Considerado inviável há pouco tempo por conta dos desafios tecnológicos e alto custo, o armazenamento de energia elétrica começa a puxar uma nova onda de investimentos bilionários no Brasil e se consolida como uma alternativa para atender à demanda nos horários de pico — com custo menor que o de fontes renováveis — e impedir apagões, concordam executivos do setor e o Operador Nacional do Sistema (ONS).
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Os negócios nessa área devem somar ao menos R$ 22,5 bilhões até 2030, segundo a consultoria Greener, mas as cifras podem alcançar R$ 44 bilhões, estima a Associação Brasileira de Soluções em Armazenamento de Energia (Absae), se um marco legal for estabelecido, dando mais segurança às grandes empresas que já tocam projetos no país.
— O armazenamento é peça-chave para a transição energética no Brasil, permitindo a integração de fontes renováveis à matriz elétrica, evitando desperdício de energia e possibilitando maior estabilidade, flexibilidade e confiabilidade ao sistema — diz Marcio Takata, CEO da Greener, especializada em inteligência de mercado para energia.
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Na semana passada, o ONS divulgou seu planejamento de operação até 2029, no qual aponta risco de capacidade de atender à demanda, particularmente no horário de pico. Entre as alternativas sugeridas estão usinas térmicas, mais caras e poluentes; volta do horário de verão; e leilões de contratação de energia de reserva, que pode ser usada com mais flexibilidade.
— Com o crescimento das fontes intermitentes (como eólica e solar, que não produzem 24 horas), novos desafios também surgiram para a operação. Precisamos cada vez mais de flexibilidade no sistema, com fontes de energia controláveis, que nos atendam de forma rápida para termos o equilíbrio entre oferta e demanda — explica Marcio Rea, diretor-geral do ONS.
Entre os potenciais clientes dessa solução estão indústrias e comércios buscando mais flexibilidade e sustentabilidade no uso de energia e menor custo. A lista de interessados também tem fazendeiros, que precisam de energia para irrigação, por exemplo, e populações sem acesso à rede elétrica em regiões remotas do país, principalmente na Amazônia.
Em 2024, mostra o estudo, a venda de componentes para sistemas de armazenamento de energia (os chamados Battery Energy Storage System — BESS) cresceu 89% no Brasil ante 2023. Grande parte desses sistemas será instalada ainda este ano — e a alta de dois dígitos deve se repetir. No primeiro semestre deste ano, o país chegou a 1GW de capacidade de armazenamento, mas o potencial é bem maior. A China já tem quase 74GW.
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No mundo, a indústria de sistemas de baterias e armazenamento de energia está em rápida expansão, com a capacidade tendo atingido 3TWh em 2024, diz Filipe Formiga, diretor da Siemens Energy no Brasil. Segundo ele, as projeções indicam que esse mercado vai triplicar nos próximos anos com a crescente demanda por energia de fontes renováveis e veículos elétricos.
Estima-se que os investimentos globais no setor cheguem a US$ 350 bilhões até 2030.
— O armazenamento ajuda a reduzir o chamado curtailment de energia, que é a redução forçada da geração em usinas renováveis (eólicas e solares), mesmo quando há capacidade instalada e condições ideais de produção, porque não há onde armazenar— corrobora Manuel Fernandes, sócio da KPMG para as áreas de energia e recursos naturais.
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A China, maior fabricante de baterias no mundo, lidera também a produção global desses sistemas. Mas outros países, como EUA e Coreia do Sul, investem alto para ampliar a capacidade de produção.
— Mas, no Brasil e na maioria dos países, há desafios, principalmente na regulação — diz Formiga. — Além disso, é preciso equacionar a cadeia de fornecimento de lítio usado nas baterias, cuja demanda deve crescer mais de 40 vezes até 2040, e encontrar formas sustentáveis de reutilizar ou reciclar baterias.
A queda do preço dos equipamentos de armazenamento em cerca de 90% na última década, segundo Takata, foi um dos fatores que impulsionou o setor. Hoje, uma indústria de pequeno porte, por exemplo, pode ter seu próprio sistema por cerca de R$ 200 mil. É uma forma de uma fábrica proteger sua produção de quedas de energia.
