Após decretar a liquidação extrajudicial do Banco Master, o Banco Central (BC) afirmou que o conglomerado liderado pela instituição tem “porte pequeno” e que continuará tomando todas as medidas cabíveis para apurar as responsabilidades dentro de suas competências legais.
Foi uma indicação de que a autoridade monetária não vê risco ao mercado financeiro no país, que é também a visão de especialistas ouvidos pelo GLOBO, mesmo com a prisão do dono do Master, Daniel Vorcaro, e a investigação de fraude bilionária envolvendo outro banco, o BRB, pela Polícia Federal.
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Advogados e analistas de mercado descartam risco sistêmico com a liquidação do Master, mas avaliam que o episódio pode impactar bancos menores (pequenos e médios) que terão que pagar mais para captar e podem ter uma “fuga de ativos para a qualidade”, ou seja, clientes migrando para bancos maiores.
A liquidação do Master também vale para o braço de investimento do grupo, a corretora de câmbio, títulos e valores mobiliários e o Letsbank. Além disso, o BC decretou regime de administração especial temporária (Raet) do Banco Master Múltiplo, com duração de até 120 dias. Os bens dos controladores e dos ex-administradores das instituições já estão indisponíveis.
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“Trata-se de conglomerado prudencial bancário, classificado como de crédito diversificado, porte pequeno e enquadrado no segmento S3 da regulação prudencial, tendo como instituição líder o Banco Master”, disse o BC, em sua primeira manifestação oficial sobre a decisão.
O BC divide as instituições de acordo com critérios como porte e perfil de risco. Uma instituição classificada como S3 tem porte inferior a 1% do PIB e maior que 0,1% do PIB. De acordo com o comunicado do BC, o grupo tem 0,57% do ativos e 0,55% das captações totais do Sistema Financeiro Nacional.
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Segundo o Banco Central, a liquidação extrajudicial foi motivada “pela grave crise de liquidez” do conglomerado do banqueiro Daniel Vorcaro, ou seja, falta de recursos para cobrir compromissos financeiros imediatos.
Além disso, o BC cita ainda o comprometimento da situação econômico-financeira e “graves violações a normas que regem as atividades das instituições do Sistema Financeiro Nacional”.
Na avaliação do BC, a opção pelo Raet, com administração temporária, para o Banco Master Múltiplo foi considerada a melhor opção por avaliar “possibilidade concreta de solução que preserva o funcionamento da sua controlada Will Financeira”. O braço digital do grupo é visto como um dos melhores ativos e tem o interesse de diferentes investidores.
Apesar de o Master não representar um forte impacto em todo o sistema, o abalo afetou a visão dos investidores em relação as outras instituições pequenas. Ontem, bancos de menor porte apresentavam prêmios consideráveis nas taxas em seus Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) comercializados em plataformas de investimento.
No mercado secundário, onde as vendas acontecem entre investidores após a emissão dos papéis, o CDB de um banco pequeno apresentava ontem rendimento de até 160% do CDI para vencimentos em 2027.
O CDB é um investimento de renda fixa em que o investidor oferece um empréstimo ao banco, que usa o dinheiro para outras operações, como empréstimos a outras pessoas e aplicações em investimentos. Geralmente, os CDBs são referenciados ao CDI, taxa semelhante à taxa básica de juros (Selic) hoje em 15% ao ano. Logo, se um CDB rende 100% do CDI, o rendimento será bem próximo ao da Selic. Bancos médios e menores, para ter mais facilidade na captação, diante da concorrência com os grandes , oferecem taxas acima da Selic. O Master tinha títulos de até 140% do CDI.
De acordo com analistas de renda fixa do mercado financeiro, o estresse nas taxas dos títulos pode ser presente e pontual nas vendas aos clientes de varejo. Apesar do prêmio, eles não enxergam um risco sistêmico diante da liquidação do Banco Master.
Para Vinicius Alves, estrategista-chefe da Tullett Prebon, o noticiário tende a pressionar as taxas de bancos menores para cima. Na leitura de Francisco Segundo, estrategista de renda fixa da Terra Investimentos, as instituições financeiras brasileiras não devem ser impactadas por eventual risco sistêmico.
Um executivo do setor financeiro, que prefere não se identificar, observa que havia um descontentamento no mercado com a situação do Master há algum tempo entre os grandes bancos e que a liquidação não foi uma surpresa.
