Quando comecei a me preparar para entrevistar Livia Chanes, CEO do Nubank no Brasil, fiquei dividido. Deveria centrar a conversa nas reflexões dela sobre a questão das mulheres no mercado de trabalho? Afinal, Livia é uma das poucas no cargo máximo de uma grande empresa no país. Ou deveria concentrar as perguntas nos desafios de quem comanda a maior operação de um grande banco digital? No fim, acabei resolvendo atacar as duas frentes — e não me arrependi.
Formada em engenharia mecânica, Livia aconselha os jovens em dúvida sobre qual carreira seguir a considerar seus talentos e ambições na tomada de decisão, não o gênero. Conta uma história hilária e ilustrativa envolvendo o filho mais velho, fala com franqueza sobre como a maternidade mudou a sua vida, analisa os efeitos das aplicações de IA e descreve o sistema descentralizado de inovação que impera no Nubank — que em 12 anos saiu do zero para, segundo a empresa, 107,3 milhões de clientes no Brasil.
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Acelerador de Carreira #6 | Livia Chanes, do Nu Bank Brazil
Por que costuma haver menos mulheres que homens nas engenharias?
Existe uma questão de modelos. Ao longo da infância e da adolescência, a vasta maioria das meninas acabam tendo estímulos diferentes. Com isso, vai se criando a convicção de que existem áreas em que as mulheres teriam um desempenho melhor. E a verdade é que, dentro do pool de mulheres e de homens, existem talentos diversos.
Como ter modelos pode ajudar?
Quando meu filho mais velho estava no jardim da infância, as professoras convidaram os pais e as mães para falar sobre profissões. Fui lá falar de engenharia. Falei que a gente construía aviões e software. Foi superbacana. Depois, conversando com meu filho, que é um menino que tem uma habilidade para área de exatas e ciências, perguntei: “você viu tantas profissões na escola. O que que você quer ser?”’ E ele: “mamãe, eu não sei, porque eu até queria ser engenheiro, mas eu não sou menina”. Os modelos influenciam fortemente a forma como as crianças enxergam as profissões. É preciso desconstruir isso.
Por que há tão poucas mulheres no cargo de CEO entre as maiores empresas?
É muito difícil generalizar. Na minha experiência, existem três grandes componentes: um é a política da companhia. Sabemos que existem biases (“vieses”), não só em relação a mulheres, mas também em relação a homens de minorias.
Quais são os outros componentes?
A maternidade pode pesar na carreira da mulher. No nível executivo, sua ausência faz falta e surge o desafio de gestão. Algumas empresas lidam melhor que outras, mas é essencial ter apoio institucional. Outro ponto é a crença de que, ao virar mãe, é preciso abrir mão de ambições profissionais — muitas acabam se autoimpondo barreiras. Há um papel das instituições, das próprias mulheres e também dos maridos. Está tudo bem você escolher cuidar do seu filho e desacelerar sua carreira. Mas que seja escolha, não imposição.
O que pensa sobre empresas que tem metas de um certo número de mulheres em cargos de comando?
Antes de tudo, é fundamental garantir igualdade de avaliação e tornar explícitos os vieses que existem. Se isso não for suficiente, por que não considerar metas? Os prós e contras variam conforme o contexto. O risco é a percepção injusta de que alguém só chegou lá por ser mulher. Ainda assim, é preciso reconhecer: a inércia não trará mudança. Muitas vezes, apenas discussões claras, ou até políticas explícitas, conseguem reequilibrar os vieses.
Quais são as qualidades mais importantes para um CEO de banco digital?
Primeiro, precisa gostar e entender minimamente de tecnologia. Fora isso, o mais importante é gostar de gente. Digo isso porque, quando nos propomos a ter uma relação digital com os nossos clientes, nossa responsabilidade em entregar humanidade é exponencialmente maior. Como não posso fazer isso num ponto de venda, numa agência bancária, preciso fazer isso em todos os pontos de contato que tenho no meu aplicativo, nas poucas circunstâncias em que ele vai falar com alguém do meu atendimento.
Já ouvi um alto executivo do setor dizer que banco se resume à qualidade de execução daquilo que a direção determina. A centralização tem vantagens?
Sim, permite alinhamento. Mas, conforme o negócio cresce, será que você terá sempre as melhores ideias ou entenderá tudo o que os clientes dizem? Por isso, sigo o princípio de ter times melhores do que eu. Descentralização não significa falha na execução. Afinal, uma boa ideia não vale nada; uma boa ideia entregue vale muito.
Você está com 43 anos e acabou de assumir o cargo de CEO. O que gostaria de ter aprendido antes dos 35?
Minha maior lição de amadurecimento veio antes, aos 33, com a maternidade: entender o ser humano. Sempre fui focada, pragmática e, com toda a modéstia do mundo, sei que sou inteligente. Sou abençoada de ter podido desenvolver minhas habilidades. Mas ter meu primeiro filho meu deu uma nova responsabilidade. Parece óbvio o que eu vou dizer, mas para mim não era: passou a ser minha responsabildade primária desenvolver aquela criança. Foi ali que aprendi a equilibrar objetividade com construção de relações.
No trabalho, como se deu essa mudança de olhar?
Me deu um outro olhar. É muito fácil você lidar com 480 milhões de problemas no dia, sentar com uma pessoa e falar: “olha, é para fazer isso, isso e isso”. É muito mais difícil você sentar, olhar para o rostinho da pessoa e dizer: “como é que você está hoje? Está tudo bem? O que você acha sobre isso? Por que você acha que o que eu estou falando está errado?” Ou pedir desculpa quando faz uma coisa que não foi bacana. Obviamente, sempre soube a importância disso. Sempre tive amigos, sou casada. Mas acho que a quantidade de energia que investi em contruir relações até os 35 anos foi muito menor do que deveria.
Será que esse perfil mais objetivo não tinha relação com a sua carreira até aquele momento? Você trabalhava em consultoria, que muda constantemente de empresa.
As carreiras exigem habilidades diferentes, você tem razão. Consultoria é um tipo de trabalho que você trabalha por projeto, direfente da construção de um negócio, de fazer parte de uma equipe, que é meio que um jogo infinito. Então, acho que pode ter uma influência.
A IA já substituiu algum posto de trabalho no Nubank?
Não estou num momento em que preciso reduzir posições. A forma como olhamos IA é na potencialização das equipes. Nossa estratégia é usar a inteligência artificial para que as equipes consigam produzir mais, paa um engenheiro agilizar seu trabalho. Obviamente, tarefas extremamente operacionais vão ser substituídas, mas vão abrir espaço para a gente conseguir construir mais coisas e crescer mais rápido.
Como a IA tem sido usada?
A tecnologia ainda não atingiu seu potencial máximo, mas já reslve muito bem algumas tarefas, como produção de campanhas de marketing, cenários, figurinos, variações de texto. No atendimento ao cliente, a IA vem entregando performances superiores a de alguns atendimentos feitos por humanos. Em outras áreas, a tecnologia ainda não está madura. Mas acho que é uma questão de tempo.
- Profissões não têm gênero.
- Monte times melhores do que você.
- Uma boa ideia não vale nada; entregue, vale muito.
- Um olho nos resultados, outro no emocional da equipe.
- Em vez de tirar empregos, IA pode potencializar performance.