— A guerra acabou. A guerra acabou. Certo. Você entendeu? — disse Trump antes de embarcar para Israel, na noite de domingo, anunciando o tom que seria adotado em seus discursos e aparições públicas nas horas seguintes.
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Pouco se sabe sobre o que foi de fato assinado. Ao mesmo tempo em que o cessar-fogo, o retorno dos reféns, a libertação de prisioneiros palestinos e a retomada da entrada de ajuda em Gaza foram confirmadas, há questões importantes em aberto. Até que ponto o Hamas concordou com o desarmamento? Quem fará parte do governo provisório de Gaza? E o que fazer com a Cisjordânia, cuja anexação foi aprovada em moção simbólica pelo Parlamento israelense em julho, e é crucial nos planos para um futuro e hipotético Estado palestino?
No roteiro trumpista havia espaço apenas para notícias positivas e para elogios, que não foram poucos em sua primeira escala, Israel.
— [Trump] é o maior amigo que Israel já teve na Casa Branca — disse o premier Benjamin Netanyahu, em discurso no Parlamento. — Senhor presidente, o senhor está comprometido com esta paz. Eu estou comprometido com esta paz. E juntos, senhor presidente, alcançaremos esta paz.
Trump é ovacionado de pé no Parlamento de Israel
A cada menção ao presidente, o plenário se enchia de palmas. Quando Trump tomou o púlpito, não era mais o convidado de uma Casa legislativa, mas sim alguém em um familiar palanque de campanha, ou como se estivesse em algum veículo de imprensa aliado.
— Após dois anos angustiantes, escuridão e cativeiro, 20 reféns corajosos estão retornando ao glorioso abraço de suas famílias — afirmou Trump, sob aplausos.
Por pouco mais de uma hora, Trump destinou elogios a Netanyahu, o chamando de um dos maiores líderes em tempos de guerra, pediu que um processo por corrupção contra o premier fosse abandonado e criticou seus dois antecessores na Presidência, Barack Obama e Joe Biden. Sobrou espaço para elogios ao líder da oposição, Yair Lapid (com um sorriso amarelo de Netanyahu) e para louvar o bombardeio contra instalações nucleares iranianas, em junho. Ignorando o longo caminho até uma paz duradoura, ele afirmou que o acerto entre Israel e Hamas era o “alvorecer histórico de um novo Oriente Médio”.
— Vamos construir um legado do qual todos os povos desta região se orgulharão. Novos laços de amizade, cooperação e comércio unirão Tel Aviv a Dubai, Haifa a Beirute, Jerusalém a Damasco, e de Israel ao Egito, da Arábia Saudita ao Catar, da Índia ao Paquistão, da Indonésia ao Iraque, da Síria ao Bahrein, da Turquia à Jordânia, dos Emirados Árabes Unidos a Omã e da Armênia ao Azerbaijão — afirmou Trump.
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Enquanto os aplausos — e um breve protesto de dois deputados — davam o tom em Israel, a algumas centenas de quilômetros dali, no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh, dezenas de líderes de países e organizações internacionais o aguardavam para a cerimônia simbólica de assinatura do acordo. Foi uma espera longa até que o Air Force One, levando a bordo o protagonista da tarde, chegasse.
— Vamos assinar um documento que vai definir muitas regras e regulamentos e muitas outras coisas. É muito abrangente — disse Trump, pouco antes da assinatura do acordo, afirmando, sem falsa modéstia ou distanciamento histórico, que levou “entre 500 e 3 mil anos para chegarmos a este ponto”. —Todos disseram que não era possível e que vai acontecer. E está acontecendo diante de seus olhos.

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Como o dono da festa, Trump citou todos os presentes pelo nome, e gastou cerca de 20 minutos apertando as mãos deles antes de uma foto oficial. E era uma plateia bem diversa.
Emmanuel Macron, presidente da França, foi um dos que defenderam o reconhecimento do Estado Palestino,tal como os representantes de Espanha e Noruega. Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, chegou a se reunir rapidamente com Trump em Sharm el-Sheikh. Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, teria ameaçado boicotar o evento caso Netanyahu comparecesse — o premier israelense chegou a confirmar a ida ao Egito, mas mudou de ideia pouco depois.
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O primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, disse que Trump era “o mais maravilhoso candidato ao Nobel da Paz”, sem se referir à frustração na Casa Branca após o prêmio ir para a venezuelana María Corina Machado. E havia uma presença (em tese) não política: o presidente da Fifa, Gianni Infantino, próximo de Trump e que no começo do mês rejeitou punir o futebol de Israel por causa da guerra.
— É um grande elogio ao que estamos fazendo, porque o que fizemos é algo muito único e muito especial. Portanto, é talvez o grupo de nações mais rico e poderoso já reunido ao mesmo tempo, o que é algo grandioso — disse Trump. — Conquistamos juntos, nos últimos dias, uma mudança que é realmente histórica.
Garantir o cessar-fogo em uma guerra que deixou quase 70 mil mortos em Gaza, iniciada após um ataque que traumatizou um país, foi um feito diplomático de grande porte para Trump. Mas o presidente segue um roteiro similar ao de outras “vitórias” anunciadas nos últimos meses: soluções pontuais, que atacam um sintoma do conflito e rendem manchetes em um primeiro momento, mas deixam a solução definitiva em segundo plano.
— São muitas incógnitas, muitas interrogações à frente, e a solução de Dois Estados parece mais distante e mais utópica ainda. E pensar na paz efetiva hoje é implausível — afirmou ao GLOBO Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) — Temos muito mais um cessar-fogo do que propriamente uma ideia de paz.