A partir de hoje, os produtos chineses importados pelos Estados Unidos estão sujeitos a sobretaxas de 104%. Na segunda-feira, o presidente americano, Donald Trump, anunciou que imporia tarifas extras de 50% depois de Pequim anunciar uma retaliação às taxas anteriormente anunciadas, que somavam 54%. Após a Casa Branca confirmar as novas tarifas ontem, os mercados entraram em trajetória de queda. No Brasil, o dólar comercial chegou a bater R$ 6.
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A China, por sua vez, deixou claro que não recuará. Antes de o governo americano confirmar a taxação de 104%, Pequim já havia avisado que vai “revidar até o fim”. E começou a usar seu arsenal ontem mesmo: o Banco Popular da China afrouxou seus rígidos controles cambiais, e o yuan perdeu fôlego frente ao dólar.
A moeda chinesa era cotada ontem a US$ 0,13625 — ou seja, um dólar era negociado a 7,3394 yuans —, uma mínima histórica. A taxa de câmbio estabelecida pelo BC chinês para a divisa americana ficou em 7,2038 yuans, o menor valor desde setembro de 2023.
Para Reinaldo Le Grazie, ex-diretor do Banco Central e sócio da Panamby Capital, a desvalorização do yuan cria espaço para aumentar a competitividade da China frente às tarifas. E alertou:
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— O yuan desvalorizar é uma força para desvalorizar o real. É natural que uma moeda emergente como a do Brasil, que tem ligação com commodity e depende do investimento direto do estrangeiro geral, se desvalorize. O cenário internacional, de cada um por si, torna difícil, porque o bolo vai ficar menor. Mas o que a China fez, diante da inflação baixa, é perfeito.
O diretor-gerente de Mercados Emergentes do banco Wells Fargo, Aroop Chatterjee, disse à Bloomberg que a desvalorização do yuan será “controlada e persistente”.
Representantes do governo chinês afiaram o discurso contra as medidas dos EUA.
— Guerras comerciais e guerras tarifárias não têm vencedores, e o protecionismo não tem saída — disse o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi.
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O porta-voz da pasta, Lin Jian, reforçou:
— Intimidação, ameaça e chantagem não são a forma correta de lidar com a China.
Por sua vez, um porta-voz do Ministério do Comércio advertiu que a alta das tarifas “expõe a natureza chantagista dos Estados Unidos.”
A nova escalada na guerra comercial afetou os mercados. Ásia e Europa, devido ao fuso horário, fecharam em alta. Nos EUA e no Brasil, o dia também começou otimista. O Ibovespa chegou a subir 1,64%, enquanto o Nasdaq, que concentra papéis de tecnologia, saltou 4%. Mas tudo virou após a confirmação das tarifas.
“Guerras comerciais e guerras tarifárias não têm vencedores, e o protecionismo não tem saída”, diz Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China
O Nasdaq fechou em queda de 2,15%, o Dow Jones caiu 0,84%. O S&P 500, mais amplo, perdeu 1,57% e ficou abaixo dos 5 mil pontos. Desde que Trump anunciou tarifas recíprocas, há uma semana, o S&P acumula perda de 12%.
Em São Paulo, o Ibovespa recuou 1,32%, aos 123.932 pontos. Já o dólar comercial avançou 1,47%, a R$ 5,997, a maior cotação desde 21 de janeiro. Na máxima, a moeda chegou a ser negociada a R$ 6 e, no mês, acumula alta de 5,11%.
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Pesaram aqui a queda das commodities e o peso da China para a economia brasileira, diz André Valério, economista-sênior do Banco Inter. Ele avalia que tanto o país asiático como os EUA serão os mais afetados pela guerra comercial, o que pode ter impacto negativo na moeda brasileira.
A Vale ON caiu 5,48%, a R$ 49,20, devido à queda de 3,15% do minério de ferro. Já as ações preferenciais da Petrobras (PN, sem voto) caíram 3,56%, a R$ 32, com a queda do petróleo. O barril do tipo Brent caiu 2,2%, a US$ 62,82, enquanto o do WTI perdeu 1,9%, a US$ 59,58 — ambos no menor patamar em 4 anos.
Em Washington, a tática foi culpar a China pela escalada da guerra comercial:
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— Foi um erro a China retaliar — afirmou a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt. — Quando os Estados Unidos recebem um soco, (o presidente) dá um soco mais forte. É por isso que as tarifas de 104% entrarão em vigor na China hoje (ontem) à meia-noite.
Ao anunciar as tarifas retaliatórias, aplicáveis a mais de 60 países, a Casa Branca informou que a faixa mais baixa, de 10% (na qual está o Brasil) entraria em vigor no último dia 5; as maiores, que vão até 50%, passam a valer hoje. A previsão, segundo o site da CNBC, é recolher tarifas de 86 países.
Mas até no governo há divergências. Elon Musk, dono da Tesla e que ainda assessora Trump, disse ontem que Peter Navarro é “imbecil” e “um completo idiota”. Navarro, um dos principais assessores comerciais da Casa Branca, havia dito à rede CNBC que Musk “não é um fabricante de automóveis”, mas “um montador”, que trabalha com peças importadas da Ásia. O dono da Tesla ressaltou que seus carros são aqueles com maior número de componentes fabricados nos EUA.
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Leavitt, da Casa Branca, minimizou a briga dizendo que “garotos são assim mesmo”.
A União Europeia, enquanto isso, faz um apelo pela negociação. A presidente da Comissão Europeia, o braço executivo da UE, Ursula von der Leyen, em conversa com o premier chinês, Li Qiang, pediu ontem que os países evitem uma escalada nas tensões comerciais. Ela enfatizou a responsabilidade de Europa e China “para apoiar um sistema de comércio reformado, livre, justo e nivelado.”
A Casa Branca, por sua vez, se diz aberta a negociações. Trump disse ontem que mais de 70 países já entraram em contato, entre eles Japão e Coreia do Sul. À noite, em evento do Partido Republicano, Trump teria dito que a China estaria manipulando o câmbio para escapar das tarifas, segundo a Reuters. E indicou que seu próximo alvo em tarifas será o setor farmacêutico.
Em evento em São Paulo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar Trump por causa do tarifaço:
— Ninguém briga com quase 200 países. A coisa mais importante hoje é o multilateralismo.
Já o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também em São Paulo, disse considerar o Brasil mais bem posicionado que outros países da América Latina para enfrentar o tarifaço:
— Tem reservas cambiais, um saldo comercial robusto. Não é o caso de nenhum outro país latino-americano, por exemplo. Diante do incêndio, relativamente, nós estamos mais perto da porta.