- Veja: Saiba como é luxuoso castelo de R$ 12 bilhões onde Papa Leão XIV vai tirar férias
- Entenda: Leão XIV retomará tradição abandonada pelo Papa Francisco
Em outro caso, o bispo Prevost foi acusado de não investigar suficientemente as alegações de três mulheres que teriam sido abusadas por padres na infância. Os acusados eram dois padres da diocese do bispo Prevost em uma pequena cidade peruana, incluindo um que havia trabalhado em estreita colaboração com ele, segundo dois funcionários da igreja.
À medida que Robert Prevost assume o papado, tornando-se líder dos 1,4 bilhões de católicos do mundo, sua forma de lidar com os abusos sexuais cometidos pelo clero será examinada de perto. E os dois casos o deixaram exposto a julgamentos divergentes — elogios por ajudar as vítimas em um e alegações de que ele as decepcionou no outro.
No primeiro, as vítimas classificaram como heróico seu trabalho ao enfrentar o grupo ultraconservador “Sodalitium Christianae Vitae”, que se tornou mais influente depois que o Papa João Paulo II lhe deu seu selo de aprovação pontifícia.
Rompendo com outras figuras católicas poderosas no Peru, o bispo Prevost organizou conversas entre vítimas e líderes da Igreja e ajudou aqueles que sofreram abusos a obter ajuda psicológica e acordos financeiros. À medida que ascendia na hierarquia do Vaticano, o bispo Prevost continuou a aumentar a pressão sobre o Sodalício, que recebeu ordem de se dissolver apenas algumas semanas antes. Ele, então, se tornou o primeiro americano a liderar a Igreja Católica.
No segundo caso, na cidade de Chiclayo, no norte do Peru, de acordo com as três mulheres e os advogados das vítimas, o bispo Prevost conduziu uma investigação superficial que levou o Vaticano a encerrar o caso relativamente rápido. Eles também dizem que, apesar de uma ordem da igreja proibindo um dos padres acusados, o Rev. Eleuterio Vásquez, de exercer a profissão durante o inquérito, ele continuou liderando missas públicas.
Fotografias e vídeos postados no Facebook mostraram o padre Vásquez liderando cerimônias na igreja durante a investigação, levantando questões sobre que tipo de supervisão, se é que houve alguma, o bispo Prevost implementou para garantir que as vítimas fossem protegidas de um possível agressor.
As diretrizes do Vaticano desencorajam a “simples transferência” de um padre acusado para outra paróquia enquanto uma investigação estava em andamento.
O bispo Prevost também nomeou o Rev. Julio Ramírez para aconselhar as mulheres. O Padre Ramírez as alertou que não deveriam esperar muita responsabilização de Roma, pois o abuso não envolveu “penetração”.
— Não quero que soe mal — disse o Padre Ramírez a uma das mulheres em uma conversa telefônica gravada, cuja cópia foi obtida pelo New York Times. — Nem o estamos defendendo. Mas como não chegou a uma situação de estupro, sei que o que você vivenciou é traumático. Parece que deram prioridade a outros casos.
O Vaticano, por sua vez, diz que o bispo Prevost seguiu o protocolo da igreja depois que as mulheres o procuraram com suas alegações de abuso, conduzindo uma investigação inicial e enviando suas descobertas a Roma, onde uma decisão final seria tomada.
Ulices Damián, advogado da diocese de Chiclayo, disse que era “falso” que o bispo não tivesse feito nada para ajudar as mulheres. “Ele agiu de acordo com os procedimentos”, disse ele.
Uma ivestigação do New York Times também descobriu um segundo caso. Neste, um padre acusado de abusar de um menor conseguiu continuar suas funções clericais por anos enquanto o bispo Prevost liderava a diocese em Chiclayo — mesmo depois que a igreja ordenou que ele parasse de trabalhar em sua paróquia enquanto uma investigação era conduzida.
O Vaticano, portanto, tem lutado para reconstruir a confiança após anos de má conduta do clero, o que os defensores das vítimas dizem ter sido uma resposta lamentável por parte dos líderes da igreja.
- ‘Preocupado com o destino das crianças’: Papa Leão XIV faz alerta sobre o ‘desenvolvimento intelectual’ de jovens devido ao uso de inteligência artificial
As regras existentes do Vaticano para proteger as crianças, mesmo que o Papa as tenha seguido quando estava em Chiclayo, são um dos problemas fundamentais, segundo os defensores das vítimas, pois não conseguem fornecer total responsabilização ou justiça.
Ativistas pediram mudanças que incluem uma lei universal de tolerância zero, que removeria permanentemente do ministério clérigos considerados culpados por um tribunal eclesiástico de abuso ou de encobrimento de irregularidades. Atualmente, apenas autoridades católicas nos Estados Unidos impuseram tais padrões. A lei também exigiria supervisão independente dos bispos que lidam com casos de abuso.
