No novo “A máquina que pensa” (Intrínseca), o jornalista americano Stephen Witt conta a história de Jensen Huang, o imigrante taiwanês que fundou a Nvidia. A fabricante de chips se tornou a empresa mais valiosa do mundo, com capitalização de US$ 4,4 trilhões, graças à demanda por inteligência artificial.
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No livro, o retrato que emerge é de um executivo ao mesmo tempo brilhante e neurótico e que, embora desconfortável com a política, parece disposto a fazer o que for preciso para destravar obstáculos — seja na casa Casa Branca ou em Pequim.
O sucesso da Nvidia foi um golpe de sorte?
Imagine que eu lance uma rede de pesca todos os dias durante dez anos. Se eu pescar o maior peixe já visto, tive sorte? Isso é muito parecido com o que a Nvidia fez. A empresa passou dez anos construindo ferramentas de supercomputação de baixo custo e alto desempenho na esperança de que algum campo científico fosse desbloqueado por elas. Só não sabia que seria a IA.
Foi uma aposta calculada, então?
Foi um insight de que o mundo precisava de um sistema de computação com essa configuração. Os cientistas perceberam que as placas gráficas da Nvidia poderiam ser reaproveitadas para pesquisa, e Huang apostou nisso. Wall Street não gostou porque custava caro e tinha pouquíssimos clientes. Era preciso acreditar que surgiria uma nova fronteira. A Nvidia achava que talvez fosse na física quântica, na termodinâmica etc. Se fizessem uma lista das 25 principais aplicações, a IA não apareceria.
As redes neurais estavam fora de moda?
Sim, era excêntrico, um suicídio profissional. Mas, em 2012, um grupo de pesquisa em Toronto usou a plataforma de Huang para rodar uma rede neural. Os resultados impressionantes provocaram mudança de paradigma em IA.
Sim. Quando os mesmos pesquisadores de Toronto foram contratados pelo Google, eles desconectaram os supercomputadores com chips Intel e rodaram em placas da Nvidia num armário — e era muito mais rápido. Quando o Google percebeu, encomendou US$ 100 milhões em equipamentos da Nvidia. Em um fim de semana, Huang teve uma epifania e se convenceu de que isso dominaria a computação. Era fim de 2013. Ele enviou e-mail a todos na empresa dizendo: “Somos agora uma companhia de IA.” Nem o Google tinha feito isso — foi um risco enorme.
O livro mostra a fúria de Huang diante de qualquer menção a possíveis consequências catastróficas da IA. É a irritação genuína de alguém que não teme problemas ou a reação cínica de alguém que ficou rico com IA?
Huang pensa assim; não acho que seja cinismo — embora tenha sido um ano cínico para a Nvidia, já que muito do que aconteceu envolveu basicamente agradar Trump. Huang precisou virar um operador político e não gosta disso, o que traz uma dose de cinismo. Mas, em relação aos riscos da IA, ele não está sozinho em achar que são exagerados. Muitos cientistas respeitados pensam assim, como Andrew Ng e Yann LeCun. Nem os especialistas concordam. Huang acredita que esses riscos hipotéticos não têm base na realidade. Pior: que esse temor inibe o progresso e pode fazer os EUA perderem a corrida para a China.
O acordo de Huang com Trump foi surpreendente?
Sim. Ele não foi à posse de Trump, mas ficou claro que precisaria dele, especialmente pelas licenças de exportação para a China. Se puder vender para a China, dobra o tamanho do mercado.
Huang tem pavor de que surja algo de IA que ele deixou escapar, especialmente vindo da China.
Como no momento do DeepSeek…
Exatamente. E, se isso envolver falar com o Estado chinês, que seja. Trump, por sua vez, gosta de estar cercado de vencedores, e Huang lidera a empresa mais valiosa do planeta. Ele não vai deixar emoções atrapalharem. Ele vai dizer ou fazer o que for preciso junto a Trump, dizer o que ele quiser ouvir, para fazer o preço da ação da Nvidia subir. Ele encara Trump como um problema de engenharia: testa uma entrada, observa a saída. Se não funciona, ajusta o modelo até entender como obter o resultado desejado.
Huang não acha que a Nvidia tem lugar garantido no Olimpo da IA?
Ele é totalmente neurótico, movido por emoções negativas. Perde o sono imaginando cenários em que a Huawei tome todo seu negócio.
Como Huang se vê em comparação a outros fundadores de Big Techs?
Huang tem ego, mas não é Larry Ellison nem Elon Musk. Não se divorcia para ter dez filhos, não compra iate. É mais centrado. Mesmo que não seja verdade, quer ser visto como uma pessoa comum. Já Musk e Ellison são o oposto: precisam ser vistos como extraordinários.
Jensen também tem sido celebrado pelo estilo de gestão. Quais são as principais diferenças?
Huang dedica praticamente todo o seu tempo à gestão. Não tem hobbies, não tira muitas férias. Ele delega aos funcionários um volume cada vez maior de tarefas até perceber que chegaram ao limite. Aí, retira uma delas para que a equipe opere no máximo da capacidade. Ao mesmo tempo, está sempre ouvindo os funcionários da linha de frente. Tem os dedos em tudo. Pode ser chamado de microgestão, mas é também um monitoramento constante do pulso da companhia.
Ele também explode com funcionários…
Sim. Quando você desagrada Huang, ele não apenas grita: faz isso diante de todos. Ele gosta de gritar. Só que funciona porque ele gere com uma combinação maquiavélica de amor e medo.
Todos na Nvidia o amam. Ele os deixou ricos. Mas também o temem.
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