O GLOBO traz hoje a segunda edição de um novo projeto para ajudar você, leitor, a se cuidar ainda melhor. A cada mês, publicaremos conteúdos exclusivos, todos os dias ao longo de uma semana, sobre um problema de saúde. No mês de fevereiro, a doença abordada foi o lipedema. Agora, vamos falar de menopausa.

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Você pode participar mandando suas questões sobre a menopausa. As perguntas selecionadas serão respondidas pela médica ginecologista e colunista do GLOBO Marianne Pinotti e publicadas na próxima quinta-feira. Importante ressaltar que as discussões tratadas aqui vão ajudar a esclarecer dúvidas. Elas não se configuram como uma consulta, sempre procure seu médico antes de tomar qualquer decisão sobre seu estado de saúde.

Mande suas perguntas para o e-mail: pergunteaodr@oglobo.com.br.

Mary Claire Haver Callie Walker — Foto: Arte O Globo

Metade da população do planeta, deve passar, já passou ou está passando pela perimenopausa e menopausa. No entanto, o assunto ainda é cercado de estigma, dúvidas e falta de informações, mesmo entre a classe médica. Para ajudar as mulheres a viver essa fase da melhor forma possível, a ginecologista americana Mary Claire Haver escreveu o livro “A Nova Menopausa” (editora Intrínseca).

— A menopausa é inevitável. Não é opcional. Nós, 100% de nós, passaremos por isso mas não há nada para se ter medo. É o último terço da sua vida, deve ser o melhor — diz.

Na entrevista a seguir, ela fala sobre tabu, sintomas (que vão muito além de fogachos), reposição hormonal e bem-estar.

Por que está se falando tanto sobre menopausa agora?

Por três grandes motivos. Primeiro, as mídias sociais. Elas se tornaram um lugar para mulheres compartilharem histórias e encontrarem outras mulheres passando pela mesma coisa. Desde sempre, a menopausa foi envolta em segredo e vergonha e ninguém falava sobre isso. É um sinal de envelhecimento e temos esse sistema de valores baseado na cultura feminina jovem. E, de repente, as mulheres estão começando a compartilhar que todas estão passando pelas mesmas coisas. O segundo motivo é que a Geração X não está disposta a tolerar o status quo. É a minha geração, tenho 56 anos, e minhas amigas estão olhando para esses sintomas horríveis que estão sofrendo, não só ondas de calor, mas o ganho de peso e a confusão mental, e elas dizem “eu não quero largar meu emprego”, “não quero me divorciar”, “não quero todas essas coisas”, mas se algo não mudar, esse é o caminho. Então, o que podemos fazer sobre isso? E elas não estão dispostas a ficar sentadas quietas e simplesmente aceitar isso tudo. Combinado a isso, elas estão olhando para suas mães, suas avós, suas tias e veem as doenças que as estão atormentando. E dizem: quero viver as últimas décadas da minha vida com a melhor saúde possível. Éramos forçadas a viver sem os benefícios de nossos hormônios sexuais por 30, 40 anos e, agora, estamos vendo doenças crônicas, doença cardíaca, demência e osteoporose, fraturas, incapacidades e fragilidades. Ninguém espera viver para sempre, mas as mulheres querem viver mais saudáveis.

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Você acredita que ainda existe a mesma vergonha e estigma em relação à menopausa?

Um pouco, mas acho que está mudando. E as mídias sociais estão ajudando. Nos EUA, e tenho certeza de que em outros países, estamos começando a ver líderes, celebridades, pessoas de destaque falando aberta e honestamente sobre a menopausa. Acabei de subir no palco com Oprah Winfrey, Halle Berry, Naomi Watts e Maria Shriver, todas falando sobre sua experiência. E essas mulheres estão prosperando, estão dizendo “Estou vivendo minha melhor vida agora. Estou mais feliz do que nunca, mais saudável do que nunca. E quero que você se sinta assim também.” E para muitas mulheres é um ponto de inflexão em direção ao fim. Elas se sentiam invisíveis, como se ninguém se importasse, sendo enganadas por médicos, que não são treinados sobre a menopausa. Então, acho que está mudando, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

Você acha que se a menopausa fosse um problema masculino, seria muito diferente?

Seria curada. Quando olhamos para o National Institutes of Health, que fornece financiamento para estudos de pesquisa para coisas que não são pagas pela indústria, em 2023, menos de 1% do orçamento foi para pesquisas sobre menopausa. É metade da população que passa por isso. E quando as mulheres percebem isso, elas pensam “peraí”. Está na hora. Nos devem séculos de pesquisa.

