Cerca de 15 anos após sua criação, pelo decreto 34.443, de 2011, o Parque Natural Municipal (PNM) Nelson Mandela, na Avenida Lucio Costa, na altura da Praia da Reserva, na Barra, tem chamado a atenção de moradores e ambientalistas não pela exuberância natural, como deveria ser, mas por sua situação de abandono. A degradação da vegetação, com clareiras abertas ao longo do terreno, é um dos problemas que predominam na paisagem. E, mais recentemente, uma construção de alvenaria de três andares, erguida nesta unidade de conservação (UC) de proteção integral, causou indignação em defensores do meio ambiente pelo impacto visual e pela utilização de materiais não ecológicos. Segundo a Secretaria municipal de Meio Ambiente e Clima (Smac), ali ficará a sede administrativa do parque, mas a desconfiança é de que o local vá servir a interesses particulares.
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O estado de deterioração da área levou moradores preocupados a recorrerem ao poder legislativo solicitando providências. No início de janeiro, denúncias sobre a situação chegaram ao gabinete do vereador Pedro Duarte (Novo), que tem uma base forte na Barra. No dia 14 de fevereiro, o parlamentar, que é presidente da Comissão de Assuntos Urbanos, e sua equipe fizeram uma vistoria no parque e constataram problemas. Ele definiu a situação como lamentável.
— Hoje, o parque é um descampado detonado e muito malcuidado; um terreno baldio com muito lixo e restos de escombros de construções antigas espalhados, como pedaços de cimento e azulejo. A recuperação da vegetação, que deveria ser prioridade, não foi realizada. Você vai andando e vendo buracos em meio ao que deveria ser verde; isso também é consequência do período em que a área foi usada como estacionamento irregular, o que danificou a vegetação. Não há uma trilha ambiental nem qualquer sinalização — critica Duarte.
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Com uma área de abrangência de 162,95 hectares, o PNM Nelson Mandela, que inclui a Praia da Reserva, foi criado com o objetivo de proteger a vegetação nativa, como as de restinga e manguezal, da Lagoa de Marapendi, que fica às margens do parque. Em 2017, a unidade de conservação ganhou um plano de manejo e um conselho gestor (Mosaico Marapendi), formado por membros da sociedade civil e do poder público, que deve atuar em parceria com a prefeitura na área.
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A construção da sede administrativa começou em maio do ano passado, quando também foi concluído um deque de madeira que dá acesso à unidade para quem vem pela Lagoa de Marapendi. De acordo com a Smac, a obra está sendo executada pela construtora Patrimar Engenharia, como medida compensatória pela edificação do condomínio Oceana Golf, na Barra. Como houve remoção de vegetação nos trabalhos para erguer o residencial, faz parte da compensação ainda o plantio de 18 mil metros quadrados de mudas no parque.
— Num primeiro momento, quando recebi as denúncias, as pessoas achavam que a sede era uma construção irregular, de tão surreal que é. Acontece que não é invasão. É obra da prefeitura, que, em vez de plantar novas árvores e fazer recuperação de manguezal, por exemplo, escolheu construir uma sede de tijolo, bem perto da Praia da Reserva. Do ponto de vista visual, também é muito ruim. Muita gente que passa ali reclama. Ela poderia ser feita mais para o fundo e com materiais ecológicos — sugere Pedro Duarte. — Imagino eu que o deque seria para conexão dos moradores dos condomínios do outro lado da lagoa com a praia, com transporte feito por barcos. Mas, no momento, está sem uso e começando a se deteriorar, com a madeira rangendo um tanto. A prefeitura colocou a carroça na frente dos bois. Os novos plantios deveriam ter vindo primeiro, tornando o ambiente agradável. Mas ela fez a sede e um deque num parque que, praticamente, não existe.
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A Smac informa que tanto o deque quanto a trilha serão revitalizados e preparados para o uso da população quando a sede administrativa estiver pronta para receber visitantes. A previsão de conclusão da obra, acrescenta, é ainda neste semestre. Em relação à construção de alvenaria, embora seja responsável pela fiscalização e avaliação do projeto, a pasta diz que não determina o material a ser utilizado, pelo fato de a sede estar sendo construída por uma empresa como medida compensatória.
A Patrimar, por sua vez, rebate a afirmação de que é a responsável direta pelas obras. A construtora diz que as medidas compensatórias são exclusivamente financeiras e que já foram quitadas. Acrescenta que os trabalhos relativos à execução das compensações foram fechados com uma empresa conveniada com a prefeitura, a ECP Environmental Solution, que seria a encarregada pelas intervenções. Procurada, a ECP não respondeu ao GLOBO-Barra.
No dia 30 de dezembro passado, as obras da sede e do deque chegaram a ser embargadas pela Subsecretaria de Controle e Licenciamento Urbanístico, órgão da própria prefeitura, que alegou que as intervenções não dispunham das devidas licenças. A pasta ordenou que os serviços fossem paralisados; e as construções, demolidas ou legalizadas. Sem dar detalhes, a Smac informa que os trabalhos permanecem temporariamente suspensos e que o projeto está sendo reformulado.
