A gravata enlaçou as mulheres. E não é de hoje. De tempos em tempos, o “power dressing” — alfaiataria poderosa que encontrou sua melhor tradução na década de 1980, pelas mãos de Giorgio Armani, como aliada na inserção das mulheres em cargos de liderança no mercado de trabalho — potencializa o guarda-roupa feminino, reiterando a luta por equidade de gênero. Tornou-se também um dos acessórios favoritos do público LGBTQIAP+. A temporada não deixa margens para dúvidas: a gravata, acompanhada de ternos estruturados, roubou a cena em desfiles internacionais — esteve nas coleções de inverno 2025 de grifes como Saint Laurent, Emporio Armani e Thom Browne — e foi adotada com fervor por celebridades, como a atriz Nicole Kidman e a rapper Doechii. “Essa visita ao armário masculino representa quebra de gênero e afirmação de poder”, diz a consultora de imagem Mônica Girão.
Uma suposta origem da gravata está embutida no seu nome: a palavra “cravate” (gravata em francês) é derivada de “croate” (croatas). No século XVII, cavaleiros croatas usavam uma faixa de tecido decorada no pescoço. No século XIX, o acessório deixou de ser restrito a militares e virou elemento fundamental na indumentária da aristocracia europeia e da burguesia em ascensão.
Já o uso no visual feminino anda lado a lado com a emancipação das mulheres. Muitas fizeram questão de provocar as normas vigentes justamente por meio da moda. “É como se afirmassem que podiam percorrer até a outra margem”, pondera a professora de Design da PUC-Rio Luiza Marcier. Esse foi o caso da atriz alemã Marlene Dietrich, que aderiu ao uso de smoking nas telas, no filme “Marrocos” (1930), e no dia a dia, com alfaiataria e gravata. Em 1966, Yves Saint Laurent levou o smoking feminino à categoria dos clássicos.
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A partir de Saint Laurent, a apropriação fashion de códigos masculinos se expandiu entre as mulheres. No filme “Noivo neurótico, noiva nervosa” (1977), o figurino de Diane Keaton virou referência contemporânea. Outros nomes usaram e abusaram da gravata: cantoras como Madonna, em diversas versões ao longo das décadas, e Avril Lavigne, no começo dos anos 2000. Hoje, o time das engravatadas contempla mulheres de várias gerações, como a atriz Zendaya e a personagem Odete Roitman (Debora Bloch), no remake de “Vale tudo”. Figurinista da novela, Marie Salles explica: “Passa austeridade, firmeza e elegância na medida certa”.
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Expert em análise de tendências, Iza Dezon enxerga camadas extras na volta do power dressing. “As mulheres voltarem a usar códigos masculinos revela problemas de expressão”, reflete. “Relaciono à estética da recessão e da repressão. Recessão porque indica a escolha pela alfaiataria, com tecidos mais perenes”, diz. “Repressão por ser muito triste, em 2025, a gente precisar se vestir dessa maneira para se impor. Acredito ser reflexo do efeito Donald Trump, o último grito do patriarcado”, emenda.
Para Iza, o ideal, para todos os gêneros, seria poder brincar com os códigos com leveza: “A coleção feminina de inverno de 2025 de Thom Browne é um belo exemplo”,