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A roda de negócios em torno do armazenamento cresce. A Comerc Energia, empresa da Vibra, criou a Micropower, uma joint venture com Siemens e Equinor voltada para o armazenamento de energia renovável. Já implantou mais de 80 projetos no país, com diferentes aplicações, a partir de uma rede de fornecedores globais de baterias, como a americana Tesla.
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Parceiros como a Siemens contribuem com a tecnologia de controle dos sistemas. O investimento inicial da Micropower para desenvolver essas soluções foi de R$ 65 milhões.
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— Nossos clientes vão de grandes indústrias ao agronegócio, centros logísticos, hospitais e consumidores fora do Sistema Interligado Nacional (SIN) — diz Clarissa Sadock, CEO da Comerc.
No portfólio da empresa está, por exemplo, o sistema de armazenamento da Vale, no Terminal da Ilha Guaíba, no Rio, concluído em 2024, com 10MWh de capacidade — suficiente para abastecer 45 mil residências por uma hora. É o maior instalado em um consumidor final no Brasil.
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Na Fazenda Santa Paula, na Bahia, um sistema com 1,75MWh de energia solar e 1.184MWh de capacidade de armazenamento garante até 50% da demanda da irrigação da propriedade. Numa comunidade de Xique-Xique, também na Bahia, que não estava conectada à rede elétrica do país, foi instalado um pequeno sistema abastecido com energia solar.
— Com o crescimento das fontes renováveis, que são intermitentes, baterias trazem controle e evitam desperdícios. É possível, por exemplo, usar energia solar armazenada nos horários de pico (17h às 21h), mas gerada às 13h. Evita o uso de fontes de geração mais caras, como as térmicas — explica Sergio Jacobsen, CEO da Micropower Energy.
A Moura, conhecida pelas baterias de automóveis, foi uma das pioneiras. Lançou o primeiro sistema de armazenamento de energia nacional em 2019. Investiu cerca de R$ 2,5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento nos últimos 15 anos, incluindo expansão da fábrica. Já instalou 20 sistemas pelo país, como o da Expofrut, da belga The Fruit Farm Group, produtora de uvas no Vale do São Francisco baiano.
— Instalamos um sistema de 912kWh, integrado a um parque fotovoltaico de 260kWh, permitindo acumular energia solar durante o dia e descarregá-la no horário de ponta para resfriamento das uvas, reduzindo tarifas elevadas em horários de pico e trazendo segurança em caso de queda de rede — explica Adalberto Moreira, gerente de Armazenamento de Energia da Moura, acrescentando que as baterias para os sistemas são produzidas no complexo de Belo Jardim, em Pernambuco, com tecnologias de chumbo-ácido ou de lítio.
Com a CPFL, a Moura inaugurou um modelo de eletroposto com energia solar para abastecer carros elétricos, outra demanda crescente. O equipamento viabiliza recargas rápidas em locais onde as redes de distribuição não foram dimensionadas para suportar essa potência adicional. Outro projeto beneficiou 30 mil moradores de Amajari e Pacaraima, em Roraima, que não tinham energia.
Para que o armazenamento de energia deslanche, especialistas e agentes do setor cobram do governo regras claras para esse novo mercado e a realização de leilões de capacidade (nos quais é contratada a energia das geradoras) e de armazenamento (em que o governo compra a capacidade de sistemas como os de baterias).
Um leilão de capacidade marcado para junho foi cancelado, segundo o Ministério das Minas e Energia (MME), porque o edital foi questionado na Justiça. Uma nova consulta pública será aberta, mas a data do leilão ainda é incerta.
O primeiro leilão de armazenamento está previsto para o fim do ano, mas só deve acontecer após o de capacidade. A Absae divulgou uma carta com entidades que representam produtores de energia solar, eólica e geração distribuída manifestando preocupação com o atraso e alertando que os leilões contribuem para baixar as tarifas ao consumidor.
E cobra um marco regulatório para a armazenagem com regras de tarifas, regimes de outorga e fontes de receitas.
— Estamos vendo o setor elétrico à beira de um colapso, com custos cada vez mais altos para a sociedade, enquanto jogamos energia limpa, literalmente, fora — diz o presidente da Absae, Markus Vlasits.
O MME não respondeu se há previsão de datas, mas, em audiência da Comissão de Minas e Energia da Câmara, na semana passada, o ministro Alexandre Silveira disse querer realizar o leilão de armazenamento ainda neste ano, destacando que será o primeiro do gênero no país.