Ele diz que intervenções como esta não são positivas, porque acabam afetando a confiança em bancos médios e pequenos, que acabam tendo que pagar mais para captar recursos. Mas ele avalia que o problema do Master é pontual e não tem grande impacto no sistema financeiro.
A liquidação decretada pelo BC é avaliada como correta pelo executivo, que acredita que isso pode inibir que o modelo de captação usado pelo Master seja replicado no mercado. O FGC já tinha feito um empréstimo de R$ 4 bilhões ao Master para que o banco, que enfrentava problemas de liquidez, honrasse os vencimentos.
Clientes mais cautelosos e baixo contágio
Para Paulo Bittencourt, estrategista-chefe da MZM Wealth, pelo menos, por alguns meses, as pessoas vão ficar mais relutantes em comprar um CDB de um banco pequeno ou médio em função da liquidação do Master. Com relação ao FGC, ele avalia que a instituição já vinha esperando o ‘baque’ da liquidação do Master.
Rafael Mortari, sócio da Mortari Bolico Advogados, observa que os grandes bancos, que sustentam a estabilidade do sistema, possuem baixa exposição ao Master e níveis de capitalização robustos, o que não traz risco ao sistema. Mas também prevê que a liquidação gerará uma “fuga para a qualidade”, onde investidores tendem a resgatar recursos de instituições menores para alocá-los em bancos grandes.
— Isso pode secar a liquidez de curto prazo de outros bancos médios que operam com taxas agressivas. Além disso, o volume do passivo coberto (estimado em mais de R$ 60 bilhões) representa o maior teste de estresse da história do FGC, o que pode pressionar o caixa do Fundo e exigir aportes extraordinários, gerando ruído no mercado — afirma ele, que observa que para o BRB, a repercussão é negativa no curto prazo, pressionando as ações e exigindo uma “limpeza reputacional”.
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André Camara, sócio da área societária do escritório Benício Advogados, também acredita que a liquidação do Master não traz nenhum risco sistêmico. Ele explica que os CDBs do banco foram vendidos a pessoas físicas, e não a instituições financeiras. Dessa forma, o risco de contágio a outras instituições do sistema financeiro é mínimo. E o FGC tem em caixa R$ 120 bilhões, suficiente para cobrir os clientes do Master, afirma.
— Nem a mudança de direção do BRB embute qualquer tipo de risco ao sistema financeiro. O afastamento temporário do presidente se deu judicialmente, frente às acusações de irregularidades na negociação com o Master. Por ser um banco público, o afastamento pode gerar repercussão política, onde os partidos de oposição do DF, devem requerer a instalação de uma CPI para investigar a operação com o Master — diz o advogado.
Bruno Boris, advogado especializado na área empresarial e sócio do Bruno Boris Advogados, observa que sistema financeiro do país é bastante controlado, muito em razão do problemas do passado, especialmente na década de 1990, em que o governo com o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) fortaleceu o sistema e melhorou a fiscalização dos bancos. Portanto, ele não vê risco sistêmico causado pelo caso Master.
— E o BRB não sofreu uma intervenção, mas cumpre apenas uma decisão judicial, enquanto se apura eventuais condutas ilícitas por parte do banco — avalia.
Esta será a segunda maior liquidação bancária em número de clientes, de acordo com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que vai honrar os depósitos e investimentos de 1,6 milhão de clientes (pessoas físicas e jurídicas), cuja soma pode chegar a R$ 48 bilhões.
O FGC é um dos principais instrumentos para dar estabilidade e confiabilidade ao sistema bancário no Brasil. Ontem, o diretor-presidente do fundo, Daniel Lima, disse ao GLOBO que os recursos necessários para ressarcir os clientes do Master devem representar cerca de um terço das reservas. Entenda aqui como funciona o FGC e como ele garante os investimentos dos clientes.
No primeiro semestre, o FGC tinha cerca de R$ 120 bilhões em caixa, recursos que vêm da contribuição de bancos para criar esse colchão de liquidez em caso de problemas com instituições financeiras. Mas os bancos terão que antecipar contribuições futuras, que também devem ser mais elevadas do que o percentual atual, para equilibrar o caixa do FGC depois do desembolso.
O FGC é um seguro criado em pool pelos próprios bancos. A participação neste cofre varia de acordo com a base de clientes: quanto maior o banco, maior é sua contribuição para o fundo garantidor.

