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Delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) e de policiais civis, Gritzbach lavava dinheiro ilícito do tráfico de drogas com transações imobiliárias e criptomoedas, estava ameaçado de morte e já havia sido vítima de outros atentados. Foi assassinado a tiros de fuzil por policiais militares, a mando do crime organizado, quando saía do desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo em 8 de novembro do ano passado. A saraivada de tiros atingiu outras três vítimas, uma delas fatal.
A Polícia Civil de São Paulo tem imagens feitas por drone de Kauê Amaral, o olheiro da execução, no terraço de uma casa na Vila do Cruzeiro, usada como esconderijo pelos criminosos. Segundo a investigação, ele ficou ali durante meses protegido por lideranças do Comando Vermelho (CV).
Foi o caso também de Emílio Carlos Gongorra Castilho, o Bill ou Cigarreira, mentor intelectual do assassinato, que um dia antes partiu em um avião de Jundiaí, no interior de São Paulo, para a capital fluminense. Nos dois dias seguintes ao crime, a dupla comemorou a morte com uma festança na residência com piscina. A localização dos dois neste momento é desconhecida, assim como a de Diego Amaral, o Didi, co-autor da morte.
O Ministério Público de São Paulo acredita que outro criminoso — hierarquicamente acima ou, pelo menos, um par de Cigarreira — pode estar envolvido no mando do crime.
A investigação já sabe que um dos veículos usados pelos PMs da escolta de Gritzbach, de fato, quebrou pouco antes do crime, impedindo que os agentes chegassem até o aeroporto. Mas isso não descarta completamente o envolvimento deles no atentado, ou pelo menos a omissão.
As joias encontradas com Gritzbach no aeroporto foram recebidas como pagamento de uma dívida durante uma viagem a Maceió — anéis com pedraria, pulseiras, colares, brincos e relógios, avaliados em R$ 1 milhão. Foram usadas como isca para atrair o corretor até o Nordeste, e a Polícia Civil ainda investiga se têm ligação com a morte.
Pablo Henrique Borges era sócio de Gritzbach. Ambos convenceram criminosos do PCC a investirem valores ilícitos em criptomoedas, para impedir que o dinheiro fosse rastreado. Os dois foram indiciados no homicídio de Cara Preta e Sem Sangue. Um dia antes do atentado, Pablo comprou uma passagem para Dubai no valor de R$ 35 mil e saiu do Brasil.
No dia do crime, um aparelho celular registrado com conta falsa foi localizado na mala da vítima. Minutos antes de morrer, Gritzbach recebeu neste telefone uma ligação de um DDD 82, cuja localização era a cidade de Marechal Deodoro, em Alagoas. Naquela cidade, vivia David Moreira da Silva, ex-agente penitenciário e ex-segurança de Pablo.
Pagamento em criptomoedas
A Polícia Civil acredita que parte do pagamento aos executores do crime foi feita com criptomoedas, outra parte em dinheiro. Mas a investigação ainda não conseguiu rastrear as criptomoedas para chegar a outros possíveis mandantes.
Até agora, além dos mandantes e do olheiro, outros três policiais militares foram denunciados como executores do homicídio — todos os agentes estão presos. Um segundo inquérito, entretanto, foi instaurado para tentar identificar outros possíveis envolvidos. Assim que apresentou a denúncia, em março, o Ministério Público de São Paulo pediu uma complementação da investigação por não acreditar que Cigarreira e Didi tenham determinado a execução sozinhos e avaliar que alguém acima, ou ao menos na mesma posição na hierarquia do grupo, tenha participado da decisão.
— Se outras pessoas envolvidas no homicídio forem identificadas, elas não serão processadas nos autos principais, que já estão em fase muito avançada. Inclusive, os policiais já vão ser submetidos à júri popular, se confirmada a pronúncia em segundo grau — afirma a promotora de Justiça Vânia Caceres Stefanoni, do Júri de Guarulhos.
A investigação tenta avançar em outras frentes essenciais, como o papel das joias que Gritzbach levava na bagagem na data da execução. Na tarde em que foi assassinado, o delator voltava de uma viagem a São Miguel dos Milagres, em Alagoas, com a namorada, e tinha em sua mala anéis com pedraria, pulseiras, colares, brincos e relógios, avaliados em quase R$ 1 milhão. As joias foram entregues a ajudantes de Gritzbach em Maceió, segundo ele contou a pessoas próximas, pelo emissário de alguém que lhe devia cerca de R$ 6 milhões.
