Normalmente, em sets de filmagem, apenas grandes estrelas ganham trailers extravagantes e enormes camarins. Mas em “The friend” (“Meu companheiro fiel”, na versão brasileira), um desconhecido era uma estrela realmente grande, ainda maior do que sua parceira de cena, a atriz Naomi Watts. O novato, Bing, é o dogue alemão arlequim no centro de “The Friend”, filme baseado no romance vencedor do National Book Award de Sigrid Nunez. Com cerca de 70 quilos, ele precisava de acomodações substanciais entre as cenas para poder descansar e mover seu corpo de pônei. Seu pedido de trailer foi aprovado.
“The Friend” conta a história de uma escritora chamada Iris (Watts) que está de luto pela morte por suicídio de seu mentor, Walter (Bill Murray). O difícil processo de luto é agravado quando ela descobre que Walter pediu que ela cuidasse de seu cachorro, o enorme Apollo (Bing), que está atolado em tristeza. Apollo inicialmente resiste às afeições de Iris, ansiando por seu dono morto e assumindo seu pequeno apartamento em Nova York. E aí… eles se curam juntos.
Quando Watts recebeu o roteiro, ela não estava segura de que o filme daria certo.
— Na indústria cinematográfica, conhecemos os velhos ditados: você vai gastar mais tempo e mais dinheiro se adicionar animais e crianças, e esse filme tinha um orçamento pequeno para Nova York — ela disse em uma entrevista por chamada de vídeo.
Mas os diretores do filme, Scott McGehee e David Siegel, não se intimidaram e começaram a encontrar o filhote perfeito para o papel. Para isso, foram até o veterano treinador de animais William Berloni, que também tinha suas dúvidas. Ele achava que seria impossível encontrar um cão que se encaixasse nos requisitos do papel: um dinamarquês malhado preto e branco com seus testículos ainda intactos e que tivesse qualidade de estrela de cinema.
Após uma busca pelo país que durou cerca de cinco meses entre 2019 e 2020, Berloni entrou em contato com Bev Klingensmith, uma criadora do Iowa. Klingensmith achou que o e-mail era spam. Mesmo quando percebeu que não era, ela não achou que seria realista.
— Eu pensei “legal, mas não para mim” — disse ela.
Klingensmith também trabalha em um emprego de tecnologia no setor financeiro. Depois de reconsiderar, ela decidiu que ajudaria a produção a encontrar um cão que não fosse o dela. Mas Bing, que na época tinha 18 meses, acabou sendo o candidato ideal, e ele e Klingensmith acabaram passando três meses em Nova York para preparação e filmagem.
— Ficou muito óbvio, quando conhecemos Bing, que ele tinha qualidade de estrela — disse McGehee.
Klingensmith, que possui quatro gerações da linhagem de Bing, sempre soube que Bing era especial.
— Ele é um daqueles cães com quem você consegue falar frases básicas e ele fica tipo: “eu sei o que você precisa e vou fazer isso” — disse ela em uma videochamada enquanto Bing estava deitado atrás dela em uma cama de cachorro cavernosa.
Mas, apesar de sua capacidade de resposta natural, Bing ainda teve que se preparar para a filmagem, que acabou sendo adiada por causa da pandemia e das greves da indústria do entretenimento. Nesse ínterim, Klingensmith trabalhou em uma habilidade que era difícil para Bing: fazê-lo segurar algo na boca para uma cena em que ele tem que agarrar a camiseta velha de Walter, abraçando-a como um brinquedo de conforto.
— Ele não é um retriever. Isso não é fácil para ele — disse Klingensmith.
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Semanas antes das filmagens, Berloni e Klingensmith começaram a apresentar Watts a Bing. A atriz se considera uma amante dos animais e não tem medo de um pouco de baba. No começo, ela achou que as longas sessões de treinamento eram excessivas, mas quando conheceu Bing, ela percebeu como o tamanho dele afetaria o que eles precisavam fazer juntos na tela:
— Ele é muito forte e pesa muito mais do que eu. Vamos estar nas ruas de Nova York, onde há todo tipo de interferência.
Eles tinham que estar preparados para encontrar carros, curiosos e outros cães, alguns dos quais podem não ser tão dóceis quanto Bing.
No início das filmagens, ela disse que se sentiu “sobrecarregada” por ter que atravessar a Sétima Avenida com Bing enquanto o trânsito seguia em sua direção.
Havia regras rígidas no set para manter Bing calmo e solidificar o vínculo entre ele e Watts. Ninguém além dela, Berloni e Klingensmith tinha permissão para interagir com ele entre as tomadas.
Embora Berloni tenha dito que a maior recompensa de Bing era o elogio de Klingensmith, ele também ganhava guloseimas de frango e bife. Todas as noites, os treinadores se retiravam para uma casa em Staten Island, onde Bing e seu substituto canino ficavam e os humanos se revezavam para cozinhar as recompensas do dia seguinte: um quilo de carne. (No final, o substituto não foi usado.)
Bing, deve-se dizer, é um menino muito bom. Mas às vezes ser um menino tão bom não era o que o roteiro exigia, o que representava um desafio para os cineastas.
Watts relembra uma cena em que uma personagem interpretada por Constance Wu diz a Apollo para sair do seu sofá chique.
— Este é um cão bem treinado e não quer cometer erros, então ele saía imediatamente, mas ele deveria ficar porque ele deveria ser um cão mau neste momento — disse Watts. — Mas o que aconteceu com ele depois de ouvir “Não, não, saia”, foi que ele entrou em um pequeno estado de desânimo. Ele se sentiu deprimido, desapontado por causa da confusão. Então tivemos que repensar e reorganizar como fazer isso.
Os treinadores também empregaram alguns truques para fazer Bing transmitir as emoções certas para as cenas sem aborrecê-lo muito. “The Friend” depende de Bing parecer triste, uma característica que ele desempenha incrivelmente bem. Parte disso são seus olhos naturalmente caídos e papadas grandes, mas Berloni e Klingensmith também treinaram alguns movimentos que se aproximavam do desânimo. Em outros casos, Berloni dizia a Klingensmith para sair do estúdio.
— Ele meio que olhava ao redor e suspirava por ela — disse Berloni.
E como muitos cães, Bing reagia às ações dos humanos ao seu redor. Se Watts, como Iris, estava chorando, ele reconhecia que algo estava errado.
— Acho que o incomodava que ela estivesse chateada — disse Klingensmith. — E não sei se os cães sempre sabem exatamente como expressar isso além de apenas estarem lá.
Mesmo com os desafios, Bing gostava de ser ator? Parecia que sim, pelo menos segundo Klingensmith.
— Ele realmente gostava. E ele também aprendeu o que “corta” significa. Quando gritavam “corta”, ele gostava e dizia, “Tudo bem!”