administrativo da Santa Casa, Carlos Henrique Marcondes, conhecido como Carlão. Ele foi encontrado morto, com um tiro na boca, em abril de 2002, em Poços de Caldas. Na ocasião, a Polícia Civil investigou o caso e concluiu que se tratava de suicídio. Nove anos depois, uma nova investigação foi aberta e concluiu que se tratava de assassinato. O autor nunca foi identificado.
André Borges: Ao se referir ao episódio, na sua sentença, o juiz Narciso disse que havia a possibilidade de Carlão denunciar um suposto esquema de tráfico de órgãos na Santa Casa. O juiz afirma que a morte do Carlão poderia ser uma “queima de arquivo”. Nenhum dos médicos chegou a ser acusado do assassinato do Carlão — nem condenado por isso. Outro ponto que chama a atenção na sentença é que o juiz cita diversas vezes expressões como “máfia” e “organização criminosa” para se referir aos médicos, mas a condenação não pune os médicos por esse tipo de crime. Eles são sentenciados pela Lei dos Transplantes. Nessa decisão, o Narciso cita um inquérito policial instaurado para investigar uma possível organização criminosa.
Bela Megale: Os médicos da Santa Casa ficaram mais de uma década sem falar sobre esse assunto e as denúncias que pesam sobre eles. Mas, pela primeira vez, aceitaram contar a sua versão da história.
Sonora: Quando a gente chegou lá, os presos já sabiam que a gente estava chegando. A gente estava entrando nas celas, e estava todo mundo batendo na grade, dizendo: “Vai morrer! Vai morrer! Vai morrer!”
Bela Megale: No próximo episódio de “Caso zero”…
André Borges: “Caso Zero – A história que mudou o rumo do transplante de órgãos no Brasil” é uma série original do jornal O GLOBO. A reportagem, pesquisa e narração foram feitas por Bela Megale e André Borges. O roteiro é de Ives Rosenfeld, com colaboração de Bela Megale e André Borges.
Bela Megale: A edição e sonorização são do João Guilherme Lacerda, com trilha original de Gabriel Falcão e mixagem de Vinícius Lis.
André Borges: O desenvolvimento e a coordenação da produção são do Alexandre Maron, da Ampère Media. A produção executiva é de Allan Grip e André Miranda.
Bela Megale: A pesquisa adicional foi feita por Elisa Soupim, buscando material da TV Record, TV Globo, EPTV, G1, TV Câmara e nos jornais O Estado de Minas, Mantiqueira e O Tempo.
André Borges: Os áudios também incluem material da Câmara dos Deputados e do YouTube. O podcast foi gravado no Estúdio Madruga, em Brasília.