Temos a questão da falta de escuta às queixas médicas femininas e assistência a seus problemas.

Sim, absolutamente. E é o mesmo sobre as reclamações. Se um homem disser “oh, eu tenho esse sentimento, eu tenho essa dor”, vão procurar a causa da dor. Se uma mulher tem dor, “é algo da sua cabeça”. É uma rejeição categórica. No meu programa de treinamento, falávamos da “mulher reclamona”, era o que as mulheres na casa dos 40 anos representavam. “Elas ficam um pouco nervosas, reclamam muito, não há muito que possamos fazer por elas.” E era assim em outras partes do país, não era só meu programa, isso era em todo lugar. Não nos ensinavam nada, não havia nada a dizer. O exame de sangue é normal, não há nada óbvio. Ainda não estamos treinando os médicos para reconhecer a perimenopausa e a menopausa fora as ondas de calor. Já foram feitos estudos com pacientes homens versus mulheres entrando com as mesmas queixas nos hospitais, e compararam diagnósticos, quanto tempo de espera etc. Descobriram que as mulheres esperam mais nas emergências, são mais propensas a receber um sedativo, um medicamento ansiolítico ou um antidepressivo em vez de medicamentos específicos para as queixas, sendo que elas estavam entrando com um ataque cardíaco, dor no peito, falta de ar. Outros estudos mostram que quando as mulheres têm um ataque cardíaco, 50% são diagnosticadas incorretamente. Isso não é culpa de um médico. É um problema sistêmico e mundial.

O que o estrogênio dá às mulheres e qual o impacto da sua falta?

O hormônio estrogênio em sua forma natural vive em nosso corpo em altos níveis da puberdade até a menopausa. Não temos ataques cardíacos, não temos derrames, não temos câncer em geral. O que aprendemos é que, para a grande maioria dos pacientes, os benefícios da terapia com estrogênio vão superar em muito os riscos. Mas houve um estudo há 22 anos que alegou que o estrogênio causava câncer de mama e tem sido muito difícil fazer o público e até mesmo o establishment médico reconhecer que esse foi um estudo falho e que na verdade, mais seguro tomá-lo do que não tomá-lo. Não ter esse hormônio no corpo leva você a um curso mais rápido de doença cardiovascular, diabetes, osteoporose, síndrome geniturinária. Então, sim, a perda de estrogênio acelera o caminho dessas doenças em 100% das mulheres. Você pode ser saudável sem estrogênio? Sim, você pode, mas é difícil. Claro que a reposição de estrogênio não é mágica. Você ainda tem que comer direito, dormir, se exercitar e fazer todas as coisas, mas essas coisas funcionam melhor em combinação com a reposição de estrogênio.

Quanto um estilo de vida saudável interfere na forma como você vive a perimenopausa e menopausa?

Seus hábitos saudáveis e sua saúde geral determinarão como seu corpo reagirá à perda de estrogênio. Dito isso, tenho pacientes que são as pessoas mais saudáveis do mundo, triatletas, nutrição perfeita, todas as coisas, e estão sofrendo terrivelmente. Então a correlação não é 100%. Não quero que ninguém que esteja sofrendo se sinta mal por ter maus hábitos de saúde, mas quanto mais saudável você estiver quando aparecer a menopausa, mais leves seus sintomas tendem a ser.

No seu livro há uma lista de 60 sintomas que uma mulher pode apresentar nessa fase. Ao mesmo tempo, ninguém sabe exatamente quando a menopausa vai chegar. Então, todo o universo para o diagnóstico e tratamento é muito amplo.

Não temos um ótimo teste para perimenopausa. Não existe um exame de sangue que seja realmente preciso, único. Então, em nossa clínica, fazemos muitos exames de sangue para descartar outras condições que parecem similares. Tipo, é a tireoide? Uma doença autoimune? Uma inflamação? A dieta dela? Faço exames para avaliar o quadro geral e então presumir que a perimenopausa ou a menopausa é a fonte dos sintomas. Aí damos o estrogênio e vemos o que melhora. E ela diz “estou dormindo, mas ainda estou com dor nas articulações”. Ok, provavelmente a dor nas articulações não está relacionada à menopausa. Mas, na minha clínica, eu vejo que as vidas das mulheres mudaram, elas estão recuperando sua resiliência. Elas conseguem continuar no trabalho, casadas, não estão mais gritando com os filhos, nem querendo largar o emprego. Isso está realmente dando a elas um qualidade de vida. Você constrói uma vida que estava administrando bem e, de repente, o tapete é puxado, algo muda e elas passam a sofrer e não conseguem descobrir o porquê. Minha esperança com o livro era que eu desse a elas educação e informação para que não se sentissem loucas quando essas coisas começassem a acontecer e estivessem prontas para enfrentar. E quando forem a um serviço médico, podem explicar qualquer coisa.

