Sua voz induz estados alfa de consciência. Olhar transparente, leve sotaque estrangeiro, magro quase etéreo — o mestre Khenpo Rinchen Gyaltsen aparece sorridente na tela do Zoom e parece ter nascido lama, envolto em tons de laranja e grená. No entanto, Alejandro Vega Martínez (53), seu nome de batismo, é uruguaio e cresceu em Nova Jersey. O mais importante e conhecido difusor do budismo Sakya no mundo hispânico é filho de galegos de Pontevedra. A mãe, dona de casa, e o pai, técnico em radiologia, se estabeleceram no Rio da Prata após a Guerra Civil Espanhola. Quando Alejandro tinha oito anos, mudaram-se para o norte, onde vivia outra parte da família. Desde pequeno, ele se interessava por temas como o karma, a morte, o que acontece depois de partirmos e “outros mistérios”, como confessa — e pediu à mãe que não o obrigasse a participar do catolicismo, religião de seus pais.
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Buscar o sentido da vida foi o grande impulso de sua juventude. Começou a estudar economia na Universidade Rutgers porque todos na família diziam que ele era bom na área, mas desistiu, sentindo que era um ambiente “egocêntrico e materialista”. Formou-se em arte e psicologia, estudou fotografia e trabalhou como designer gráfico. Mas nada o satisfez. Começou a meditar com um grupo budista e, logo depois, graças à recomendação de seu mentor lama em Nova York, embarcou em sua primeira viagem solo à Índia.
Foi uma peregrinação iniciática, na qual absorveu os conhecimentos do Buda e as lições dos mestres — primeiro passo de um caminho que transformaria Alejandro Vega Martínez, então com 25 anos, no Venerável Khenpo Rinchen Gyaltsen. Hoje, ele dirige o Centro Budista Sakya de Pedreguer, em Alicante, e fundou a Paramita, uma plataforma digital que cresceu muito desde a pandemia. Com dois milhões de seguidores nas redes sociais, ministra mais de cem cursos, presenciais e online, para milhares de pessoas. Pode-se dizer, sem exagero, que uma das razões para sua enorme popularidade é a simplicidade com que explica as complexidades da filosofia budista.
Essa clareza foi conquistada ao longo de anos de formação e estudos em monastérios da Índia, Nepal e Tibete — período em que também traduziu, para o inglês e o espanhol, textos essenciais dessa tradição. Em 2013, seu mestre, Gongma Trichen Rimpoche (nascido em Shigatse, 1945) — autoridade máxima da tradição Sakya e segunda figura mais importante do budismo tibetano depois do Dalai Lama — o designou para difundir os ensinamentos em língua espanhola a partir do monastério de Pedreguer.
Atualmente, Khenpo Rinchen está em turnê pelo Equador, Bolívia, Uruguai e Argentina com o seminário intensivo “Treinamento Mental Sussurrado ao Ouvido”. Em Buenos Aires, apresentará o curso no Teatro Astral, de 30 de outubro a 2 de novembro, e os ingressos se esgotaram já em setembro. Mas ele não se surpreende.
— É impressionante o interesse que há hoje na Argentina, especialmente em Buenos Aires, e em outros países da região. Os ensinamentos do Buda estão atraindo pessoas em busca de ferramentas contemplativas para alcançar mais equilíbrio. Há um despertar de consciência em toda a América Latina, que vem crescendo desde que comecei a viajar, em 2006. E não me refiro à quantidade, mas à qualidade da participação. Vejo pessoas maduras, educadas e bem-informadas sobre o budismo — afirma.
Como quiser. Recebi o título de Khenpo, que significa abade, mas muitos me chamam de lama, que é mestre. Lama é um título, Khenpo é outro, e Venerável é outro ainda. Este último é mais geral, usado para todos os monges ordenados. Já Khenpo significa alguém que dirige uma instituição, um monastério — como eu, em Pedreguer.
O que o senhor vai “sussurrar ao ouvido” no seminário da Argentina?
