Para o cientista político Renato Galeno, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, a principal diferença entre os discursos dos presidentes brasileiro e americano foi a defesa do multilateralismo por parte do presidente Lula e o ensimesmamento de Donald Trump. Galeno diz que os presidentes brasileiros costuma usar o discurso da Assembleia Geral da ONU para falar para o público interno. Dessa vez, no entanto, ele chama a atenção para o fato que mesmo quando Lula fez isso, ao falar da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo STF, sem citar nomes, abordou o tema de forma a conseguir maior interesse das delegações internacionais diante das sanções americanas aos Brasil.
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– O presidente brasileiro indicou que a solução para grandes temas mundiais deve ser buscada através de interações pacíficas multilaterais. Ressaltou problemas nas relações internacionais, como o desmantelamento do regime de comércio mundial, incluindo a paralisia da OMC (provocada pelos próprios EUA); o recurso à força nas interações entre países; a imposição de sanções econômicas; e as dificuldades na agenda para conter as alterações climáticas.
Se as condenações às ações de Israel em Gaza foram incisivas a ponto de a delegação israelense se retirar do plenário antes do discurso de Lula, as declarações do presidente sobre as ações da Rússia na Ucrânia foram tímidas, se limitando a uma defesa generalista da paz, diz Galeno.
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O cientista político classifica o discurso de Trump como um dos mais constrangedores na história da Assembleia Geral da ONU, tal o descolamento entre os grandes temas mundiais, a realidade e suas palavras.
– Ele impressionou pela quantidade de vezes que usou a palavra “eu”. Não foi tanto uma defesa dos interesses dos Estados Unidos, mas dele mesmo. O quanto supostamente o mundo estava melhor no seu primeiro mandato; que ele teria em apenas sete meses interrompido diversas guerras, afirmação sem qualquer proximidade com a realidade),e que mereceria vários prêmios Nobel da Paz; e até mesmo o prédio da ONU deveria ter sido reformado por empresas dele; e que ele, afinal, estava certo em tudo o que disse até hoje.
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Galeano pontua ainda no discurso de Trump a negação da existência das mudanças climáticas e a invenção de números e situações de imigrantes nos EUA e em outros países. O presidente dos EUA ainda ironizou europeus, acusou o Brasil de afetar os direitos de cidadãos americanos, sem apresentar qualquer caso, disse que China e Índia sustentam a Rússia na guerra com a Ucrânia, acusou a Venezuela de ser um país de traficantes de drogas, disse que praticamente todos os países do mundo estão afundando, menos os EUA, enumera o professor.
Na avaliação do cientista político, a principal preocupação para a comunidade internacional, no entanto, não é ver um presidente de um dos países mais relevantes do mundo ser incisivo ou mesmo ameaçador:
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– A preocupação é o fato de a comunidade internacional se ver diante da irrazoabilidade, beirando a irracionalidade, de um dos principais governantes do planeta. Prerrequisito para debater, discutir, negociar e até ceder é compreender as intenções e até mesmo as frases do seu antagonista. Trump mostrou não apenas ser destemperado, mas ser uma personalidade egoísta que se baseia em teorias de conspiração para tomar decisões impulsivas que podem afetar severamente a estabilidade internacional. E alguém com quem é impossível dialogar, pois isso pressupõe entender o outro – e não é inteiramente possível entendê-lo.