Quando Donald Trump foi eleito, em novembro, repetindo a retórica anti-imigração, uma das suas principais promessas de campanha foi promover a maior deportação em massa da História. Após dois meses na Casa Branca, porém, seus planos esbarram em uma série de desafios logísticos. Em fevereiro, seu primeiro mês completo no cargo, 37,6 mil migrantes irregulares foram expulsos ou deixaram voluntariamente o país, segundo dados obtidos pela agência Reuters — uma queda de quase 34% em comparação com o ano passado, quando 57 mil pessoas eram deportadas em média por mês.

A pressão por resultados acontece no momento em que a imigração tem sustentado a popularidade do presidente. Sem os números que gostaria, Trump tem investido na espetacularização da caça aos imigrantes como estratégia de marketing, avaliam analistas ouvidos pelo GLOBO.

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Sob Trump, deportações caíram em comparação com o governo Biden — Foto: Arte/O Globo

Custear tamanha operação tem sido o principal entrave para Trump, que precisou voltar atrás em algumas medidas devido à falta de recursos. Uma delas foi as deportações em aviões militares, com imigrantes algemados. Apesar de carregar um simbolismo caro à propaganda do governo, que busca associá-los a criminosos, o alto custo levou a Casa Branca a recalcular a rota e pressionar os próprios países de destino a bancarem a viagem. Para colocar em perspectiva, apenas um voo de deportação para Índia custou cerca de US$ 3 milhões (R$ 17,1 milhões), segundo o Wall Street Journal. Já para Guantánamo — prisão em Cuba que Trump quer transformar em centro de detenção —, gastou-se em média US$ 20 mil (R$ 114,1 mil) por imigrante enviado.

Dos 11 milhões de imigrantes irregulares nos EUA, mais de um milhão têm ordens de deportação. A Agência de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês), por sua vez, conta com um efetivo de apenas 6 mil agentes.

— Para compensar essa limitação, o governo tem buscado apoio de outras agências federais, como FBI e DEA [agência de combate às drogas], além de incentivar a cooperação de forças policiais estaduais e locais — explica a historiadora Renata Geraissati, ex-pesquisadora visitante na Universidade de Nova York (NYU), especializada em imigração. — No entanto, a legislação migratória é complexa, e a colaboração entre diferentes órgãos enfrenta barreiras jurídicas e operacionais.

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A busca por alternativas radicais, como enviar migrantes para Guantánamo ou El Salvador, tenta contornar outro obstáculo: a falta de espaço nos centros de detenção. O ICE tem 41,5 mil leitos, mas o aumento das prisões superlotou o sistema, que tem hoje 46,2 mil pessoas sob custódia.

Desde que Trump tomou posse, 32,8 mil migrantes foram presos pelo ICE. Além de acomodá-los, muitos dos detidos pela Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, em inglês) são enviados para instalações do ICE. Nesse sentido, a demora nas deportações se soma ao aumento do período sob custódia e a diminuição das libertações. De dezembro a março, o tempo médio que um imigrante com infrações menores ficava detido dobrou, passando de 47 dias para 98.

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Imigrantes apreendidos sob Trump II — Foto: Arte/O Globo
Imigrantes apreendidos sob Trump II — Foto: Arte/O Globo

Com o sistema inchado, a Casa Branca dobrou a aposta. Uma das estratégias foi invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798, para permitir a deportação rápida de venezuelanos supostamente vinculados ao Tren de Aragua, gangue designada como terrorista em janeiro. A legislação foi temporariamente suspensa por um juiz federal, mas não sem que antes centenas de imigrantes fossem enviados em três voos para El Salvador.

Na prática, a medida ajuda o governo a burlar a burocracia das cortes migratórias, cujos processos costumam demorar anos. Sob Joe Biden (2021-2025), os imigrantes podiam aguardar seu trâmite nos EUA.

— Já há mais de 2 milhões de pessoas esperando julgamentos relacionados à imigração — pontua Gabrielle Oliveira, professora de educação e migração na Universidade Harvard, destacando que as prisões elevam o número de processos e, consequentemente, o de pessoas aguardando deportação.

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Além disso, as deportações exigem audiências judiciais e cooperação diplomática com países de destino, o que tem sido difícil devido a tensões políticas, lembra Geraissati.

