Os chamados carros voadores, veículos elétricos de passageiros que são objeto de uma corrida tecnológica mundial, podem atuar com custo operacional até 30% menor do que os helicópteros usados atualmente no Brasil, avalia João Welsh, presidente da Revo. Em entrevista ao GLOBO, o executivo diz que essa redução de custos abre espaço para replicar o modelo da aviação comercial, com diferentes classes de serviço: econômica, executiva e primeira classe. A Revo já oferece o pacote completo, combinando voos de helicóptero com serviços integrados de mobilidade urbana por carro.
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— Eu não quero me comprometer com números, mas diria que (a economia deve ser de) pelo menos entre 25% e 30% para a empresa. Agora, o tempo em que nós vamos conseguir chegar a essa economia ainda é incerto, porque a introdução de uma nova tecnologia exige sempre uma fase inicial de aprendizado, investimento e infraestrutura.
Neste ano, a empresa fechou um contrato de R$ 1,4 bilhão com a Eve, da Embraer, para comprar 50 aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical, chamadas de eVTOLs. O acordo prevê serviços de suporte e manutenção em São Paulo, e as primeiras entregas estão previstas para o quarto trimestre de 2027.
Welsh lembra que não basta ter a aeronave pronta: será necessário treinar pilotos e mecânicos, criar sistemas de controle de tráfego aéreo e adaptar os helipontos em cidades como São Paulo. A empresa já está identificando os melhores pontos da capital paulista para transformá-los em bases seguras e de fácil acesso, algo que o executivo considera essencial para que os voos deixem de ser apenas uma promessa futurista. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.
A Revo fechou recentemente um contrato com a Eve. Qual é a visão estratégica por trás desse investimento?
Nós fundamos a Revo com helicópteros, mas já tínhamos essa visão do eVTOL. Conversamos com a Eve há muitos anos e existe uma troca de informações relevante para aprimorar os projetos de ambos os lados. Tudo isso culmina em um contrato que vai muito além da compra das aeronaves. É o primeiro contrato celebrado, mas o mais relevante é o que está por trás dele: encontramos as respostas para os desafios necessários para começar a voar com essa tecnologia.
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A que desafios o senhor se refere?
Existe todo um conjunto de ferramentas que os nossos mecânicos utilizam no dia a dia, mas que vão ser completamente diferentes para os eVTOLs. Uma coisa é trabalhar com helicópteros, com peças mecânicas; outra é trabalhar com um veículo que tem sobretudo componentes elétricos e eletrônicos. Onde podemos comprar as peças que precisarem ser trocadas nos eVTOLs? Como vamos carregar essas aeronaves? Além disso, como vamos treinar pilotos? Como controlar o tráfego nos céus? Temos de ter tecnologias mais avançadas do que as que existem hoje. Existe um compromisso contratual entre nós e a Eve, não só de compra, mas para a entrega de todos esses elementos que vão permitir a entrada de serviço do eVTOL. Nosso calendário de atividades começa em outubro. Não posso revelar todas, mas envolvem, por exemplo, uma espécie de pré-treinamento de pilotos.
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Qual deve ser a economia trazida pelo uso de eVTOLs?
Não quero me comprometer com números exatos, mas diria que algo entre 25% e 30% parece bastante realista. Agora, o tempo em que nós vamos conseguir chegar a essa economia é incerto, porque a introdução de uma nova tecnologia exige sempre uma fase de aprendizado e investimentos. O principal fator que enxergamos hoje (quanto à redução de custos) está relacionado à manutenção das aeronaves. São aeronaves com menos componentes mecânicos. Além disso, antecipa-se que elas passem menos tempo no chão para manutenção, o que também reduz custos. Do ponto de vista da entrega ao cliente, há outros fatores: a redução do ruído, um elemento muito presente hoje em nosso dia a dia; a pegada de carbono; e a segurança. O nível de certificação ao qual os eVTOLs estão sujeitos garante um padrão de segurança elevado. Portanto, esses três fatores reúnem os propósitos que queremos alcançar.
Os custos de infraestrutura impactam esse cálculo de economia?
Se conseguirmos reduzir os custos de manutenção e operacionais, mas a infraestrutura se tornar muito mais cara, isso pode diminuir a margem. Existem algumas variáveis, mas, de modo geral, é esperado que haja uma redução a médio e longo prazo. A intenção é começar a repassar essa redução ao cliente em diferentes tipos de produtos, é semelhante ao que acontece na aviação convencional. Hoje, é possível voar em classe econômica, business ou first class. Espera-se que haja produtos diferenciados também no nosso caso, incluindo opções econômicas para quem busca apenas chegar rápido com o menor custo possível.
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A ideia da empresa é continuar apostando no segmento “premium”?
No momento inicial nós continuaremos a apostar no segmento premium, mas existem planos de, no momento certo, termos uma marca que atenda o segmento que procura serviços mais econômicos.
Ainda não decidimos se seria uma marca diferente ou uma subcategoria da marca, mas vamos lançar alguma coisa, ainda não definimos como. O nosso core hoje continua a ser o segmento premium.
A infraestrutura de recarga é um dos obstáculos para a operação dos eVTOLs?
O desafio está mais relacionado a onde instalar os pontos de carregamento, pensando onde faz sentido também do ponto de vista do planejamento urbano. A ideia é posicionar os pontos de forma a permitir o máximo de viagens possíveis, sem múltiplas recargas, e garantir que as aeronaves possam retornar a uma base.
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De que forma a inteligência artificial está sendo aplicada na Revo, e qual é seu potencial para transformar a mobilidade aérea como um todo?
Usamos um algoritmo para entender os intervalos de tempo e combinar rotas. Basicamente, o software analisa os voos no aeroporto: de onde vêm, se são longos e em que horários chegam. Se um voo chegar às seis da manhã, o cliente ainda precisará enfrentar trânsito e passar pela alfândega, podendo levar até duas horas para chegar a uma reunião, por exemplo. Nesse caso, vale a pena oferecer um voo da Revo naquele horário. Todos os nossos dados podem ser enriquecidos, extraindo informações adicionais que melhorem o serviço e gerem ideias de novas soluções para os clientes. A IA também será muito importante na mobilidade porque permite fazer cálculos avançados e chegar a conclusões rapidamente. Somos nós que fazemos as perguntas, mas essas ferramentas ajudam a encontrar soluções de forma mais rápida e eficiente.
Há pretensão de expansão da Revo para outras cidades? Quais e quando?
Sim. Eu não posso revelar as cidades ainda, mas temos um plano de expansão que envolve no mínimo dez cidades. Nos próximos três anos, queremos abrir de cinco a seis cidades. O plano foca em cidades fora do Brasil com características semelhantes às de São Paulo
A empresa não considera outras cidades no país?
Pode acontecer. Nós estamos sempre olhando para tudo, mas não é a prioridade. (A prioridade) é a expansão internacional, um projeto do Brasil para o mundo, o que não invalida que se abram projetos em outras cidades no país.
Há planos de crescimento de frota para os próximos anos?
Nos próximos meses teremos, no mínimo, mais uma aeronave. Hoje nós temos três aeronaves, duas delas com capacidade de oito pessoas e uma com capacidade para cinco pessoas. A ideia é trazer pelo menos mais uma, mas provavelmente duas, até o fim do ano. No próximo ano, estamos a falar de trazer provavelmente mais três. Devemos chegar ao fim do próximo ano provavelmente com cerca de oito aeronaves.