Há cerca de três meses, a incerteza sobre o próprio destino está tirando o sono de moradores de Paraty, no litoral Sul do Rio. Em abril, a Justiça determinou a venda de 32 áreas no município, incluindo lotes e terrenos em encostas de 63 ilhas, como a do Cedro, a do Algodão e a do Saco do Mamanguá. Praias, montanhas e até uma área dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina também estão no pacote. As terras, a maioria em Área de Proteção Ambiental, foram arrematadas em leilão. São áreas enormes, que vão de 13.600 metros quadrados a 163.200, e a suspeita dos moradores é que os compradores pretendem construir grandes empreendimentos na região. O caso foi revelado pelo Fantástico, da TV Globo.
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— São áreas sob regime especial de proteção. É importante que todos esses adquirentes entendam que essas áreas estão sob jurisdição de uma unidade de conservação federal, que tem um conjunto de regras e restrições de uso e ocupação — afirmou, ao Fantástico, Anderson Nascimento, chefe do ICMBio Paraty.
As terras pertenciam ao português José Maria Rollas, comerciante que enriqueceu à medida que sua loja de aluguel de roupas de luxo, a Casa Rollas, foi pioneira e se tornou uma das mais tradicionais da cidade. Os terrenos foram comprados pelo empresário durante um leilão da Receita Estadual em 1936. O leilão de agora integra uma das últimas etapas do processo de inventário em favor dos herdeiros.
As pessoas que já moravam nas terras vendidas, incluindo comunidades tradicionais que vivem da pesca e outras que se dedicam ao turismo, se dizem preocupadas com o futuro e garantem que moram na região desde antes mesmo da aquisição por José Maria Rollas.
— Essa comunidade mesmo está datada de mais ou menos 200 anos de posse, de propriedade aqui. Há famílias que já tiveram mais de sete gerações neste local. Então, temos que lutar para que todos permaneçam aqui — protesta Cleonice dos Santos, moradora da Ilha do Cedro.
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Presidente da Associação de Moradores do Saco do Mamanguá, uma ilha de oito quilômetros de comprimento e dois de largura, Gilmar Corrêa conta que o emocional da vizinhança está “completamente abalado”:
— Tem gente que não consegue dormir direito. Tem gente que fica o tempo todo atento ao mar, vendo se vem algum barco diferente.
Parte da Ilha do Cedro, por exemplo, foi arrematada por R$ 437 mil. Porém, como mostrou o Fantástico, a empresa que venceu o leilão se arrependeu do negócio e pediu ao juiz “desistência da arrematação”, sob a justificativa de que não sabiam que a área estava “completamente ocupada por população tradicional caiçara.
— Quem comprou pode ter feito um mau negócio, porque as restrições ambientais não vão ser suspensas. Ninguém vai tirar as proteções que existem na área de proteção ambiental porque o imóvel foi arrematado. Em relação aos caiçaras que lá estão, eles mesmos têm que, dentro dessa sua perspectiva de população tradicional, cumprir a imensa maioria das normas ambientais também — explicou o advogado Gustavo Kloh, doutor em Direito Civil.
Advogado de outros compradores, Douglas Guelfi diz que há espaço para negociar:
— Os arrematantes, nossos clientes, participaram como manda a lei. E efetuaram os pagamentos já. Então, está tudo correto. Mas, claro, pretendemos, na medida do possível, conversar com eventuais ocupantes desde que respeitados os nossos direitos.
O Ministério Público Federal, a Advocacia Geral da União e a Defensoria Pública do Rio pediram a anulação do leilão.
O advogado das herdeiras, Nizzo de Moura, defende que o leilão é legítimo:
— Bom, caso ele seja anulado, certamente, por parte do espólio, será objeto de recurso. Não acho que há fundamento para o leilão ser anulado. O que há ali, talvez, é necessidade de uma conciliação de direitos, de direitos de diversas partes fundamentalmente direitos dos caiçaras, se tiver algum direito, esse é o chamado direito de posse que vai ser discutido com o direito de propriedade do arrematante que adquiriu no leilão.