Há 20 meses, logo após o ataque do Hamas contra Israel, em outubro de 2023, a carreira do premier israelense, Benjamin Netanyahu, estava à beira do precipício. Ele estava no poder durante o pior erro militar da história do país, abalando suas credenciais de segurança e afundando o apoio a seu governo.
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O ataque dos EUA contra o Irã, neste fim de semana, somado à recente ofensiva israelense contra o país, pôs Netanyahu no caminho para sua redenção política. Por décadas, ele sonhou em golpear o programa nuclear iraniano, apresentado como a maior ameaça ao futuro de Israel, e cuja destruição era sua maior prioridade militar.
Agora, ele está mais perto do que nunca de atingir seu objetivo. Para muitos israelenses, o governo obteve um sucesso capaz de restabelecer sua reputação como guardião da segurança do país, elevando suas chances de reeleição e, a depender das próximas semanas, gravando seu legado histórico.
— Essa noite (madrugada de domingo) marca o maior êxito de Netanyahu desde a primeira vez em que chegou ao poder, em 1996 — disse Mazal Mualem, biógrafo de Netanyahu. — Da perspectiva da população, ele obteve uma vitória contra aquele que é considerado a maior ameaça a Israel desde sua fundação.
No Irã, as consequências de curto prazo dos ataques americanos ainda não surgiram. Não está claro se os mísseis destruíram completamente seus alvos. E mesmo que o tenham, Israel pode continuar a atacar o Irã, buscando desestabilizar o governo local.
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Os iranianos lançaram mais uma série de mísseis contra Israel no domingo, e muitos temem que possa retaliar contra bases, embaixadas e interesses americanos. Isso pode levar a novas ações dos EUA e de Israel, ampliando a guerra. Contudo, se a resposta iraniana for limitada, o governo israelense pode reduzir o ritmo da ofensiva, satisfeito por ter obtido a maior parte de seus objetivos, e consciente de que um conflito mais longo seria um risco ao próprio sistema de defesa aérea.
— A bola está no campo iraniano — disse Amos Yadlin, ex-chefe da inteligência militar israelense. — Se o Irã continuar disparando mísseis, Israel também seguirá atacando e buscando novos feitos, atingindo os lançadores de mísseis e fábricas de mísseis, a indústria petrolífera e a liderança civil iraniana.
Aconteça o que acontecer no Irã, o sucesso de Netanyahu já mudou a cena política em Israel. Após o início dos bombardeios contra o território iraniano, há pouco mais de uma semana, pesquisas de opinião mostraram que sua coalizão atingiu o maior nível de apoio desde o início da guerra contra o Hamas em Gaza, no final de 2023.
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No domingo de manhã, seus maiores críticos aplaudiram o premier, incluindo ter convencido o presidente dos EUA, Donald Trump, a se juntar à batalha e destruir alvos que os aviões israelenses não conseguiriam.
— Não tenho problemas com ele aproveitar o momento — disse Yair Lapid, líder da oposição, em entrevista a uma rádio local neste domingo. — Esse é um sucesso para Netanyahu, para Trump e para o mundo livre. Isso era o que precisava acontecer.
Incentivado pelo golpe contra o Irã, Netanyahu pode demonstrar maior flexibilidade nas negociações por uma nova trégua e pela libertação de reféns em Gaza, dizem analistas.
Durante a maior parte da guerra, o premier evitou um acordo que permitisse ao que restou da liderança do Hamas continuar a exercer influência sobre o território. Os membros de extrema direita de sua coalizão ameaçaram deixar o governo se a guerra terminasse sem a derrota completa do grupo palestino. E com o partido de Netanyahu patinando nas pesquisas, ele parecia pouco afeito a concessões que pusessem sua aliança política em risco, como ocorreu na última rodada de conversas, em maio.
Agora, Netanyahu tem opções. Ao obter uma vitória militar contra o Irã, maior apoiador do Hamas, o premier poderá persuadir sua coalizão a concordar com conversas diretas com o grupo, de acordo com seu ex-conselheiro Nadav Shtrauchler.
— Em breve nós poderemos dizer “Mudamos o Oriente Médio. Agora precisamos ser mais flexíveis em outras frentes, em Gaza e sobre os reféns” — disse Shtrauchler. — Não acontecerá amanhã, mas uma janela de oportunidade foi aberta.
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Se concordar com um cessar-fogo em Gaza, isso por outro lado elevará as chances de Netanyahu obter outro objetivo de longa data: a normalização das relações com a Arábia Saudita, o mais poderoso país árabe.
Em conversas com diplomatas americanos no ano passado, afirmam fontes, a Arábia Saudita expressou sua disponibilidade para tal acordo, desde que a guerra chegue ao fim em Gaza e que Netanyahu concorde com a soberania palestina. O primeiro item ainda é um plano de longo prazo, e o segundo é ainda menos provável, dada a resistência de Netanyahu a um Estado palestino. Mas agora que depende menos de seus aliados de extrema direita, o premier pode ter mais espaço de manobra.
— Agora é mais fácil para ele avançar com grandes gestos diplomáticos, como um acordo com os sauditas — disse Shtrauchler. — Se ele tiver tempo hoje, fumará um grande charuto. Mesmo se ainda não tiver chegado ao fim, ele cumpriu uma das missões de sua vida, e está no caminho para cumprir outras.