Rocio Vilaplana, dentista no sudeste da Espanha, estava finalizando uma sutura na boca de um paciente durante uma cirurgia oral na tarde de segunda-feira quando as luzes se apagaram. Tudo começou a apitar, seu gerador de emergência entrou em ação, as luzes de emergência da sala de cirurgia piscaram e a dentista de 36 anos tentou manter a calma. “Vamos só fechar isso direitinho”, pensou.
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A Dra. Vilaplana terminou o procedimento delicado, mas aquilo foi apenas o início de um dia de nervos à flor da pele e confusão generalizada em toda a Espanha e Portugal. Um apagão que durou o dia todo paralisou a vida de dezenas de milhões de pessoas. Muita gente passou a noite em estações de trem enrolada em cobertores, presa em apartamentos sem água ou elevadores funcionando, encarando seus celulares subitamente inúteis e tentando entender o que tinha acontecido.
Na terça-feira, com a energia quase totalmente restabelecida nos dois países — embora a causa do apagão ainda estivesse sob investigação —, muitas pessoas refletiam sobre a ansiedade provocada não apenas pela falta de luz, mas também pela ausência de sinal de celular, acesso à internet e a impossibilidade de pagar qualquer coisa que não fosse em dinheiro vivo.
Em Múrcia, cidade do sudeste espanhol, a palavra mais ouvida nas ruas na manhã de terça-feira era “loucura”.
— O pior foi a falta de comunicação — disse María José Egea, de 71 anos, que passou a noite nervosa em seu apartamento no sétimo andar, com o elevador fora de serviço. Vizinhos foram checar como ela estava, contou, embora as informações fossem escassas e rumores sobre a causa do apagão se espalhassem.
Na capital espanhola, Madri, moradores do bairro de Arganzuela foram às ruas na segunda-feira, confusos com o que estava acontecendo. Alguns olhavam para os celulares desconectados. Outros se reuniam em frente a centros de saúde, lojas e bares em busca de informações.
Um pequeno grupo se formou em uma oficina mecânica na rua Martín de Vargas, onde o dono, Fernando Palacio, abriu as portas de um carro em que estava trabalhando e ligou o rádio — a única fonte confiável de informação durante todo o dia.
Ele disse que aquilo o fez lembrar da tentativa de golpe na Espanha em 1981, quando “todo mundo ficou grudado no rádio”. Naturalmente, as pessoas correram para as lojas que ainda estavam abertas para comprar pilhas, carvão para cozinhar, papel higiênico e outros itens essenciais. Ao anoitecer, prateleiras em cidades como Múrcia estavam vazias.
“Ficamos realmente com medo”, disse María Cantero, de 41 anos, garçonete em Archena, a cerca de 25 quilômetros de Múrcia. Ela correu até o mercado para comprar fórmula para sua filha de 5 meses e velas. Quando a noite caiu e a energia ainda não havia voltado, sentiu-se apreensiva.
Em Peniche, Portugal, cerca de 100 quilômetros ao norte de Lisboa, José Boto, aposentado de 69 anos, teve um dia difícil. Ele estava na fila de um supermercado com um frango nas mãos — seu almoço — quando foi informado de que havia ocorrido um apagão e que o pagamento só poderia ser feito em dinheiro. “Tive que deixar o frango para trás”, contou.
Na manhã de terça-feira, a vida começava a voltar ao ritmo. A Sra. Cantero levou sua filha, Lucía, a uma consulta médica em Múrcia. Os semáforos voltaram a funcionar e os policiais que haviam sido destacados para controlar o tráfego no dia anterior já não estavam mais nas ruas.
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A capital espanhola ainda não havia retomado seu ritmo agitado. Muitos moradores pareciam ter preferido ficar em casa. As escolas abriram, mas poucas realizavam aulas regulares. María del Carmen Sánchez, funcionária da Escola Secundária Cervantes, no bairro de Lavapiés, em Madri, disse que “apenas 5% dos alunos” compareceram na terça-feira.
Ainda assim, disse ela, apesar de “todo o caos da situação, acho que tudo correu bem. As pessoas foram muito pacientes, embora no começo houvesse nervosismo e preocupação.”
Para outros, os efeitos do dia anterior ainda se faziam sentir.
Anthony Saas, de 24 anos, estudante de Zgharta, no Líbano, ficou preso na cidade de Córdoba, no sul da Espanha, depois que seu trem de volta para Jaén, onde estuda, foi cancelado. Passou uma noite em claro na estação de trem, coberto por um cobertor da Cruz Vermelha, e ainda estava lá na manhã de terça-feira, com uma sacola plástica com seus pertences, esperando o anúncio do trem remarcado.
Enquanto as autoridades seguiam investigando a causa do apagão, muitos na região se preparavam para dias de recuperação.
Na sua clínica odontológica em Múrcia, a Dra. Vilaplana vestiu novamente seus jalecos e máscara na manhã de terça-feira. Planejava trabalhar até 13 horas para atender todos os pacientes desmarcados e novas emergências. Nos próximos dias, disse ela, “vai ser uma completa loucura”.