a dupla realidade de Jafar Panahi

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“Espero que esta dedicatória seja considerada uma pequena homenagem a todos os cineastas que foram privados do direito de ver e serem vistos, mas que, ao mesmo tempo, continuam a criar e a existir”, disse o diretor iraniano, que esteve em Nova York na noite de segunda-feira (1) para receber três troféus na importante premiação do cinema independente americano.

Panahi e “Foi apenas um acidente” terminaram a noite com o maior número de troféus, embora o prêmio principal de melhor filme tenha ficado com “Uma batalha após a outra”, de Paul Thomas Anderson. O iraniano ganhou pela direção, roteiro original e como melhor filme internacional.

Esse reconhecimento continuou na terça-feira (2) com a seleção de Panahi como melhor diretor do ano pelo Círculo de Críticos de Cinema de Nova York, o mais antigo do gênero nos Estados Unidos e também o primeiro a anunciar seus prêmios anualmente.

Os críticos de Nova York, além de escolherem Panahi, confirmaram a vantagem inicial de “Uma batalha após a outra” ao elegê-lo como o melhor filme do ano. De acordo com os analistas de premiações mais experientes de Hollywood, esse triunfo duplo já coloca o diretor iraniano e Paul Thomas Anderson como os dois principais candidatos ao Oscar de Melhor Diretor.

Os discursos de agradecimento de Panahi repercutiram especialmente em Teerã, pois foram proferidos pouco após um tribunal iraniano ter condenado o diretor, à revelia, a um ano de prisão e dois anos de liberdade condicional sob a acusação de “propaganda contra o regime”. Seu advogado, Mostafa Nili, afirmou que o Tribunal Revolucionário Islâmico, responsável pela decisão, também impôs ao diretor uma proibição de viajar por dois anos.

Panahi está disposto a voltar a Teerã, segundo informações do crítico americano Roger Friedman. “Ele disse que voltará depois da temporada do Oscar”, observou Friedman. E, citando um dos produtores, acrescentou que o desejo de Panahi é estar em casa com sua família.

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Ao receber o Gotham Awards na noite de segunda-feira em Manhattan, Panahi homenageou “todos os cineastas que mantêm as câmeras ligadas em silêncio, sem apoio e, às vezes, arriscando tudo o que têm, apenas com sua fé na verdade e na humanidade”. Ele parecia estar se referindo também à sua própria experiência filmando clandestinamente e secretamente o filme “Foi apenas um acidente”.

O filme, estrelado principalmente por atores não profissionais, conta a história de cinco iranianos que confrontam um homem que acreditam ter torturado alguns deles em uma prisão estatal. Quando ganhou a Palma de Ouro em maio passado, Panahi dedicou seu discurso de agradecimento a questionar as restrições impostas pelo regime iraniano à liberdade de expressão.

“No Irã, quando você é interrogado na prisão, eles vendam seus olhos e só deixam você ver o suficiente para escrever uma confissão”, contou ele à revista espanhola Fotogramas em outubro passado. “É através da audição que você constrói a imagem do seu interrogador, que está sempre atrás de você. E é assim que o protagonista de ‘Foi apenas um acidente’ reconhece o homem que o torturou atrás das grades.”

Esta não é a primeira vez que o regime dos aiatolás pune Panahi por sua dissidência contra as políticas do regime islâmico que governa o Irã. Em 2010, ele foi preso pela primeira vez por disseminar “propaganda contra o Estado”. Em fevereiro de 2023, foi libertado após passar 86 dias na prisão e iniciar uma greve de fome em protesto contra a decisão das autoridades de mantê-lo em uma prisão comum, apesar de sua sentença ter sido anteriormente anulada pela Suprema Corte do país.

Panahi foi preso em julho de 2022 pela polícia iraniana quando se dirigia a uma promotoria em Teerã para se informar sobre a situação de dois de seus colegas, Mohammad Rasoulof (indicado ao Oscar deste ano por “A semente do fruto sagrado”) e Mustafa Al Ahmad, que haviam sido detidos por protestarem contra a repressão oficial a um grupo de manifestantes da oposição.

Após a prisão de Panahi, o regime de Teerã decidiu reativar a antiga sentença de 2010 contra ele, que previa seis anos de prisão e uma proibição de 20 anos de filmar, escrever roteiros e falar com a imprensa, além da confiscação de seu passaporte e uma proibição absoluta de viajar. Mesmo assim, ele continuou filmando em segredo.

Durante uma conversa pública com Martin Scorsese no Festival de Cinema de Nova York, no início de outubro, Panahi falou sobre os diretores iranianos que tiveram que fugir do país. “Foi difícil de suportar. Toda a essência do cinema iraniano desapareceu. Sinto muita falta de todos aqueles filmes que poderiam ter sido feitos, mas nunca foram. Mas não tenho coragem nem condições de deixar o Irã e ficar fora do meu país. Fiquei lá e vou continuar trabalhando lá”, declarou.

Panahi, de 65 anos, promete manter uma presença marcante durante a temporada de premiações de Hollywood até março, enquanto seus advogados recorrem da decisão do Tribunal Revolucionário Islâmico do Irã, que o condenou recentemente à revelia.

Esta é a primeira vez que o cineasta iraniano é mencionado como possível indicado ao Oscar. “Foi apenas um acidente”, que representa oficialmente a França na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional, é um forte concorrente a esse prêmio (o outro é o norueguês “Valor Sentimental”, de Joachim Trier, além do brasileiro “O agente secreto”). Mas muitos especialistas em premiações acreditam que seu trabalho mais recente tem grandes chances de receber uma indicação ao Oscar de Melhor Filme.