Referência nacional em ensino, ciência e inovação, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a primeira do Brasil, resiste como pode em meio à falta de recursos. Prédios com problemas crônicos, salas e auditórios com goteiras e mofo são apenas as faces mais visíveis da penúria. Na semana passada, alunos tiveram que assumir o funcionamento de bandejões em meio a uma greve de funcionários terceirizados. No dia a dia, estudantes e professores convivem ainda com elevadores quebrados e aulas suspensas por falta de luz ou água. Com R$ 61 milhões em dívidas, a universidade precisa escolher quais contas serão pagas.
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De acordo com o reitor Roberto Medronho, que assumiu o cargo em 2023, uma inspeção recente apontou que 75% dos 154 prédios da UFRJ precisam de obras de recuperação para continuar funcionando. O custo estimado das intervenções é de R$ 1 bilhão. Este ano, o repasse do Ministério da Educação (MEC) à UFRJ será de R$ 406 milhões — R$ 14 milhões a mais que em 2024. Segundo o reitor de Finanças, Helios Malebranche, esse valor cobre apenas o funcionamento básico da universidade. Do total, R$ 311 milhões são destinados ao custeio de contas como água, luz e segurança.
O GLOBO percorreu as principais unidades da universidade — a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, onde fica também o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho; o campus da Praia Vermelha, na Urca, e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), no Centro. O que se viu foi um cenário de infraestrutura sucateada, muitos baldes espalhados por salas e corredores e serviços básicos comprometidos.
Na sexta-feira passada, funcionários terceirizados dos restaurantes universitários entraram em greve por atraso de salários. A paralisação afetou seis bandejões: quatro na Cidade Universitária, um na Praia Vermelha e outro no IFCS. Os próprios alunos assumiram a cozinha, servindo comida e lavando pratos. As refeições foram gratuitas — sem a cobrança habitual de R$ 2.
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— Os trabalhadores não têm culpa, estão exigindo o que é deles por direito, mas dependemos da comida também — disse Amanda Garcia, de 23 anos, estudante de Letras.
Desde 2022, a empresa responsável pela operação dos bandejões é a Nutrienergy, contratada por R$ 14 milhões até 2026. Ao site g1 a empresa alegou passar por dificuldades financeiras por conta de um “faturamento abaixo do esperado”. Dados do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União mostram que a UFRJ já repassou cerca de R$ 3 milhões à empresa este ano.
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Na segunda-feira, após reunião com os funcionários, a empresa pagou metade dos salários atrasados e prometeu quitar o restante até hoje.
— Estamos absolutamente em dia com a empresa. Quando temos culpa assumimos. Quando cortaram a energia, no ano passado, foi porque nós não pagamos — disse Roberto Medronho.
No Fundão, o abandono da Escola de Educação Física salta aos olhos. Em maio do ano passado, parte do muro do ginásio desabou. Desde então os alunos têm se virado como podem. Não foi o primeiro incidente. Em setembro de 2023, parte da marquise do prédio já havia caído danificando quatro salas de aula. A universidade informou que em razão dos dois desabamentos os cursos de graduação em Educação Física e em Dança “não receberam novos alunos no primeiro semestre de 2025”, mas que “haverá ingresso de novos estudantes no segundo semestre deste ano”.
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Taiane Santos, de 28 anos, aluna do último período de Educação Física, teve que adiar a formatura. Ela também conta que, sem vestiários, os alunos improvisam com toalhas para conseguir se trocar após as aulas práticas.
Em toda a Cidade Universitária, elevadores funcionam mais como enfeites. No Hospital Universitário, dos 15 elevadores, somente quatro estavam funcionando na segunda-feira. Mesmo assim, alguns tinham botões quebrados. Em nota, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), responsável pela unidade, informa que “quatro elevadores estão em processo de substituição” e que nos próximos 30 dias contratará a “modernização dos demais”.
Na Faculdade de Letras, baldes espalhados para conter goteiras e faixas de interdição já são encarados pelos estudantes como parte da “decoração”. Em um dos auditórios, o cheiro de mofo domina o ambiente.
No prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) pelo menos seis salas do quinto andar exibem avisos de risco de queda das cerâmicas das paredes. O Centro Tecnológico (CT), um dos prédios da Cidade Universitária que até então apresentava menos problemas, também não escapou dos efeitos das chuvas mais recentes. Na semana passada, as aulas precisaram ser suspensas. Um vídeo mostra a água escorrendo pelas paredes.
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Na Praia Vermelha, estudantes de Relações Internacionais assistem às aulas em contêineres. No IFCS e no Instituto de História , no Centro, o cenário também é de abando. Salas e banheiros seguem sem forro no teto, e a falta de ar-condicionado nas salas de aula é atribuída a problemas nas instalações elétricas.
Medronho reconhece que a situação é “dramática” e que as instalações prediais enfrentam “graves problemas”. O reitor ressalta que o orçamento aprovado para este ano é insuficiente para manter a universidade em funcionamento, quanto mais para realizar as reformas urgentes. Um gráfico que compara os valores repassados à UFRJ desde 2011 mostra que, naquele ano, a universidade recebeu R$ 737 milhões. Desde então, os repasses caíram 44,9%.
O MEC diz que esses problemas decorrem da política implementada em gestões passadas, de 2016 a 2022, que “reduziu drasticamente os valores para manutenção e investimentos”. O ministério diz ainda que “ vem fazendo, desde 2023, um esforço consistente para recuperar o orçamento das universidades federais”.