No passado de Leão XIV, alguns veem um homem que toma medidas enérgicas contra abusos. Algumas das vítimas de Sodalício dizem que as críticas às suas ações em Chiclayo foram exageradas e amplificadas por forças favoráveis ao movimento, como um ato de retaliação.
— Ele nunca foi um bispo indiferente, indolente ou covarde — disse Pedro Salinas, jornalista e vítima de abuso no Sodalício.
Mas outros olham para o tempo do Papa em Chiclayo e veem um homem que não vai ultrapassar limites quando se trata de erradicar o abuso.
— Os sobreviventes não confiam nele — afirmou Peter Isely, membro fundador da Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres. — Ele vai ter que provar sua confiança e vai ter que se esforçar ao máximo.
Assim que o bispo Prevost assumiu a liderança da diocese de Chiclayo, em 2015, dois jornalistas peruanos lançaram um livro contendo detalhes chocantes sobre o Sodallício, que foi fundado em 1971 por um leigo, Luis Fernando Figari. O livro, escrito por Salinas e Paola Ugaz, chocou o establishment católico.
Intitulado “Meio Monge, Meio Soldado”, o livro conta que o grupo evoluiu para um movimento fanático de extrema direita com uma cultura de abuso sexual.
Em uma investigação independente, agentes, incluindo um ex-oficial do FBI, descobriram que Figari usava um chicote com pontas de metal para punir os membros, fazia seu cachorro mordê-los, queimava-os com uma vela acesa e os fazia usar um cinto que causava choques elétricos.
Em entrevista, vários sobreviventes disseram que poucos líderes religiosos no Peru estavam dispostos a levar suas alegações a sério. Dentre os que o fizeram, “o mais importante foi Robert Prevost”, disse Oscar Osterling, que se lembra de Figari convocando-o quando jovem, fazendo-o ficar nu e filmando-o.
Os membros do Sodalício incluíam o Arcebispo José Antonio Eguren, um poderoso líder da igreja na cidade de Piura, a três horas de carro de Chiclayo. Dezenas de vítimas acabaram se apresentando.
Em 2018, o bispo Prevost ajudou a organizar uma reunião em Lima, capital do Peru, entre altos clérigos e vítimas do Sodalício, ajudando-os a obter aconselhamento de saúde mental e pagamentos financeiros, de acordio com as vítimas.
Para um bispo da Igreja peruana, tomar essas medidas foi algo pioneiro. Durante anos, clérigos católicos proeminentes optaram por ignorar a situação, mesmo com inúmeras vítimas apresentando relatos angustiantes de abusos sexuais, físicos e psicológicos cometidos por líderes do Sodalício.
Então, em abril de 2023, o Papa Francisco trouxe o bispo Prevost para o Vaticano, onde foi nomeado para dirigir um influente departamento que supervisionava a seleção de novos bispos. Francisco também o nomeou cardeal naquele ano.
- Sabia? Papa Leão XIV é parente distante de Madonna e Justin Bieber, mostra investigação do NYT
Logo, o Vaticano enviou dois investigadores importantes ao Peru para analisar as alegações contra a Sodalício. Parte da investigação se concentrou no Arcebispo Eguren, que Ugaz disse estar envolvido em um esquema, junto com empresas ligadas ao Sodalício, para expulsar fazendeiros pobres de suas terras.
Um dos investigadores do Vaticano, Monsenhor Jordi Bertomeu, disse à mídia espanhola que o Cardeal Prevost desempenhou um papel “essencial” no enfrentamento do Sodalício, inclusive exigindo a renúncia do Arcebispo Eguren. O arcebispo fez isso e renunciou em abril de 2024, mas o bispo Prevost já estava enfrentando um desafio diferente.
Não consigo ficar quieto’
Embora ele tenha sido chamado de defensor das vítimas do Sodalício, as três mulheres de Chiclayo que alegaram ter sido vítimas de abuso clerical dizem que receberam um tratamento muito diferente. Tudo começou com uma visita que fizeram a Prevost em 2022.
Quando crianças, contaram ao futuro Papa que haviam sofrido abusos por parte de dois padres da diocese. Um deles, o Padre Vásquez, havia levado duas das meninas para um retiro nas montanhas em ocasiões distintas, como contaram posteriormente a um veículo de notícias, o Cuarto Poder, e que ele havia se deitado com elas.
— Ele começou a me levantar e me esfregar nele — contou uma das mulheres ao programa de televisão. Ela tinha 11 anos na época, segundo a reportagem, e disse que não entendia o que estava acontecendo.
Já Ana María Quispe, agora com 29 anos, tem se manifestado extensivamente nas redes sociais e na mídia peruana, dizendo que decidiu ir até o bispo Prevost porque estava assombrada pela ideia de que seu silêncio poderia ter permitido que um agressor continuasse a causar danos.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/0/K/bYzAqJQjmSVSBIP1EkFQ/papa-3.webp)
— Isso pode acontecer com a minha filha. Não consigo ficar calada. Chega de covardia — exclamou Quispe no TikTok, acrescentando que Prevost disse às mulheres que acreditava nelas e até as encorajou a denunciar o abuso às autoridades civis, o que elas fizeram. Porém, segundo ela, não pareceu acontecer muita coisa.