— Paralelamente, diversas das medidas têm sido contestadas judicialmente. Outro exemplo recente é a tentativa de permitir prisões de imigrantes em escolas, hospitais e locais de culto, alvo de ações movidas por grupos religiosos. A União Americana pelas Liberdades Civis também processou o governo para barrar a ampliação das deportações aceleradas, que permitem a remoção de imigrantes sem audiência perante um juiz.

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Diante dos entraves, o governo lançou o aplicativo CBP Home para incentivar o retorno voluntário de imigrantes indocumentados e melhorar os indicadores de deportação — que incluem não só as expulsões por decisão judicial, como também a saída de pessoas “deportáveis”. Apesar dos US$ 200 milhões (R$ 1,15 bilhão) investidos em propaganda, analistas questionam a capacidade de adesão.

— O retorno voluntário existe, mas quando é feito sob coação e para um país onde a vida, a liberdade ou a integridade do indivíduo estão em risco, não há nada de voluntário — diz Laura Dib, diretora de Venezuela no Escritório de Washington para a América Latina.

No Congresso, onde o Partido Republicano mantém maioria no Senado e na Câmara, foi aprovado na semana passada um orçamento adicional de US$ 430 milhões (R$ 2,4 bilhões) para o ICE, além de mais US$ 136 milhões (R$ 777 milhões) para os custos extras do Departamento de Justiça com a detenção de imigrantes. Em dezembro, Tom Homan, o “czar da fronteira”, disse que o ICE necessita de mais 100 mil leitos.

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Para Oliveira, a aprovação de mais orçamento é resultado de uma campanha de marketing bem-sucedida, na qual agentes do ICE foram alçados ao status de “heróis” e a deportação (ou a ameaça de uma) é usada como forma de perseguição política. É o caso do ex-aluno palestino da Universidade Columbia Mahmoud Khalil que, mesmo com visto de residência permanente, foi preso pelo ICE e pode ser deportado por ter liderado os protestos anti-Israel que tomaram as universidades americanas em 2024.

— A Casa Branca está usando esse tipo de marketing para normalizar a ideia de que imigrantes são vidas descartáveis. Havia vários outros estudantes, mas Khalil foi escolhido para se tornar esse grande pôster — analisa. — O governo precisa de aprovação popular para criar mais infraestruturas de detenção e aumentar a probabilidade de conseguir mais orçamento.

Manifestantes pedem libertação de Mahmoud Khalil durante protesto pró-Palestina em Nova York — Foto: AFP
Manifestantes pedem libertação de Mahmoud Khalil durante protesto pró-Palestina em Nova York — Foto: AFP

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Segundo Oliveira, a espetacularização das operações contra imigrantes nas redes sociais passa a impressão de que as políticas estão sendo eficazes, apesar dos indicadores. Uma pesquisa da NBC News publicada esta semana mostra que o governo é desaprovado por 51% dos americanos. Contudo, a imigração é a única área em que Trump tem o apoio da maioria da população (55%). O mesmo não se repete em questões como política externa e economia.

— O apoio de parte da população americana a políticas migratórias mais rígidas pode ser atribuído a uma combinação de fatores econômicos, sociais e políticos. Muitos cidadãos temem que a imigração em larga escala pressione o mercado de trabalho, reduzindo salários e oportunidades — pontua Geraissati. — Além disso, a retórica política que associa imigração à criminalidade e perda da identidade nacional tem reforçado percepções negativas e impulsionado o apoio a medidas mais restritivas.

Se nas deportações os indicadores são mais tímidos, o mesmo não se pode dizer das travessias irregulares na fronteira, que já vinham em queda desde o segundo semestre de 2024. O endurecimento das políticas migratórias tem dissuadido milhares de imigrantes a entrar nos EUA pelo México. Em fevereiro, apenas 11,7 mil pessoas fizeram a rota, uma queda já expressiva se comparado a dezembro passado, quando 96 mil imigrantes foram flagrados. Um ano antes, em dezembro de 2023, o governo Biden registrou o recorde de 301 mil cruzamentos em um mês.

Cruzamentos na fronteira americana entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2025 — Foto: Arte/O Globo
Cruzamentos na fronteira americana entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2025 — Foto: Arte/O Globo

Oliveira, no entanto, põe em dúvida a sustentabilidade disso no longo prazo:

— Imigrantes cruzando a fronteira é algo que flutua tanto quanto o mercado de ações: dependendo dos incentivos e do que estiver acontecendo, vai aumentar ou não. A gente não pode esperar que esses níveis baixos se sustentem por muito tempo. É impossível.

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