Vou compartilhar um ensinamento muito curioso. É um gênero importante da literatura tibetana, que resume em chaves todo o caminho espiritual. O Treinamento Mental Sussurrado ao Ouvido é uma antiga doutrina transmitida por Sumpa Lotsawa (um lama tibetano dos séculos XII e XIII), depois de recebê-la numa visão na Índia.
Um dos exemplos é: “Você é sua melhor testemunha”. O que isso significa? Que o sucesso não pode depender do que dizem os outros. Você tem a última palavra. Você se conhece por dentro, então saberá se realmente está melhorando.
Observando como reage quando a vida o surpreende. Não quando está num templo, mas quando sua mala se perde no aeroporto. Veja que emoções surgem em você nesse momento, quanta paciência, quanto autocontrole. Aí é que você se conhece de verdade.
Como alcançar essa serenidade?
Por meio do desenvolvimento das seis paramitas (perfeições): generosidade, ética, paciência, esforço (ou perseverança), meditação e sabedoria.
Podemos aprofundar um pouco mais?
O segredo, mais uma vez, está em se conhecer bem. Se você entende o que acontece quando a raiva o domina e perdoa isso em si mesmo, nasce a empatia pelos outros. É preciso aceitar-se plenamente: o bom, o mau e o feio. E isso não é fácil, pois muitos se convencem de que não devem pedir perdão. Cuidado com o que dizemos a nós mesmos: o autoengano é perigoso. Outro ponto: não se apegar às expectativas. Pensar “se isso acontecer, serei feliz; se não, não” faz com que a felicidade dependa de condições externas. E isso gera estresse. Onde há esperança, há medo. Parece estranho, pois o mundo se baseia na esperança. Mas os grandes mestres dizem: “as esperanças são tóxicas”, porque a outra face dessa moeda é o medo de que o esperado não aconteça.
Mas não se pode viver sem esperança, mestre!
Pode, sim. Existe outra energia, saudável e sem contraindicações: o otimismo. Ele tem um toque de loucura, mas uma loucura boa, porque não joga o jogo das garantias. É ousado: “Não sei o que vai acontecer amanhã, mas será fantástico”. Quem pensa assim, nada o detém. Mas, se você diz “quero que aconteça apenas isso e nada mais”, a frustração é certa.
E o que o budismo propõe nesse ponto?
A palavra é karma. O que acontece tem relação conosco. Se insistirmos em buscar culpados porque as coisas não saíram como queríamos, vamos encontrá-los. O karma ensina que nossa vida tem muitas causas e condições, mas a principal somos nós. O que vivemos e quem se aproxima de nós tem a ver com nosso estado interior. Nosso karma atrai isso. E, se olharmos com atenção, reconheceremos padrões: tendemos a atrair o mesmo tipo de pessoas, porque precisamos delas para aprender algo. Devemos pensar assim: “Mesmo frustrado, isso é para o meu bem, uma oportunidade de crescimento, um reflexo do meu estado de consciência”.
O que o atraiu concretamente no budismo?
A profundidade e o pragmatismo. Até então, eu via limites na teologia e na filosofia que conhecia. O Dharma vai além, alcança um nível não dual, onde a lógica binária não chega. Isso é muito atraente.
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Difícil de entender…
Há níveis da realidade que só se acessam pela experiência direta, intuitiva. E os lamas tibetanos que conheci eram muito práticos, nada dogmáticos. Buscavam meios hábeis para gerar bem-estar, equilíbrio, ética e coerência — para ser uma pessoa melhor. Por isso o Dharma oferece tantas estratégias e ferramentas de aperfeiçoamento interior.
Antes das ferramentas, defina Dharma, por favor.
Dharma é uma palavra sânscrita com várias acepções. Quando aparece em maiúscula, normalmente se refere aos ensinamentos do Buda, que são os discursos e os diálogos. Nesse contexto, o Dharma é tanto o estado espiritual quanto o caminho que leva a ele.
Quais são as principais estratégias?
