O governador Cláudio Castro analisa vetar nos próximos dias a chamada “gratificação faroeste”, emenda aprovada na última terça-feira pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) ao projeto do Executivo de reestruturação do quadro permanente da Polícia Civil. O texto incluído permite que o agente receba de 10% a 150% do salário se apreenderem armas de grande calibre ou “neutralizarem” criminosos em operações — termo entendido, na prática, como matar.
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Segundo interlocutores, o tema vem sendo discutido reservadamente nos bastidores do Palácio Guanabara com aliados mais próximos, diante da avaliação de que a medida pode provocar desgaste à imagem do governo diante da pressão da opinião pública. Há ainda a percepção de que adversários políticos poderiam explorar a proposta para desgastar Castro no cenário eleitoral de 2026.
A eventual decisão de veto ganha ainda mais peso no Palácio Guanabara com a posse do ministro Edson Fachin na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), marcada para esta segunda-feira (29). Fachin foi responsável, em 2020, pelo voto monocrático que restringiu operações policiais durante a pandemia, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. A avaliação interna é de que a gratificação poderia ser interpretada como “incentivo a confrontos letais, em desacordo com decisões recentes da Corte”, o que aumentaria o risco de questionamentos judiciais, dizem as fontes.
Fontes próximas ao Executivo citam ainda outros fatores em debate: o estado permanece sob o Regime de Recuperação Fiscal, que impede a criação de novas despesas; a existência prévia de uma premiação prevista para apreensão de armas; e o Sistema Integrado de Metas, que orienta as políticas de segurança, privilegiando a redução de indicadores de violência em vez de qualquer estímulo à letalidade.
Outro ponto levado em conta é a sinalização do Ministério Público Federal (MPF) de que pretende questionar a medida na Justiça caso seja sancionada.
Parlamentares que defenderam a gratificação afirmam, porém, que ela não tem como objetivo estimular mortes, mas “reconhecer policiais que, no exercício da sua função, arriscam a própria vida no combate ao crime”.
Nos corredores do governo, aliados ponderam que o comportamento do governador pode ser imprevisível, lembrando episódios recentes — como a demissão do ex-secretário Washington Reis, anunciada pelo presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União), quando ainda estava como governador interino e com quem o governador rompeu relações após o episódio. Na ocasião, Castro chegou a dizer que a exoneração de Reis seria revertida. Por isso, mesmo com a pressão crescente, há quem recomende cautela antes de cravar qual será a decisão final.
O GLOBO procurou oficialmente o governo do estado para comentar a possibilidade de veto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) havia notificado o governador Cláudio Castro sobre inconstitucionalidades no projeto da “gratificação faroeste”. No ofício (nº 11793/2025), assinado pelo procurador da República Júlio José Araújo Júnior, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/RJ) elenca três pontos centrais de inconstitucionalidade: vício de iniciativa, descumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635 e violação do direito fundamental à segurança pública.
“Na contramão dessa perspectiva, a evocação da letalidade policial como fator de promoção da segurança pública carece de qualquer comprovação, além de gerar efeitos contrários ao prometido”, afirma o ofício.