A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para requerer os documentos contábeis que informam sobre a situação de caixa da Ambipar. Segundo a autarquia, o grupo de gestão ambiental protocolou seu pedido de recuperação judicial solicitando que os dados contábeis fiquem sob sigilo no processo.
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Na petição, a procuradora federal Luciana Silva Alves demanda acesso aos documentos que constam do processo e que estão sob segredo de Justiça. O objetivo é poder verificar a situação financeira da companhia, com base nos fatos ocorridos entre as últimas demonstrações financeiras apresentadas e o pedido de proteção judicial, como antecipou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.
Ela sustenta que informações que podem “influenciar na percepção da solvência e viabilidade da companhia, devem ser divulgadas ao mercado”.
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Está marcada para a próxima terça-feira, 11 de novembro, a divulgação dos resultados da companhia no terceiro trimestre. As informações publicadas pela Ambipar no segundo trimestre indicavam um caixa de R$ 4,7 bilhões.
“Este quadro destoa do contexto de uma companhia que, apenas 4 (quatro) meses depois, ingressa com pedido de recuperação judicial, cujo pressuposto maior é a situação de crise econômico-financeira do devedor”, argumenta a procuradora, referindo-se a liquidez indicada no último balanço.
Com R$ 10,5 bilhões em dívidas, a Ambipar pediu proteção à Justiça depois que o Deutsche Bank cobrou garantias adicionais relacionadas a um empréstimo de US$ 35 milhões — contratado em agosto deste ano em paralelo a um aditivo a contratos de derivativos, que protegem a empresa contra variações cambiais — e que poderia, segundo a empresa, funcionar como gatilho à antecipação de até R$ 10 bilhões em débitos com instituições financeiras.
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No pedido de recuperação apresentado à Justiça, a Ambipar argumenta que João Arruda, seu ex-diretor financeiro, teria negociado um conjunto de contratos de derivativos sem aval do conselho de administração da empresa. Ele teria comandado a transferência de um contrato de swap feito com o Bank of America, onde trabalhava antes de assumir o cargo na Ambipar, para o Deutsche Bank. Depois disso, a assinatura de outros contratos com o banco alemão, incluindo o do empréstimo.
O GLOBO, porém, teve acesso a ata do conselho de administração realizada no último dia 27 de fevereiro e que comprova o aval do colegiado a contratação e mudanças em contratos de aditivos relacionados a primeira e também a segunda emissão de green bonds pela Ambipar, feita naquele mesmo mês. Essa ata não consta do site de relações com investidores.
O primeiro ponto questionado pela CVM é que a companhia tem de entregar à autarquia, na mesma data em que protocola seu pedido de recuperação judicial, os documentos que precisam acompanhar a petição. E isso não ocorreu, afirma a procuradora.
A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM questionou a empresa, mas foi atendida “de forma parcial”, porque as demonstrações contábeis não foram apresentadas. O diretor de relações com investidores da Ambipar, segundo a petição da procuradoria federal, informou que os documentos que “não estão sujeitos a segredo de justiça” foram disponibilizados. E que, assim que esse sigilo for levantado, os documentos restritos serão apresentados.
No entendimento da CVM, a Ambipar incluiu no pacote de documentos apontados como sigilosos — como relação de nomes, remuneração e outras informações sobre funcionários — informações que deveriam obrigatoriamente ser divulgadas.
Posteriormente, a SEP verificou que documentos que obrigatoriamente devem constar do pedido de recuperação judicial não foram entregues com a petição inicial não foram enviados à CVM. Isso inclui contratos firmados com bancos, demonstrações contábeis, atas de nomeação dos administradores da empresa e a relação de empregados e suas funções, contratos de três fornecedores citados no pedido.
Há ênfase em especial em relação a não entrega do relatório gerencial do fluxo de caixa e sua projeção para os próximos dois anos. O argumento é de que essas informações são de interesse da Justiça e dos demais interessados no processo de recuperação judicial e que não têm natureza sigilosa, ainda que possam contar dados que demandem confidencialidade.
Nesta sexta-feira, o órgão especial do TJ-RJ indeferiu um mandado de segurança apresentado pelo Santander contra o desembargador Mauro Pereira Martins, que reconheceu a competência da comarca do Rio de Janeiro para conduzir a recuperação judicial da Ambipar.
Diversos bancos credores atuaram judicialmente para que o processo fosse transferido do Rio para São Paulo, estado onde fica a sede da empresa.
Procurada, a Ambipar não respondeu até a publicação desta reportagem.

