Uma operação deflagrada esta semana pela Polícia Civil para recolher equipamentos eletrônicos, celulares e documentos de uma quadrilha suspeita de desviar mais de R$ 4 milhões de bancos com fraudes via Pix é apenas um exemplo do avanço dos crimes em ambientes virtuais no país. No Rio, dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), com base na Lei de Acesso à informação, mostram que o número de registros de crimes com uso de tecnologia cresceu 31% em apenas um ano.

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Em 2024, foram 27.878 ocorrências contra 21.266 em 2023 em todo o estado, ou seja, um registro a cada 19 minutos. O aumento de casos ocorreu não apenas em crimes contra o patrimônio, mas também naqueles com teor sexual envolvendo crianças e adolescentes. Só no ano passado, por exemplo, foram 248 ocorrências em que os criminosos divulgaram cenas de sexo explícito ou estupro de menores.

Ocorrências na internet — Foto: Editoria de Arte

Nesses dados ainda não aparecem casos como o registrado na última segunda-feira, em que quatro pessoas, inclusive um militar da Aeronáutica, foram presas em uma ação contra uma quadrilha que agia em oito estados. Além de compartilhar imagens íntimas de meninas e mulheres com idades entre 11 e 19 anos, eles criavam vários desafios on-line para as vítimas, entre eles, a automutilação.

O registro de estelionatos — concretizados ou não — lidera o número de casos. Foram 14.096 boletins em 2024, ou 94% das ocorrências. Um dos golpes em alta, segundo especialistas, envolve bandidos que se passam por advogados e se comunicam por meio de aplicativos de mensagem. A OAB Nacional já registrou mas de seis mil casos desde o ano passado. Apenas ontem, pelo menos oito clientes do advogado tributarista David Nigri foram abordados.

— Os golpistas têm acesso até mesmo a processos com informações que estão em sigilo de Justiça. Geralmente, eles dizem que precisam de dinheiro para dar andamento a processos. Há alguns dias, um cliente que sequer tinha direito a receber algo não percebeu o golpe e pagou R$ 1 mil — disse o advogado.

Especialistas dizem que os golpes estão cada vez mais sofisticados com o avanço da tecnologia e da inteligência artificial. Além disso, a polícia não está preparada para lidar com a explosão de casos.

— O Rio de Janeiro tem apenas uma unidade especializada, a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), para atender a todo o estado. São casos complexos em que a análise das provas pode levar seis meses ou mais — explica o advogado especializado em Direito Digital Daniel Blanck.

Procurado por intermédio da Secretaria de Polícia Civil, o delegado Luiz Lima, da DRCI, não respondeu aos pedidos de entrevista.

O uso de páginas falsas não se limita a instituições bancárias ou grandes empresas. Uma da vítimas foi o comerciante Bruno Bustamante, de 38 anos, proprietário de uma loja de eletrodomésticos que presta também assistência técnica em refrigeração. Morador de Maricá, ele conta que precisou ir à Justiça com medida preventiva (conhecida como assecuratória de direito futuro) para não ser responsabilizado por atos de bandidos que montaram um perfil falso tanto dele quanto de sua loja.

— Desde 2023, recebo mensagens de moradores do Estado de São Paulo lesados, que cobram por produtos e serviços e querem que o dinheiro seja devolvido. Isso me surpreendeu, porque nossos clientes são basicamente de Maricá — relata Bustamante.

Em relação aos casos de conotação sexual registrados no Rio, eles têm origens e causas comuns a outros estados e até países. Os responsáveis podem integrar redes de pedófilos que fazem uso da dark web para compartilhar imagens e vídeos. E há também a chamada “pornografia de vingança”, quando um ex-parceiro publica fotos e vídeos íntimos vazados em redes sociais e sites que se alimentam deste tipo de material.

Alguns grupos também atuam em redes sociais usadas principalmente por adolescentes, como o Discord. O aplicativo foi usado, por exemplo, pelos integrantes da quadrilha presos na última segunda-feira. O mesmo recurso era empregado por outra organização detida em abril no Rio, que tramava transmitir pelo mesmo Discord a morte de um mendigo, que seria queimado vivo em comemoração ao aniversário do ditador Alemão Adolf Hitler. Um dos integrantes era um homem de 24 anos que se apresentava como ativista ambiental e defensor da vida.

Em nota divulgada na segunda-feira, o Discord disse que tem colaborado com autoridades brasileiras, inclusive denunciando usuários adeptos ao discurso de ódio.

‘Atividades ilegais e incitação à violência não têm lugar no Discord nem na sociedade. Combater essas redes é um desafio complexo em toda a indústria, que exige soluções colaborativas. O Discord conta com equipes dedicadas que trabalham arduamente para identificar e remover quaisquer usuários e espaços onde pessoas mal-intencionadas estejam se organizando em torno de ideologias de ódio e para prevenir o uso indevido da nossa plataforma’’, diz um trecho do comunicado.

Júlio Concílio, líder global em Segurança da Informação do Instituto Brasileiro de Cibersegurança, diz que os golpes aplicados são cada vez mais engenhosos:

— Os golpistas se sofisticaram. No golpe do falso advogado, entram nos processos clonando a senha eletrônica e têm acesso a todas as informações. Montam, por exemplo, páginas falsas de instituições bancárias para dificultar o rastreio, e trocam constantemente de celular.

Concílio diz que existem algumas medidas que podem ser adotadas para proteger os internautas de golpes. Uma delas é empregar um sistema de senhas em duas etapas para dificultar a ação de hackers.

Advogado criminalista, Petter Ondeza lembra que, em 2024, uma pesquisa do DataFolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo jornal Folha de São Paulo revelou que a cada hora são registradas 4,6 mil tentativas de golpes financeiros com o auxílio da tecnologia:

— Há grupos que enganam a vítima e pedem que cadastrem biometria facial. Essa imagem, no Rio ou em outros lugares, pode ser usada para aplicar fraudes financeiras.

Para a advogada criminalista Lorena Pontes, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de 2018, que estabelece restrições para a divulgação de informações pessoais, ainda precisa ser aperfeiçoada para reduzir as ocorrências.

Ela também avalia que seria necessário atualizar a Lei nº 12.737/2012, que tipificou crimes cibernéticos com penas de prisão de até cinco anos e multa. Ela é conhecida também como Lei Carolina Dieckmmann. Em 2011, a atriz teve 36 fotos íntimas vazadas na internet por não ceder a chantagem de criminosos que queriam dinheiro para não divulgá-las.

— A tecnologia muda rapidamente com uso de IA , inclusive por golpistas internacionais— alerta Lorena.

A cada minuto, há 19 crimes virtuais acontecendo no Rio; informa dados do ISP