A polícia quer entender se a viagem a Alagoas e a entrega das joias foram parte do plano para matá-lo. Algumas das peças, a investigação descobriu mais tarde, têm a inscrição “Marcela & Pablo eternamente”. As joias eram, segundo a polícia, de Pablo Henrique Borges, ex-sócio de Gritzbach. Conhecido nas colunas sociais como “investidor do mercado financeiro”, Borges já havia sido preso em 2018, suspeito de integrar uma quadrilha que desviou cerca de R$ 400 milhões em fraudes bancárias, com golpes em que capturavam informações de clientes de bancos, via internet banking e cartões de crédito. Borges introduziu Gritzbach ao mundo das criptomoedas, e juntos passaram a convencer criminosos do PCC a investirem valores ilícitos nas moedas digitais, para impedir que o dinheiro fosse rastreado.
Os dois foram sócios também em outra empreitada. Ambos são acusados do duplo homicídio de Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, membro influente do PCC e um dos investidores em criptoativos, e seu motorista, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue. Gritzbach, segundo a polícia, teria encomendado a morte de Cara Preta em 2021 para estancar a cobrança de uma dívida de parte do valor investido em criptoativos que desapareceu. Apontado como o mandante dos assassinatos, Gritzbach foi jurado de morte pelo PCC.
Segundo a polícia, Pablo Borges comprou uma passagem para Dubai, em cima da hora, pelo valor de R$ 35 mil, na véspera da morte de Gritzbach. Saiu do Brasil rumo aos Emirados Árabes naquela madrugada.
— A gente está tentando fechar porque ele [Pablo Borges] veio aqui, com quem conversou, se estava junto com o Cigarreira, se só foi usado por alguém — diz a delegada Ivalda Aleixo, diretora do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), ao reforçar que o ex-sócio não é um alvo direto.
O atentado a Gritzbach, de acordo com a investigação, é uma vingança às mortes de Cara Preta e seu motorista. Mas também um acerto de contas pela colaboração premiada firmada por Gritzbach com o Ministério Público, na qual ele delatou diversos criminosos que eram seus “clientes”, além de policiais civis.
Além de outro possível mandante, a investigação ainda não descartou completamente a participação, ou pelo menos omissão, da equipe de policiais militares que fazia a escolta de Gritzbach no dia da morte. Apesar de proibido pela corporação, 15 agentes compunham a segurança do corretor, trabalho conhecido como “bico” policial.
A investigação já concluiu que a Amarok usada pela escolta teve, de fato, um problema mecânico naquela tarde, conforme os agentes informaram às autoridades. A falha não foi causada por interferência humana, ocorreu de forma inesperada, impediu a partida do automóvel e o deslocamento de parte dos PMs até o aeroporto para buscarem Gritzbach no desembarque.
Mas outra parte dos agentes investigados chegou até o aeroporto e conhecia, ao menos, um dos executores, também PM. Para a polícia, ainda não está claro se eles sabiam do plano de execução e se omitiram, ou se não tinham conhecimento.
Falta ainda à investigação elucidar um telefonema que Gritzbach recebeu 17 minutos antes de morrer, em um celular encontrado dentro de sua mala e registrado em nome de um terceiro, e com uma conta falsa de e-mail. A ligação, com duração de 126 segundos, foi feita de um DDD 82, cuja localização era a cidade de Marechal Deodoro, em Alagoas, como revelaram as antenas telefônicas em pesquisa posterior. Exatamente naquela cidade vive e cumpre prisão domiciliar David Moreira da Silva, ex-agente penitenciário e ex-segurança de Borges, suspeito de contratar um homem para matar Cara Preta. O telefone foi desligado logo depois.
Por fim, a polícia, com a ajuda do MP, tenta rastrear o pagamento aos executores do crime — parte feito em dinheiro, parte com criptomoedas. A informação é fundamental para se chegar a outros possíveis mandantes da execução.
A reportagem não localizou a defesa de Diego Amaral, o Didi, mas o espaço está aberto a manifestações. Cigarreira e Kauê não constituíram defesa e não foram localizados, e o processo deles foi suspenso. Pablo ainda é investigado, portanto não se sabe se será indiciado, e também não pode ser encontrado.