A diocese alegou em declarações públicas que o Padre Vásquez havia sido “proibido” de celebrar a missa em meio a uma investigação.
Postagens em redes sociais, no entanto, mostraram o Padre Vásquez continuando a participar publicamente da missa pelo menos três vezes durante o período em que o Vaticano informou que uma investigação estava em andamento. Ele foi até fotografado celebrando a missa com o bispo Prevost.
Como o Vaticano deve agir
Em casos de abuso, as diretrizes do Vaticano instruem os líderes da Igreja a conduzir uma investigação inicial e enviar suas conclusões a Roma. O Vaticano sugere que os líderes reúnam depoimentos e estabeleçam fatos básicos, mas lhes dá ampla liberdade para decidir o que relatar aos superiores.
Um porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, disse que a investigação do bispo Prevost foi “além dos requisitos” e incluiu o recebimento de um relatório escrito das mulheres e a busca nos arquivos da diocese por acusações semelhantes contra o padre Vásquez.
Os promotores peruanos encerraram a investigação civil em 2022, segundo a diocese, mesmo ano em que as mulheres recorreram ao bispo Prevost com suas acusações — as alegações datavam de tantos anos antes que estavam fora do prazo de prescrição.
O Vaticano, enfim, encerrou sua própria investigação sobre as alegações das mulheres em agosto de 2023, citando a decisão das autoridades civis e a falta de provas.
No outro caso em Chiclayo identificado pelo The Times, a diocese ordenou que um padre, o Rev. Alfonso Raúl Obando, acusado de abusar sexualmente de uma menor, interrompesse qualquer trabalho clerical em sua paróquia.
- Leia também: após embates com Francisco, conservadores serão um desafio ao moderado Papa Leão XIV
No entanto, mais de uma dúzia de postagens no Facebook, muitas delas do período em que o bispo Prevost liderava a diocese, mostravam o padre continuando a trabalhar — muitas vezes com crianças. Em um caso, o Padre Obando usou uma página da igreja no Facebook para pedir que crianças lhe enviassem fotos diretamente pelo WhatsApp.
O Vaticano retirou recentemente o status clerical do Padre Obando, mas ele continuou trabalhando em Chiclayo.
Quispe ficou indignada com a forma como seu caso foi conduzido e, a partir de novembro de 2023, começou a se manifestar nas redes sociais, acusando os líderes da igreja de não fazerem justiça ou prestarem contas e colocando parte da culpa no bispo Prevost.
— Eles sempre os protegem — disse ela no TikTok sobre os padres acusados, dando-lhes “total liberdade para continuar a causar danos sem repercussões”.
Um intermediário acabou colocando as mulheres frustradas em contato com o Rev. Ricardo Coronado, um padre com tendências conservadoras que havia sido fotografado socializando com membros do Sodalício.
Foi o Padre Coronado quem conectou as mulheres ao programa de notícias Cuarto Poder, o que ampliou ainda mais as críticas ao bispo Prevost. Críticas semelhantes a ele já estavam aumentando na mídia peruana, especialmente em sites conservadores, como La Abeja, que tentaram desacreditar as investigações sobre o Sodalício.
Algumas vítimas, inclusive, disseram acreditar que o grupo estava por trás desses esforços, usando as alegações das mulheres como arma para atingir Prevost.
— Eles montaram uma campanha de difamação contra Prevost, assim como fizeram contra mim — disse Rocío Figueroa, de 57 anos, que disse ter sido abusada sexualmente por um líder do Sodalício quando tinha 15 anos.
O envolvimento do Padre Coronado no caso foi breve. Após alguns meses representando as mulheres, ele foi destituído do cargo em meio a outras alegações de má conduta. Na entrevista, ele afirmou que foi destituído para se afastar do caso. Ele também insistiu que não agiu em nome da Sodalício para representar as mulheres.
O advogado das mulheres não quis comentar. A igreja também não disponibilizou o Padre Vásquez para uma entrevista.
Um segundo padre acusado por Quispe tem uma doença degenerativa, segundo a diocese, e “não tem condições de se defender, então nenhum caso pode ser aberto contra ele”.
No final de 2023, citando a decisão de Quispe de se manifestar, a diocese de Chiclayo disse que havia reaberto a investigação sobre o Padre Vásquez.
Com o caso em andamento, o Padre Vásquez pediu recentemente para deixar o sacerdócio, segundo uma pessoa com conhecimento direto do caso. O Padre Vásquez aguarda uma decisão do Vaticano.
Coronado, o ex-advogado canônico, disse acreditar que o novo Papa lidou mal com as reivindicações das mulheres em Chiclayo — não por malícia, mas por inexperiência.
— O Papa é outro ser humano — disse ele. — Ele não é Deus.