No artigo “Por que as reuniões da COP estão cada vez mais difíceis?”, publicado no GLOBO, Haitham Al Ghais argumenta que as negociações do clima estão mais desafiadoras porque ignoram as “realidades” econômica e social dos países produtores de combustíveis fósseis, contrariando a Convenção do Clima de 1992. Essa tese reflete uma visão distorcida da crise climática e dos desafios estruturais da transição energética, ignorando a dinâmica econômica e deturpando as disposições da Convenção.

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A economia moderna já demonstrou que há custo alto na inação. Relatório da Network on Greening the Financial System estimou perdas de 15% do PIB global em 2050 e de 30% em 2100 em razão da mudança do clima se mantidas as mesmas políticas. Logo, a dependência dos combustíveis fósseis não protege a economia global e a expõe a riscos sistêmicos que inviabilizam o desenvolvimento de longo prazo.

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Em 2021, a Agência Internacional de Energia recomendou cessar novos investimentos em carvão, petróleo ou gás natural para alcançar emissões líquidas zero até 2050. E assim, na COP28, foi adotado um compromisso de “transição para longe dos combustíveis fósseis” pelos 195 países membros do Acordo de Paris.

O argumento de que “a demanda por petróleo continua aumentando” não é válido. O consumo de combustíveis fósseis pode ser influenciado por políticas públicas, incentivos de mercado e inovações tecnológicas. A História demonstra que mercados se transformam com introdução de tecnologias e marcos regulatórios. No século XX, a transição da tração animal para veículos motorizados ocorreu em poucas décadas, assim como a digitalização revolucionou a comunicação e o setor financeiro.

Surpreende o artigo justificar a exploração de petróleo a partir de dimensões de equidade e justiça sem mencionar o conceito de “transição justa”. A descarbonização gera consequências econômicas para trabalhadores e comunidades, mas é possível viabilizar caminhos de transição justa, como as Just Energy Transition Partnerships (JETPs), que vêm sendo pilotadas no mundo com recursos públicos e privados.

Para o autor, justa é a COP que promove um “ganha-ganha” que não descarte “nenhuma energia, nenhuma tecnologia, nenhum povo”. A bizarra comparação é um insulto à população de Kiribati e Tuvalu, países na iminência de afundar por causa da mudança do clima; ou aos quase 60 mil indianos que cometeram suicídio diante da seca e da infertilidade de suas terras agrícolas causada pelo aquecimento global; ou aos milhares de gaúchos deslocados climáticos afetados pela enchente de 2024. Onde está o “ganha-ganha”?

O Princípio das Responsabilidades Comuns, Porém Diferenciadas não isenta países de agir pela mitigação da mudança do clima, mas permite adequar essa responsabilidade a suas capacidades e circunstâncias, cabendo aos desenvolvidos liderar esforços e complementar custos da transição nos países em desenvolvimento. Para a Convenção, todas as emissões importam, sejam de países ricos, pobres ou produtores de combustíveis fósseis. Se ela “não faz referência à escolha de fontes de energia”, é porque não é esse o seu papel enquanto “convenção-quadro”, que deve prever diretrizes e comandos gerais sem especificar ações concretas. A questão é: se quase 90% das emissões globais atualmente advêm dos combustíveis fósseis, por onde o autor propõe que as ações de descarbonização devam começar?

Sim, as COPs estão mais difíceis, porque saímos da fase de “regulamentação” para a “implementação” dos acordos. Esse é o grande desafio hoje. Mas, se há algo que pode torná-las mais difíceis, é a resistência de setores que insistem na economia baseada em combustíveis fósseis. As COPs não são espaço de proteção dos interesses “de todas as energias”, mas sim de aceleração da transformação econômica para um clima estável e socialmente justo.

*Caroline Prolo e Fabio Alperowitch são sócios da fama re.capital

As COPs são mais difíceis por causa dos interesses dos combustíveis fósseis