O ensinamento do Buda se resume em três disciplinas: conduta, meditação e sabedoria, exatamente nessa ordem. Precisamos controlar nossa conduta física e verbal para acessar a mente. Sem uma vida ética e harmoniosa, não há paz interior. Depois, é preciso educar a mente, treiná-la para não distorcer a realidade. E, uma vez que a mente esteja clara e pura, usá-la como um telescópio para explorar a realidade.
É o mais importante. Primeiro, vem o estudo e a escuta dos sábios — o que dá a sabedoria do conhecimento. Depois, a reflexão e a contemplação, que geram a sabedoria da compreensão, a certeza interior. Por fim, a meditação: cultivar essa verdade até integrá-la plenamente, tornando-a parte de si. Esse é o terceiro tipo de sabedoria, a da experiência direta (gnose).
E quem diz “não sei meditar”?
Se temos mente, podemos meditar. É difícil porque fomos mal-educados: nossa mente é viciada. Quando começamos o treinamento, ficamos mais sensíveis, mais receptivos, e isso é bom, embora possa causar medo. Mas é a tarefa mais valiosa que existe, independentemente do que façamos na vida. Melhorar a mente é a forma mais eficaz de melhorar tudo.
Temos que nadar contra a corrente e começar a desenvolver hábitos saudáveis dentro de nós. Temos que lutar contra a resistência interna causada pelo apego. Se quisermos amadurecer para que nossas vidas mudem, temos que trabalhar nisso. Alcançar esse equilíbrio emocional terá um impacto inimaginável em nossas vidas; é uma coisa linda. Mas não imediatamente. Não existem atalhos. E os que existem trazem problemas. Não é uma rampa. As mudanças vêm em etapas. Você dá um pequeno salto e há um mini choque; chega a um platô onde nada muda, e você se acostuma. E, se tudo correr bem, e você continuar meditando, outro salto, outro passo, outro nível. E assim por diante.
Para quem está começando, quanto tempo deve-se meditar?
Meia hora por dia é um bom começo, mas tudo depende da pessoa. Entre vinte e trinta minutos.
Como fazer para que o sono ou a enxurrada de pensamentos não sabotem a meditação?
Há muitos obstáculos para desenvolver uma prática meditativa, e a maioria é interna. A sonolência pode aparecer no início. Para isso, é necessário dormir o suficiente. Hoje em dia, tiramos horas do sono, e o corpo cobra. Outro ponto: meditar antes de comer ou em jejum. Comece com respirações abdominais profundas e lentas, centrando a atenção nelas. Pensamentos distrativos virão, claro, deixe-os passar e, com suavidade, volte à respiração.
A postura é muito importante, certo?
Esse é outro aspecto fundamental. Devemos estar sentados bem eretos, mas sem tensão e sem reclinar, relaxados, com a cabeça levemente inclinada para baixo. Se possível, sentados no chão, sobre uma almofada mais firme. Alguns iogues relaxam antes com alongamentos, tai chi ou chi kung. Depois disso, vêm alguns microajustes. Para o sono, por exemplo: entreabrir os olhos, levar levemente a cabeça para trás, aumentar a claridade do ambiente e diminuir a temperatura ou tirar um pouco de roupa. Se a pessoa estiver agitada: mais calor, menos luz e o queixo ligeiramente abaixado.
O senhor é fotógrafo, pega sua câmera e fotografa a Terra do espaço. Que estado espiritual vê?
Uma grande tristeza, mesmo por trás dos sorrisos. Hoje mais do que nunca. Solidão, incerteza. Vivemos em uma sociedade muito individualista, em que o ser humano se desconecta do todo, e isso aumenta a pressão psicológica, o estresse e a ansiedade. Daí vem o interesse por instrumentos contemplativos que nos reconectem conosco mesmos.
O senhor acha que estamos caminhando nessa direção?
Sim. O que hoje parece estar definido pela cultura, na verdade está definido por níveis de consciência. Quando nossa base de identificação muda, o que vemos no mundo também muda. O que chamamos de governo, família, arte, filosofia, espiritualidade, tudo é um reflexo do nosso nível de consciência.