Ponto de apoio a condomínios?
O fato de o deque ter sido uma das primeiras intervenções realizadas no parque, que sequer tem uma estrutura física demarcando seus limites, despertou desconfiança em parte da população, temerosa de que, na verdade, a sede em construção sirva para beneficiar condomínios, funcionando como ponto de apoio perto da praia reservado aos residenciais situados do outro lado da Lagoa de Marapendi, como o Mansões. Um dos que levantaram a questão foi o ator e ambientalista Victor Fasano.
— A posição da suposta sede está estrategicamente posicionada em frente ao condomínio do outro lado da lagoa, além de haver um deque. Ora, para que serve esse deque? O parque precisa dele para quê? Do outro lado, há um grande empreendimento cujos moradores, para conseguirem chegar à praia, terão que ir pela Avenida Ayrton Senna ou pelo Recreio. E já há um deque do outro lado da lagoa, na mesma direção. Um tanto estranho, não? Existe também o interesse de ter uma infraestrutura para justificar a Bandeira Azul hasteada há mais de um ano no local sem que se cumpra alguns requisitos; um deles, banheiros com esgotamento sanitário, que não existem por ali — observa Fasano.
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O ator acredita que uma construção como a que está sendo feita no parque abre um precedente perigoso.
— Aquilo é uma afronta, um desastre! Já não bastam os quiosques avançando cada vez mais e dizimando a nossa restinga, bioma importantíssimo para a balneabilidade da praia e nossa segurança? Acho um absurdo construírem seja o que for numa reserva. Primeiro porque aquele local é uma Área de Proteção Permanente (APP) e de proteção integral. Segundo, porque o conselho gestor do parque nunca foi consultado. Terceiro, porque um prédio como este abre brecha para que outros donos de terrenos possam também construir imóveis desse tipo. Na minha opinião, nada deveria ser construído. Reserva é reserva — argumenta. — Áreas como esta, com paisagem de restinga e lagoa ao fundo, são cada vez mais raras em grandes cidades.
Conselho gestor não foi consultado
Presidente da Associação de Moradores do Recreio (Amor) e membro do conselho gestor do PNM Nelson Mandela, Simone Kopezynski confirma que não houve diálogo com o grupo sobre as intervenções na unidade de conservação.
— Ninguém comentou sobre os termos da construção da sede, que material seria utilizado ou quando a obra seria feita. Simplesmente vimos uma construção, indagamos e ficamos sabendo que virá a ser a sede. Também não sabemos que projetos estão sendo pensados para o parque — relata.
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Moradora que passa pela Avenida Lucio Costa com frequência, Kátia Lancelotti foi uma das pessoas que, em dezembro, se espantaram com o prédio erguido na área de preservação ambiental e resolveram divulgar o caso nas redes sociais. Ela diz que celebra o fato de a obra ter sido embargada, mas diz que já tem visto uma nova movimentação na área e que o prédio, que estava só no tijolo, começou a ser emboçado.
— O que me deixa ainda mais preocupada é a possibilidade de haver outras construções. Aquela obra toda errada, construída com material não sustentável, acaba dando abertura para virem outras. Como é que você vai dizer não (para outros proprietários de terrenos com as mesmas características) se ali tem uma obra da prefeitura? Foi um péssimo exemplo dado pelo município. Acho que aquele prédio deve ser demolido; e a área, recuperada e rearborizada, porque acabaram com a vegetação para erguer aquela construção. Essa área tem que ser deixada quieta. A proposta é que não se toque na reserva — defende. — Quando você passa lá e vê aquele trambolho, pode até pensar: “Opa! É especulação imobiliária”. Mas não. É da prefeitura. Isso é ladeira abaixo. Derrota em cima de derrota.
Parque terá observatório, diz prefeitura
Questionada sobre a suspeita de que a sede seja um equipamento em prol dos condomínios, a Smac nega, garantindo que o espaço será de uso público e destinado a atender toda a população. Em relação aos planos para o local, a secretaria prevê um Centro de Educação Ambiental (CEA), que oferecerá atividades a frequentadores e moradores do entorno. A pasta informa que o espaço abrigará ainda um observatório de fauna e flora. A programação, acrescenta, só será divulgada quando a sede for inaugurada.
O vereador Pedro Duarte diz que vai acompanhar de perto esse processo, pressionando para que a recuperação da vegetação seja prioridade. Ele defende ainda que, uma vez regenerada, a área possa servir ao ecoturismo.
— Quanto mais áreas verdes tivermos à disposição da população, melhor para a valorização da vegetação local. Imagina aquela área ali como um parque onde as pessoas possam caminhar por uma trilha, guiadas por um profissional autorizado, e intensificar o contato com a natureza… A praia já é um golaço, mas a lagoa e o mangue também são elementos que devemos valorizar. E o parque tem um grande potencial de aumentar essa conexão — pontua.