Nessa lista de 60 sintomas, quais se destacam?

Acho que palpitações porque as mulheres estão fazendo exames muito caros já que os cardiologistas não entendem o envolvimento dos hormônios nas palpitações. E 43% das mulheres terão. Então, acho que saber que suas palpitações podem estar relacionadas à menopausa e conversar com seu médico sobre essa possível associação vai poupar as mulheres de muita angústia. Além disso, fadiga, depressão, as mudanças na saúde mental. Saber que tem 40% mais risco de desenvolver depressão na perimenopausa seria tão importante para uma mulher se entender. É a chave para o cortisol, ganho de peso, estresse, doença cardíaca. Não apenas conviver com a perda de sono, mas realmente entender quais são suas opções para que você possa enfim dormir é a chave para a longevidade.

Muitas mulheres ainda têm medo da terapia de reposição hormonal. Pode nos dizer quem não pode fazer?

Se você tem um tumor alimentado pelos hormônios sexuais, estrogênio, progesterona, testosterona, como câncer de mama, ovário, endométrio, você não deve fazer. Essa é absolutamente uma contraindicação. Agora, uma vez que você já foi tratada, é uma possibilidade? É uma conversa delicada. Não é um não automático, é um não agora. Se você tem doença hepática grave, não fígado gorduroso leve, mas doença hepática realmente grave, é no fígado que você metaboliza o estrogênio. Então, doença hepática grave é contraindicação. Se você teve um derrame ou um coágulo sanguíneo, isso precisa ser avaliado. Essas são realmente os três grandes impeditivos. Endometriose, por exemplo, não é uma contraindicação absoluta, novamente temos que olhar… Ela fez cirurgia? Em quais órgãos ela tem. Temos que avaliar com muita cautela. Vamos diminuir o estrogênio, aumentar a progesterona porque não queremos reativar a endometriose.

Equilibrar os hormônios é uma matemática complexa até como contraceptivo. Como isso funciona na terapia hormonal?

Sabe a brincadeira do rabo do burro? Em que uma criança vendada tenta colar o rabo na imagem? É o que eu digo sobre como tratamos a perimenopausa. É mesmo muita tentativa e erro. Na pós-menopausa, uma vez que os ovários param, é um pouco mais fácil porque temos um estado estável. Então eu digo às minhas pacientes, para nos dar tempo que o que funciona agora pode não funcionar em seis meses, vamos para frente e para trás até descobrirmos o que vai funcionar para você. Ás vezes depende dos sintomas, mas você pode ter pacientes sem sintomas. Ela diz que se sente ótima, simplesmente não menstrua mais. Devo fazer terapia hormonal? E eu digo, se você quer proteger seus ossos, com certeza. Se quer diminuir seu risco de osteoporose, cuidar de sua pele, das suas articulações, vagina e bexiga e, se começar cedo, também há proteção cardiovascular. A Sociedade Médica dos EUA ainda recomenda apenas para o tratamento de ondas de calor, mas eu não concordo.

Quando devemos começar? E quando parar?

Quanto mais cedo, melhor, mais chance de ter proteção cardiovascular e óssea. O estrogênio é melhor na prevenção de certas doenças do que na cura delas. Uma vez que você tem uma doença cardiovascular, como placas e calcificações ao redor do coração, o estrogênio não é mais útil. Assim como é muito melhor prevenir a osteoporose do que tentar consertá-la. Então, quanto mais cedo, melhor. E você para quando, para você, os riscos superam os benefícios. E isso pode ser nunca. Uma vez que esteja aproveitando os benefícios, pode continuar até que não queira mais, por 30 anos ou mais.

O que dizer para quem está preocupada com esse futuro?

A menopausa é inevitável. Não é opcional. Nós, 100% de nós, passaremos por isso mas não há nada para se ter medo. É o último terço da sua vida, deve ser o melhor. Não tenha medo, compartilhe suas histórias, converse com todos e encontre um médico, um profissional de saúde que vai te ajudar com isso.

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