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O que diferencia o budismo de outras filosofias?
Para mim, o budismo abrange uma faixa mais ampla, que ajuda a desenvolver uma sabedoria mais profunda para alcançar a iluminação, o nível supremo. Outras filosofias ou espiritualidades operam em outros níveis. O budismo oferece ferramentas para atingir estados de samadhi, absorções meditativas, para compreender a mente em um nível mais profundo.
Samadhi requer uma explicação?
Samadhi é uma palavra sânscrita que representa um estado voluntário que se desenvolve, no qual a pessoa está totalmente absorta no que deseja, livre de distrações. Um estado de paz e harmonia mental, em que se pode concentrar, direcionar e investir a mente no que se quiser, pelo tempo que quiser. Você se torna dono da sua própria mente. Esse período de absorção meditativa é o que chamamos de samadhi.
A iluminação é a culminação do ser, o despertar para a realidade. Significa descobrir o estado primordial da nossa mente, que hoje está encoberto por muitos obscurecimentos. É um estado não conceitual, não dual, além das palavras — inefável. Pode ser intenso se não estivermos preparados. É preciso acessá-lo com muito amor e compaixão, porque, sem isso, pode causar medo. Se estivermos cheios de amor e compaixão, então é alegria, felicidade e plenitude.
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O senhor diz que sempre se interessou por reencarnação e vidas passadas. Sentia que já havia vivido outras vidas?
Não, não tinha a menor suspeita. Nunca tive uma experiência extraordinária assim. Mas fazia sentido. Quando me abri à possibilidade de considerar a reencarnação, comecei a compreender muitas das experiências e acontecimentos que as pessoas vivem. E então, tudo se encaixou.
Sua agenda é apertadíssima: viagens, conferências, muito movimento, mas o senhor parece calmo.
Pois é, nunca imaginei estar nessa posição, ser uma figura pública e ter esse papel de viajar, fazer eventos, dar palestras e tudo mais. Então, humildemente, faço o melhor que posso. Acho que quem mais se beneficia de tudo isso sou eu mesmo. Quanto mais a gente dá, mais recebe.
Você já questionou esse caminho?
Questionei muito a ideia de ser monge, porque no budismo você não precisa ser monge; você pode ser um praticante leigo, e há exemplos de grandes praticantes leigos. Meu professor é casado, por exemplo. Antes de fazer os votos, questionei-me muito. Entrevistei muitos monges e monjas, tentei me educar bastante, refleti bastante e tomei a decisão.
Como sua família reagiu?
Minhas avós começaram a chorar. “Não façam isso comigo, eu quero bisnetos.” Elas ficaram tristes, principalmente por ignorância. Mas então conheceram outros budistas e começaram a entender que o mundo é muito mais do que o catolicismo. Existem outras tradições muito saudáveis que também se dedicam a melhorar a sociedade. E agora elas estão felizes e me apoiam.
E como foi com seus pais?
Minha família é, claro, espanhola e católica, mas nunca me interessei pelo catolicismo. Por isso, pedi à minha mãe que não frequentasse a igreja. O que estou tentando dizer é que eu não tinha inclinação religiosa. Meu interesse era mais em acessar ferramentas para melhorar minha condição humana. Com o tempo, minha mãe se interessou mais e agora se interessa muito. Ela vem aqui quase todos os anos para participar de um retiro conosco. Ela mora entre os Estados Unidos e a Galícia.
O que você lembra de quando era Alejandro Vega Martínez?
Uma infância muito linda, com uma família extensa, muito, muito grande, com muito amor e carinho. Sempre estive cercado por muitos familiares e amigos, porque os galegos, em particular, eram muito conectados. Eu era o membro mais mimado de uma família extensa, e nunca esquecerei os longos jantares com 20 ou 30 pessoas, em que jogávamos brisca (um jogo de cartas com baralhos espanhóis) até altas horas da noite.

